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A luta pela hegemonia: uma perspectiva negra

Valdisio Fernandes

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Apresentação

A discussão presente hoje no movimento negro acerca da definição de um Projeto Político do Povo Negro para o Brasil tem como ponto de partida a longa experiência acumulada nas lutas de resistência desde os primeiros quilombos formados na segunda metade do século XVI, somada à produção teórica dos intelectuais e daqueles que se dedicaram a compreender e desvelar a história da participação do elemento negro na formação histórica e econômica do Brasil. A elaboração desse projeto assenta-se em novos paradigmas, rompendo com a visão eurocêntrica de transplantar modos de produção e modelos de sociedade para o Brasil, ainda presente em muitas leituras de nossa história.

Como contraponto à predominância de teorias eurocêntricas na elaboração de estratégias para o desenvolvimento da sociedade brasileira, alguns intelectuais e dirigentes negros têm proposto o afrocentrismo como linha de formulação de uma “nova teoria negra”. Creio que tal processo de gestação teórica, recusando-se a aceitar o desenvolvimento dialético e universal das ciências e do conhecimento, traz em seu âmago a autolimitação no curso da elaboração proposta.

A concepção da via estratégica para a emancipação do povo negro que apresento aqui, tem como principais referências as identidades ou aproximações que tenho com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os temas mencionados.

Compreendendo como base da interpretação da realidade brasileira o estudo das forças sociais produtivas na formação do país e do papel central entre estas, desempenhado pela “raça negra”, entendo que a teoria gramsciana corresponde às necessidades da luta do povo negro pela hegemonia cultural e política que possibilite a construção de uma sociedade multiétnica e igualitária.

Faço também uma avaliação sobre o movimento negro brasileiro, os avanços significativos na obtenção de direitos, de espaços políticos, institucionais. Constatando o crescente desenvolvimento da “consciência racial” e da mobilização dos negros e mestiços pela cidadania plena, enfatizo que esse processo tem acentuado a necessidade de maior definição ideológica dos diversos segmentos que compõem o movimento, como decorrência do seu próprio amadurecimento. A formulação de respostas sobre a relação que devemos estabelecer com o Estado, os governos e os partidos políticos também é aqui discutida.

 

A luta pela hegemonia

 


Antonio Gramsci
1891-1937

O Estado sempre expressa e representa a dominação política-ideológica de uma classe sobre outras. Na sociedade brasileira, representa os interesses da burguesia, assegurando a manutenção e reprodução do sistema econômico capitalista, a hegemonia do capital.

Gramsci compreende o Estado como incluindo a sociedade civil, definindo-o assim:

“A noção geral de Estado inclui elementos que precisam ser relacionados à noção de sociedade civil: o Estado = sociedade política + sociedade civil, em outras palavras, hegemonia coberta com a armadura da coerção”.[1]

Enquanto em Marx o momento da sociedade civil coincide com a base material (contraposta à superestrutura onde estão as ideologias e as instituições), para Gramsci o momento da sociedade civil é superestrutural:

Nas superestruturas da sociedade são identificados dois grandes níveis – o que devemos chamar de nível da “sociedade civil”, quer dizer o conjunto dos organismos comumente chamados “privados”, como igrejas, escolas, sindicatos, associações etc. O outro é o da “sociedade política” ou do Estado: aparelho coercitivo que assegura a conformidade das massas populares ao tipo de produção ou de economia em um momento determinado. Obviamente essa não é uma distinção orgânica, mas sim metódica. Esses dois níveis correspondem, de um lado, à função de “hegemonia” que grupos dominantes exercem sobre a sociedade e, de outro, àquela de “dominação direta” ou de comando que se exprime no Estado e no governo “jurídico”.[2]

Em Gramsci, entre a estrutura econômica e o Estado, com sua legislação e coerção, tem-se a “sociedade civil”. Ela faz parte do Estado em sentido amplo, já que nela observam-se evidentes relações de poder. A “sociedade civil” é o lócus fundamental de formação e difusão da hegemonia. È o centro nevrálgico onde as classes lutam para conquistar direção política, capacitando-se e acumulando forças para a conquista e o exercício do poder.

