Por Mariléa de Almeida e Taina Silva Santos

Marcha há seis anos foi singular por reivindicar atenção à tradição feminina em projetos emancipatórios.

Há seis anos, na antevéspera do Dia Nacional da Consciência Negra, mais de 50 mil mulheres negras marcharam até Brasília em protesto contra o racismo, a violência, a intolerância religiosa e pelo bem viver. Na frente do Congresso, a Marcha Nacional das Mulheres Negras questionou hierarquias construídas sob a dominação branca e patriarcal, reunindo trabalhadoras urbanas, camponesas, quilombolas, mulheres dos movimentos de luta pela moradia, religiosas de matriz africana e tantas outras.

O texto de abertura da carta do movimento deu o tom do debate: “Nós, mulheres negras do Brasil, irmanadas com as mulheres do mundo afetadas pelo racismo, sexismo, lesbofobia, transfobia e outras formas de discriminação, estamos em marcha inspiradas em nossa ancestralidade que nos fez portadoras de um legado capaz de ofertar concepções que inspirem a construção e consolidação de um novo pacto civilizatório”. Há séculos, mulheres negras têm dado respostas aos mecanismos de exclusão de uma sociedade marcada por sistemas violentos de discriminação.

O protagonismo político das mulheres negras é perceptível em diversos momentos da história do Brasil, por meio de articulações estabelecidas dentro e fora dos espaços de sociabilidade negra. Estudos históricos apontam a importância das mulheres africanas e afro-descendentes na sustentação de famílias negras na escravidão e na liberdade e na formação de linhagens longevas nos campos e nas cidades. Ademais, elas estabeleceram redes por meio dos ambientes de trabalho, de forma que a atuação no comércio proporcionou recursos para a compra de número considerável de alforrias e ocupação de espaços sociais no mundo livre.

Desse modo, os agenciamentos contemporâneos das mulheres negras em defesa da vida e da liberdade não representam uma novidade. O que torna o momento atual singular é que, coletivamente, elas reivindicam o reconhecimento público de uma tradição feminina negra na criação de projetos emancipatórios para suas comunidades e o próprio país. Tal atitude foi impulsionada pelos aportes oferecidos pelos feminismos negros, mulherismo africana e toda gama de conhecimento criado por mulheres negras de diferentes classes sociais. Ao valorizar dimensões da vida como o cuidado, o afeto e a transmissão das experiências negras, o pensamento feminino negro torna visível a radicalidade política do seu legado.

A marcha exprime continuidades e descontinuidades de um longo processo, tornando-se, portanto, um acontecimento incontornável para a compreensão do presente e a ampliação de repertório de sujeitos centrais da luta antirracista e do país. A esse respeito, sumarizou Luiza Bairros (1953-2016): “Não tem mais como você pensar o país desconsiderando a população negra, que é a maioria da população. Desconsiderando a mulher negra. Sem isso você não estaria fazendo nada, não estaria pensando nada. E a marcha está dizendo isso”.

 

Mariléa de Almeida, doutora em História (Unicamp)
Taina Silva Santos, mestranda em História (Unicamp)

Fonte: O Globo.

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