Diferença entre grupos engajados e não engajados mostra grande desinformação sobre os indígenas no Brasil  

Qual a opinião dos brasileiros não indígenas sobre a realidade dos povos indígenas? Foi essa a pergunta que norteou uma pesquisa conduzida ao longo de 2021 e lançada em abril deste ano. Coordenada pela pesquisadora Cristiane Fontes, da Amoreira Comunicação, o projeto contou com análise documental, 350 entrevistas em profundidade com diferentes segmentos da sociedade brasileira e mapeamento sobre a evolução das narrativas sobre povos tradicionais nas redes sociais. A íntegra do estudo está disponível no site Narrativas Ancestrais, Presente do Futuro.

De acordo com Cristiane Fontes, há, hoje,  uma crescente valorização dos indígenas como parte da identidade nacional. “Especialmente entre os mais jovens, há um interessante crescente pela nossa ancestralidade e em recontar a nossa história”, afirma Cristiane Fontes.

Por outro lado, a pesquisadora lembra que as políticas públicas relacionadas aos territórios e povos indigenas do país, que já foram desenvolvidas com apoio da cooperação internacional, hoje são minimas.

“Quando falamos sobre o protagonismo do Brasil na agenda climática global, ainda precisamos dar muito mais visibilidade ao papel dos povos indígenas, assim como ampliar as discussões sobre modelos de prosperidade econômica para o país que incluam a gestão ambiental desses territórios”, destaca.

A pesquisa teve como foco dois principais grupos de não indígenas: os de pessoas não engajadas, composto por 100 indivíduos da população geral de perfil conservador e que atuam como formadores de opinião; e outro formado por 250 pessoas engajadas e interessadas na temática indígena. Ao longo da pesquisa, também foram analisados 9,7 milhões de posts nas principais redes sociais.

Segundo a equipe responsável pela pesquisa, ainda que previsíveis e esperadas, as diferenças entre as percepções sobre os povos indígenas entre os públicos engajados e os públicos não engajados são gigantescas.

“A pesquisa com os públicos não engajados mostrou que, quanto mais informados, mais conscientes são da diversidade e da complexidade do tema e mais interessados em compreender melhor a realidade dos povos indígenas”, relata Cristiane Fontes.

PÚBLICO NÃO ENGAJADO TENDE A REJEITAR PAUTAS INDÍGENAS

As entrevistas com o público não engajado, conduzidas pela empresa de pesquisa e de inteligência de mercado Ipsos, revelaram um profundo desconhecimento e distanciamento da importância e da realidade dos indígenas na atualidade, além de antagonismo, desinteresse e rejeição aos direitos indígenas, especialmente o direito à terra. Esses direitos tendem a ser vistos por esse público como em “contraposição” aos direitos de outros segmentos da população geral. A perspectiva, portanto, é de um espaço de disputas em que, “se o outro ganha, sou eu quem perco”.

“Esse resultado é preocupante, uma vez que esses públicos são tomadores de decisão na economia e na política brasileira e suas percepções moldam o debate público no Brasil sobre o tema”, diz a coordenadora do projeto.

A conexão dos povos indígenas com o meio ambiente é, em geral, reconhecida pelos públicos não engajados, mas seus modos de vida tendem a ser associados à pobreza, à necessidade de auxílios governamentais e à carências em geral, e não a outras maneiras de estar no mundo, cada vez mais valorizadas pelos públicos engajados como respostas à crise climática.

Os públicos não engajados ainda não conhecem ou compreendem a importância de estudos e do reconhecimento internacional por parte de organismos como o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da centralidade dos direitos territoriais dos povos indígenas para a agenda climática. Ao serem questionados sobre o interesse internacional pelos povos tradicionais no Brasil, a maioria não concordou e creditou o interesse às preocupações com o meio ambiente.

Além disso, nesse grupo, a representatividade indigena foi atribuída a organizações como a Funai, a organizações não governamentais (ONGs) e a lideranças religiosas. Raramente foram citados nomes específicos de lideranças indígenas e a imagem dos povos indígenas foi mais associada à vulnerabilidade e não à força.

PÚBLICO ENGAJADO RECONHECE LIDERANÇAS E AVANÇOS DOS POVOS INDÍGENAS NA ÚLTIMA DÉCADA

Já os públicos engajados descreveram como as grandes novidades da última década a auto representação, o protagonismo e o processo de ocupação de espaços com vozes dos próprios indígenas a partir de uma organização inédita do movimento indígena, do aumento expressivo de estudantes indígenas nas universidades, da diversidade de influenciadores digitais e comunicadores/as indígenas nas redes sociais e da emergência de artistas e pensadores/as indígenas.

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Imagem: Sônia Guajajara durante COP 26, principal momento de debate internacional sobre as mudanças climáticas | Crédito: reprodução.

Sônia Guajajara, Ailton Krenak, Jôenia Wapichana, Cacique Raoni e Davi Kopenawa foram citados como as principais referências indígenas deste período por sua  inserção na vida político-partidária, pela publicação de livros com críticas poderosas ao modelo de desenvolvimento da sociedade brasileira e global e pelas alianças estabelecidas com líderes e artistas no Brasil e internacionalmente.