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, culturais, religiosos e ideológicos. É onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema político, que precisa respondê-las. Os sujeitos desses conflitos são as classes sociais através de várias formas de associação que os indivíduos fazem entre si, manifestando seus interesses por meio de organizações e movimentos diversos. A incapacidade das instituições de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendê-las – por limitações econômico-financeiras ou de ordem político-ideológicas, de preservação dos interesses das classes dominantes – pode conduzir à crise de governabilidade e a continuidade desta gerar uma crise de legitimidade. A crise do Estado é resultante de uma crise de hegemonia, uma quebra na aptidão das classes dominantes de manter a direção política.

As ideologias disseminadas se tornam “partidos”, entram em conflito e em confrontação até que pelo menos uma delas, ou pelo menos uma única combinação delas, tende a prevalecer, a se impor, se propagando por toda a sociedade civil. Ela determina assim não somente a unicidade dos fins econômicos e políticos, mas também a unidade intelectual e moral, colocando todas as questões sobre as quais se intensifica a luta não no plano corporativo, mas num plano universal, criando assim a hegemonia de uma classe social sobre uma série de classes subordinadas.[3]

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da práxis, que a economia é somente em última análise a mola da história. É no terreno das ideologias que os homens se tornam conscientes dos conflitos que se verificam no mundo econômico.

O núcleo central do poder deve, por isso, ser procurado no seio da sociedade civil. Sobretudo no controle capitalista dos meios de comunicação (imprensa, rádio, TV, publicidade etc.), baseado no controle dos meios de produção. A nova mídia eletrônica tem um peso inegável na formação da opinião pública, na construção da cultura que está na base das relações de hegemonia. Em uma variante mais sofisticada, a real persuasão da aceitação voluntária do capitalismo ocorre nem tanto através da doutrinação ideológica pelos meios de comunicação, mas através da difusão invisível do fetichismo da mercadoria pelo trabalho ou pelos hábitos de submissão inculcados pelas rotinas de trabalho nas fábricas e escritórios. Ainda que a ênfase principal seja colocada no efeito do aparato cultural ou econômico, a conclusão analítica é a mesma.

É à rede estratégica da sociedade civil que se atribui a manutenção da hegemonia capitalista em uma democracia política, em que as instituições estatais não excluem ou reprimem diretamente as massas. Contudo, as condições normais de subordinação ideológica das massas – a rotina diária da democracia burguesa – são elas próprias constituídas por uma força silenciosa e ausente que lhes dá o seu valor: o monopólio da violência legitimada pelo Estado. Desprovido dessa força, o sistema de controle cultural seria instantaneamente fragilizado, caso os limites das ações possíveis contra ele desaparecessem.[4]

“Gramsci atribuía à cultura, à superestrutura, uma dimensão política que foi subestimada pelo marxismo ortodoxo – muito preso ao determinismo econômico. Compreendeu e valorizou a cultura e seu papel não só na transformação da sociedade, mas também na conservação. Essa valorização é um dos momentos constitutivos do seu conceito de hegemonia. Em Gramsci, hegemonia não é apenas direção política, mas também cultural, isto é, obtenção de convencimento / consenso para um universo de valores, de normas morais, de regras de conduta”[5].

A existência da hegemonia pressupõe indubitavelmente que se deve levar em conta os interesses e tendências dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercer. Mas, não há dúvida alguma, que, apesar da hegemonia ser ético-política, ela deve ser também econômica, deve necessariamente estar baseada na função decisiva exercida pelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econômica.

Em uma democracia burguesa, o Estado constitui apenas a trincheira avançada da sociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante, que pode resistir a sua destruição. A sociedade civil se torna o núcleo central ou a casamata da qual o Estado é apenas a superfície externa.

O proletariado – entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoras pauperizadas e os excluídos do mercado de trabalho formal – se torna uma classe revolucionária na medida em que não se restringe aos quadros de um corporativismo estreito e atua em todas as manifestações e em todos os domínios da vida social como um dirigente do conjunto da população trabalhadora e explorada.

A tarefa principal dos militantes socialistas – na realidade política atual – não é a de combater um Estado armado, mas converter ideologicamente o proletariado para libertá-lo das mistificações capitalistas – afirmar a identidade de classe, a ideologia socialista, desenvolvendo o acúmulo de poder a partir da formação de uma consciência crítica. No curso da “Guerra de Posição”, devemos conquistar espaços políticos orgânicos na sociedade civil e criar novos organismos com o avançar da luta política. Aliar as energias que vêm “de baixo”, dos setores da sociedade civil organizada aos parâmetros estratégicos da construção do socialismo em nosso país.

O exercício normal da hegemonia é caracterizado por uma combinação de força e consentimento. A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilização da força (convencimento + força) possibilita a alteração real do poder político e da ideologia dominante. A força pode ser empregada contra os inimigos, mas não contra a parte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e o entusiasmo.[6]

Assim há necessidade de “absorver” as forças sociais aliadas, estabelecendo compromissos com a finalidade de criar um bloco histórico político-econômico homogêneo sem contradições internas, capaz de desenvolver em um segundo momento a “Guerra de Movimento”, efetivando a alteração real do poder político e da ideologia dominante. Com isto, Gramsci contrapõe a “hegemonia do proletariado” à fórmula da “ditadura do proletariado”, refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionária russa.

Historicamente, o desenvolvimento de qualquer crise revolucionária necessariamente desloca o elemento dominante, no seio da estrutura do poder burguês, da ideologia para a violência. A coerção torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma crise limite. O poder capitalista pode, neste sentido, ser visto como um sistema topológico com um centro “móvel”: em toda crise, assiste-se a um deslocamento objetivo e o capital, deixando de lado seus aparelhos representativos, se reconcentra em torno dos seus aparelhos repressivos.

O certo é que a história, mudando sempre sua forma, continua a ser a história da luta de classes. O período histórico atual não é exceção, por maior que seja o ineditismo de sua forma. O seu desfecho, aberto, depende dos desdobramentos da relação de forças entre os blocos sociais antagônicos, definindo a cara do Brasil no século 21: dominado pelas forças do capital ou do trabalho, pela ínfima minoria no poder ou pelas grandes massas da população, organizadas como cidadãos livres e soberanos”.[7]

A Luta por uma sociedade socialista, multiétnica

 

Dia Nacional da Consciência Negra – Salvador, Marcha da Liberdade – 2006 Foto jornal A Tarde, 21/11/2006

A derrocada do leste europeu e a consolidação da hegemonia neoliberal no mundo refletiram-se na esquerda brasileira e internacional. Provocaram deslocamentos de posições entre os setores tradicionalmente de esquerda, desorientação ideológica e incapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismo neoliberal e suas perversões, assim como as fracassadas experiências burocráticas.

Por outro lado, como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo, a esquerda ainda não tem definida uma estratégia socialista para o Brasil e coloca em discussão hipóteses estratégicas que sofrem constantes alterações. Essa esquerda precisa superar os vícios de uma elaboração estratégica marcadamente eurocentrista, dogmática, que insiste em separar raça e classe, considerando que a questão racial e todas as demais questões referentes a segmentos oprimidos do povo são explicadas e “naturalmente” resolvidas pela luta de classes.

Ao não reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor do caráter da sociedade gestada no Brasil, a esquerda tradicional se incapacitou para entender os desdobramentos institucionais, econômicos, sociais e ideológicos existentes no País.

A questão negra é um elemento central na interpretação da realidade brasileira. A explicação do processo de acumulação de capital no Brasil passa, inevitavelmente, por uma análise histórica da participação preponderante do povo negro como força produtiva ao longo do desenvolvimento do modo de produção escravista, na construção das riquezas do país.

O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressões e discriminações, nas hierarquias desqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital. Uma das ações mais eficazes do capitalismo é a impregnação de valores construídos cotidianamente nos vários reprodutores de sua ideologia: a escola, a mídia, as demais instituições do estado burguês que reforçam essas relações hierarquizantes. Desconstruir esses valores faz parte da primeira tarefa do sujeito revolucionário. Um projeto de uma sociedade socialista para o Brasil não pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estratégia para a conquista do poder.

Luta e resistência sempre foram características da população negra no Brasil. O movimento negro é o mais antigo movimento social brasileiro, em mais de quatrocentos anos de luta, dos quilombos ao movimento negro contemporâneo, passando pelas diversas organizações, entidades e articulações de grupos antirracistas em nossos dias atuais. Os avanços e conquistas do povo negro são resultados da resistência e luta do nosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem, a África, e submetido à escravização em nosso País.