O protagonismo de lideranças indígenas femininas no movimento indígena também foi uma mudança celebrada pelos entrevistados e destaque da análise sobre os conteúdos nas redes sociais.

“Os resultados da pesquisa sobre o debate nas redes sociais apontam para a centralidade de perfis indígenas e protagonismo crescente de mulheres ativistas”, ressalta a pesquisa.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi a organização mais destacada pelos públicos engajados. Ela foi seguida pelo Instituto Socioambiental (ISA), considerada uma organização descrita como a principal referência e fonte de informação de formadores de opinião de diversos segmentos.

O Acampamento Terra Livre (ATL) foi apontado por esses públicos como o principal evento marco da última década e o que tem gerado algumas das imagens mais icônicas de luta e resistência, como as de indígenas ocupando espaços icônicos da capital política do país.

COBERTURA DA IMPRENSA É CHAVE PARA A FORMAÇÃO DA OPINIÃO 

A concepção sobre os povos indígenas entre os públicos não engajados é formada a partir de fragmentos de informação na grande imprensa, às vezes, apenas títulos de reportagens, com pouco aprofundamento, e posts nas redes sociais. A partir de 2018, este cenário é impactado pelas contranarrativas produzidas pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados, como apontam os dados da DAPP/FGV.

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Imagem: manifestação dos povos indígenas em Brasília | Crédito: Fábio Nascimento.

Para os públicos engajados, apesar da produção jornalística ainda ser muitas vezes “pouco ou mal contextualizada”, ou “distorcida”, especialmente quando tratam do direito à terra e conflitos fundiários, houve aumento e melhoria da cobertura da grande imprensa nos últimos anos.

“Mesmo entre os públicos não engajados foi quase consenso que, sob o governo do atual presidente da República, os ataques de grileiros, garimpeiros e fazendeiros e a vulnerabilidade dos povos indígenas aumentaram ainda mais”, coloca a pesquisa.

EDUCAÇÃO, ATIVIDADES SOCIOEDUCATIVAS E NOVAS APOIADORES

Para muitos dos entrevistados dos públicos engajados e interessados, o respeito e a valorização dos povos indígenas pela sociedade brasileira só será possível após longos e massivos investimentos em educação, mudanças radicais no sistema político e reparação do Estado brasileiro.

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Imagem: Ato no Congresso para denunciar medidas antiambientalistas da bancada ruralista | Crédito: Greenpeace.

Como essas são medidas de longo prazo e, hoje, distantes da realidade, a pesquisa também inclui uma série de medidas que podem ser adotadas a curto prazo, entre as quais: ampliar a promoção de encontros, debates políticos e atividades socioculturais de indígenas com não-indígenas; produção de campanhas e de materiais didáticos, testando diferentes linguagem simples e estéticas e sem jargões e linguagem confrontacional; traduzir e explicar o apoio à causa indígena por meio de vozes relevantes no cenário internacional; expandir o número de apoiadores entre diferentes segmentos da sociedade, a exemplo do que ocorreu com artistas nos últimos anos; e obter compromisso com as pautas indígenas entre candidaturas não indígenas nas próximas eleições.

 “Apesar de um contexto completamente desfavorável e, de maneira geral, de uma visão bastante atrasada no país e descolada de tendências internacionais sobre não apenas os desafios, há as novas oportunidades e os novos modelos de prosperidade para a humanidade em tempos de colapso ecológico e crise climática”, aposta Cristiane Fontes.

SOBRE A PESQUISA

A pesquisa Narrativas Ancestrais, Presente do Futuro mapeou e analisou as percepções sobre os povos indígenas e as principais narrativas deles e sobre eles no Brasil na última década.

O estudo foi coordenado por Cristiane Fontes, da Amoreira Comunicação, jornalista que há mais de duas décadas trabalha com a agenda socioambiental, atualmente em Oxford, na Inglaterra; e implementado com a participação da Ipsos e da Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV).

A Ipsos conduziu o componente da pesquisa com os públicos não engajados, que contou com 100 entrevistas em profundidade, distribuídas entre população geral de perfil conservador e formadores de opinião, como economistas, lideranças políticas, líderes empresariais e jornalistas regionais.

Além disso, foram entrevistadas 250 pessoas engajadas e interessadas na temática indígena, incluindo ativistas, antropólogos, cineastas, jornalistas, representantes de ONGs nacionais e internacionais, artistas, juristas, comunicadores e lideranças de organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas e indigenistas do país, além de cientistas políticos, comunicólogos, editores, autores e representantes de agências de pesquisa de tendências de comportamento e inovação.

As redes sociais, por sua vez, foram analisadas pela DAPP/FGV a partir da coleta de mais de 9,7 milhões de postagens  no Facebook, Instagram, Twitter e YouTube. No caso do Facebook, YouTube e Instagram, a análise cobriu uma década, entre 2011 a 2021. No Twitter, o período analisado foi 2019 e 2021.

 

Fonte: Catarinas.

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