São séculos de enfrentamento político tanto no plano individual como coletivo, traduzidos em experiências históricas, muitas vezes negadas pelo poder dominante, explorador, colonialista, opressor de homens, mulheres, crianças, negros e negras. A história dos vencedores, tem uma visão conservadora que prioriza os heróis e fatos do homem branco, e a história na visão dos progressistas brancos, prioriza o relato da história da classe operária (visão eurocêntrica que identifica as manifestações de resistência dos trabalhadores, a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus!), desprezando, deturpando ou secundarizando a história de resistência dos negros e negras no Brasil.

Este é o nosso desafio: a construção de um projeto contra-hegemônico à ideologia, à lógica, ao sistema econômico capitalista. O acumulo de forças na sociedade civil, tendo como norte a emancipação social e política do povo negro e a construção de uma sociedade socialista, multiétnica no Brasil. Colocando a auto-organização das massas como base de sustentação do socialismo que defendemos, a partir da democracia direta e do controle social sobre os governantes.

 

A Sociedade Escravista

 

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou, no século XIX, as condições desumanas do porão de navio negreiro

Ao longo de quatro séculos, desde a metade do século XVI até a segunda metade do século XIX, foram trazidos da África e transportados à força para a América cerca de 10 milhões de africanos. Nesse número não está contido a soma dos que morreram no caminho. O trafico atlântico foi o maior movimento de migração forçada da história da humanidade.

O escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas ao capitalismo mundializado desde o século dos descobrimentos marítimos. A produção do escravo-mercadoria em África se dava pelos mecanismos da violência, da captura nas guerras ou do puro e simples seqüestro. Em seguida, processava-se o estranhamento e afastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura, para sua posterior expatriação e comercialização como mercadoria”[8].

Em 29 de março de 1549 a coroa portuguesa autorizou, oficialmente, a entrada de escravos no País. O decreto de D. João III concedeu o direito a uma quota de 100 escravos de nação Congo, trazidos do Cabo Verde e São Tomé para cada senhor de engenho ou dono de plantação. A lida com escravos negros na verdade já era comum pelo menos desde 1534, quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral. O Brasil foi o país que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da História.[9]

No século XVI, os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recôncavo baiano, para a produção açucareira e, às custas de seu suor e sangue, em 1600 o Brasil já era o maior produtor de açúcar do mundo, produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano. Nos séculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produção de algodão no Maranhão. No século XVIII, entre 1700 e 1770, utilizados na mineração em Minas Gerais e no Centro-Oeste, fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta. A maior parte desse ouro, seguindo para Portugal, tinha como destino final a Inglaterra, servindo para alavancar a Revolução Industrial no século seguinte.

No final deste século, o tráfico se concentrava no Rio de Janeiro e em São Paulo, destinado à produção do café que se tornou o principal produto do mercado brasileiro. Em 1800 a população brasileira era constituída por aproximadamente um milhão de brancos e cerca de dois milhões de negros: africanos e nascidos no Brasil, escravos e libertos.

“Bem mais refinado era o processo de construção do escravo nascido no Brasil. Nascido livre como todos, o crioulo era criado para ser escravo. A formação de um comportamento de obediência, a interiorização da inferioridade social, justificada e explicitada pela cor de sua pele – característica aliás imutável e independente de sua vontade – bem como a imposição de uma legislação que fixava a sua condição civil escrava e do decorrente controle policial dos seus movimentos, se processam no interior da sociedade escravista. A ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldição divina, a cultura dos seus ancestrais era bárbara, a sua religiosidade era demoníaca e doentia, a sua aparência repelente e a sua inteligência limitada às tarefas da obediência. Este era o seu lugar naquela sociedade, o de escravo. Assim, não só a escravidão africana e tráfico transatlântico produziram escravos; a sociedade brasileira produziu continuamente os seus escravos, os crioulos, em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos de África, todos nossos ancestrais.”[10]

Nas fazendas ou na extração de minérios as condições de trabalho e de higiene eram deploráveis, a alimentação era escassa e os maltratos freqüentes. Chicotes, troncos, marcas de sinetes incandescentes, gargalheiras, bacalhaus cortantes e pelourinho eram de uso recorrente. A jornada de trabalho diária era de 12 a 14 horas. Nessas condições, a vida útil de um escravo era em média de 7 a 10 anos ou no máximo 15.

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos, a dignidade, quebrar os elos de convivência e os vínculos sociais, separando as famílias, misturando pessoas provenientes de diferentes etnias, imprimindo castigos exemplares e humilhantes aos seus antigos líderes. Como bem pessoal, o negro podia ser alugado, leiloado, penhorado ou hipotecado, assim como as demais posses de seu proprietário. Levaram a cabo o propósito de desumanização do negro como sujeito.

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as “nações” e estimulavam as diferenças étnicas entre “Nagôs”, “Daomeanos”, “Minas”, “Angolas” e “Moçambiques”. A igreja fundou irmandades especiais de “negros selvagens”, de “crioulos” e de “mulatos”., aceitando às vezes as divisões étnicas. Nas cidades da Bahia e de Minas, certas confrarias estavam abertas apenas aos Nagôs, outras aos Bantos ocidentais, outras aos Bantos da “contra-costa”.[11]

Os negros resistiram ao processo de “coisificação” – uma das bases fundamentais da sociedade escravista – que lhes foi imposto para transformá-los em mercadorias, em objetos destituídos de consciência e “alma”. A resistência em mais de três séculos e meio de escravidão se deu de variadas formas: nos suicídios, abortamentos, banzos, sabotagens, fugas individuais e coletivas, rebeliões, assassinatos de senhores, formação de quilombos, preservação de crenças e cultos nos calundus, nas sociedades Ogboni, e outras.

 

O Racismo Estrutural no Brasil

 

O Brasil é uma sociedade engendrada no processo histórico e político com base no Racismo Estrutural que privilegia a raça branca em detrimento dos negros e indígenas.

Enraizado no escravismo colonial, o racismo sistêmico é um elemento constitutivo estruturante na formação econômica e social do Brasil, alicerçando um sistema estrutural político e ideológico de domínio de raça e classe. O Racismo estrutural, é inerente à ordem social, às suas estruturas e mecanismos jurídicos, que tem sido institucionalizado em todos os âmbitos da sociedade e resulta em práticas discriminatórias continuamente reproduzidas. O racismo sedimentado é permanecente no padrão de “normalidade” das relações sociais.

Humberto Bersani (2018) assinala que o racismo estrutural é um sistema de opressão cuja ação transcende a mera formatação das instituições, perpassando-se nos âmbitos público e privado. Sendo estruturante das relações sociais, consequentemente, da configuração da sociedade, e sendo por ela naturalizado, situa-se no plano da consciência e do inconsciente. É apropriado para manter, reproduzir e recriar desigualdades e privilégios, operando como mecanismo que perpetua o status quo.

De todas as transformações ocorridas com os modos de produção ao longo da história, o racismo no Brasil pode ser considerado como produto desta ordem social estabelecida pelo escravismo colonial, sendo, portanto, o elemento que permaneceu desde a gênese do Brasil, sobrevivendo a todas as transformações ocorridas, até o atual modelo neoliberal. O racismo está, assim, na essência do próprio Estado. (…) Portanto, a perspectiva traçada pelo racismo estrutural confere a possibilidade de se tratar o racismo pela raiz, atentando ‑se à sua essência e às peculiaridades desde a formação do país, ou seja, da mesma maneira pela qual ele tem se revelado, significado e ressignificado ao longo da História do Brasil. É enxergá‑lo não apenas pela forma como ele se mostra, mas sim pelo que ele é.

Essa formulação teórica fundamenta a análise do Racismo Estrutural no processo histórico, na constituição da sociedade brasileira a serviço do modo de produção na progressão e desenvolvimento deste, e consequentemente nas manifestações presentes na atualidade, atuando decisivamente na exclusão social. A dimensão do Racismo Estrutural tem uma precedência causal sobre os preconceitos e discriminações.

Quando se reflete sobre uma teoria social do racismo, há que se questionar, antes, seus objetivos. O primeiro deles é eminentemente analítico, isto é, uma teoria pretende fornecer o postulado e orientar as investigações baseadas na experiência, na observação do fenômeno e suas conexões de sentido. O segundo objetivo é eminentemente político, ou seja, uma teoria do racismo busca elucidar os seus mecanismos causais de reprodução para, assim, contribuir com a sua superação.

A Resistência negra

 

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia, 1763

“O escravo foi um componente dinâmico permanente no desgaste ao sistema escravista, através de diversas formas e atuava em vários níveis, no processo do seu desmoronamento”. Clovis Moura.[13]

Nesta história de lutas, como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro “Os Quilombos e a Rebelião Negra” os quilombos ocupam um lugar de indiscutível destaque: Surgindo a partir da organização de escravos fugitivos, eles se multiplicaram aos milhares e se espalharam por todo o país, servindo não só como refúgio, mas também para a organização da vida social sob outras bases que não aquelas ditadas pelo sistema colonial.[14] Eram uma demonstração da possibilidade de se estruturar a sociedade de outra forma. O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no século XVI, conforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechou o seu ciclo de lutas nas últimas décadas do século XIX. Registra a mais longa e histórica forma de luta no Brasil. (1597 – 1888).

Nos quilombos mais estruturados, a economia era baseada no trabalho coletivo, de forma a atender as necessidades de todos os habitantes. Neles conviviam, além da imensa maioria de negros, uma série de outros oprimidos na sociedade escravista: fugitivos do serviço militar, criminosos, índios, mestiços e também brancos pobres.

Os quilombos que duraram mais anos, conseguiram fazê-lo a partir da estruturação de uma eficaz e aguerrida força militar. Além disso, os quilombolas mantinham relações comerciais (legais ou não) com as comunidades da região e também se apoiavam no constante apoio dos negros escravizados existentes nas áreas próximas.

O Quilombo dos Palmares, foi o maior e mais duradouro quilombo, chegando a ocupar, uma extensão de aproximadamente 150 quilômetros de comprimento e 50 de largura. A República dos Palmares, como chegou a ser conhecida, iniciou sua formação em 1597 e durou até 1695, situada numa vasta área da Capitania de Pernambuco, principalmente na comarca de Alagoas, em uma região serrana que atingia até 500 metros de altitude, coberta por florestas e de acesso muito difícil. Em seu período de auge, Palmares chegou a atingir, uma população de cerca de 20 mil pessoas. Outros quilombos, como o de Campo Grande e o de Ambrósio, em Minas Gerais, chegaram a ter mais de 10 mil habitantes e também são parte de uma história que fez do Brasil não só um país de escravidão, mas também um país de quilombos.

Em variados pontos do país os negros constituíram ainda sociedades secretas, com o objetivo de conspirar, organizar fugas de escravos, rebeliões e manter ativa a luta pela liberdade. Na Bahia existiram muitas organizações desse gênero, como a sociedade yorubana Obgoni ou Ohogbo, apontada como responsável pela rebelião de 1809 no Estado. No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos, organizou a rebelião de Manuel Congo, esmagada pelas forças do Duque de Caxias. Além desta, planejou uma outra, comandada por Estevão Pimenta, que foi abortada com a prisão de seus lideres, devido à delação às autoridades. Infelizmente a história não guardou o nome, de muitas dessas sociedades, que tiveram grande influência nos pronunciamentos dos negros escravos. Também são escassos os documentos existentes.[15]

No Brasil colônia e depois da independência, sucederam-se em diversas províncias, também no espaço urbano, revoltas e rebeliões de escravos e mestiços contra a dominação racial, econômica e política da classe dominante escravista. Movimentos de libertação como a Balaiada no Maranhão e a Cabanagem no Pará, nos quais o povo negro teve papel preponderante. Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliões, – com situações de opressão racial / social em contextos políticos distintos – a “Revolta dos Búzios” em 1798 e o “Levante dos Malês” em 1835.

 

A Conjuração dos Búzios

 

Mártires da Revolta dos Búzios, 12 de agosto de 1798

 

A “Revolta dos Búzios”, foi assim denominada em referência ao uso do búzio como signo do movimento, pendurado à cadeia dos relógios dos conjurados como sinal de identificação entre eles. Constituiu-se em um movimento político pelo qual homens negros e pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contra a sociedade escravista na Bahia, em 1798.

O regionalismo baiano inspirou a exaltação deste movimento, batizado então de Inconfidência Baiana, mais radical nos propósitos de independência do Brasil e mais republicano do que a Inconfidência Mineira porque portador dos anseios das classes subordinadas do Brasil colonial. A busca da participação do povo negro na História da Bahia fez emergir uma rede de comunicação afro-brasileira, com a força simbólica capaz de rebatizar o evento como Revolta dos Búzios. No dia 12 de agosto de 1798, pela manhã, apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidade, convocando o povo a participar de uma revolução contra o sistema colonial português, a escravidão e a discriminação racial. No primeiro aviso do boletim sedicioso, os revolucionários apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido da Liberdade. Os conspiradores chamavam a população à luta e proclamavam idéias de liberdade, igualdade, fraternidade e República: “está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais”; …”Homens o tempo é xegado para vossa ressurreição, sim para que ressuscitareis do abismo da escravidão, para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdade”. Neste projeto revolucionário liberal, propõem a igualdade das raças em uma cidade da escravidão e da discriminação racial.[16] Dos 11 boletins, 10 foram anexados aos autos dos processos e encontram-se no Arquivo Público da Bahia, maço 581 da Seção Histórica.

O movimento revolucionário de 1798, conhecido como a “Revolta dos Alfaiates”, “Conjuração Baiana” ou “Revolta dos Búzios”, é um dos mais amplos, do ponto de vista político, econômico e social ocorridos no Brasil-Colônia. Segundo os historiadores Luís Henrique dias Tavares e István Jancsó, até o final do século XVIII, nenhum movimento político no Brasil possuíra um programa tão amplo, com penetração tão profunda nas classes e camadas sociais, quanto este. Com fundamental participação de escravos e seus descendentes, pretos e pardos, soldados, pequenos comerciantes e artesãos, o movimento sob influência da filosofia iluminista, tinha como referência a Revolução Francesa de 1789, adaptando o ideário desta à realidade da ordem social escravista. Discutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa, tornar-se uma república democrática, na qual a cor da pele não fosse razão para discriminação. Entre as lideranças do movimento, destacaram-se os alfaiates João de Deus do Nascimento, Manuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens, todos mestiços. Um outro destaque desse movimento foi a participação de mulheres negras, como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento, Luiza Francisca de Araújo, Lucrecia Maria Gercent e Vicência.

No dia 23 de agosto de 1798, o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso, acusado de ter escrito os papeis sediciosos depois da comparação de sua caligrafia com os boletins. Anteriormente ele já havia desertado do Exército três vezes e freqüentemente escrevia petições para o governo, reclamando da discriminação racial nas tropas. Ele negou a autoria até o fim.

A notícia da prisão do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reunião no dia seguinte na casa de Lucas Dantas, resolveram acelerar os planos. Convocaram uma ampla reunião para a noite seguinte, quando, verificando-se o número de insurgentes mobilizados, se deflagraria o levante. Na ânsia de convocar gente para a revolta, atraíram pessoas que denunciaram tudo às autoridades Portuguesas. Os delatores foram os soldados mestiços Joaquim José da Veiga, Joaquim de Sirqueira e o capitão negro Joaquim José de Santa Anna. Este último, depositário de grande esperança dos rebeldes para a obtenção de armas e adesão de muitos soldados.

No caminho da reunião o soldado Caetano Veloso Barreto, reconheceu o coronel Alexandre Teotônio de Souza que estava disfarçado para identificar os revolucionários. A presença do coronel avisada de boca em boca fez com que a reunião não se concretizasse. João de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado no Dique do Desterro, sem saber do ocorrido, e sofreu grande decepção. Ele esperava encontrar mais de “200 partidários da liberdade”. Apenas 14 pessoas compareceram, incluindo os três delatores.

Com as delações 41 pessoas foram detidas, mas 16 delas foram soltas logo depois. Dos 33 presos e processados 11 eram escravos. Na devassa foram apreendidos os textos franceses considerados subversivos: o Orador dos Estados Gerais; trechos do livro de Volney , “As Ruínas”; o discurso de Boissy D`Anglas na Convenção Francesa em 30 de janeiro de 1795, além do poema à “Liberdade e Igualdade” que servia como hino do movimento.

A repressão foi das mais violentas, e o movimento abortado, foi totalmente desarticulado. No dia da execução em 8 de novembro de 1799, para garantir a ordem, soldados de todos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praça, com as armas voltadas para a multidão. Os quatro lideres revolucionários baianos foram enforcados e esquartejados na Praça da Piedade, outros sete conjurados, foram condenados ao degredo na África fora dos domínios de Portugal.

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres, isentando de responsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase da conjuração. Os principais propagadores dos ideais da revolução francesa entre os rebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves. O rico padre e comerciante Francisco Agostinho Gomes, citado como tradutor de textos franceses proibidos, sequer foi chamado a depor. Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam “mal ouvidos e pior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revolução” e conclui destacando “a fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real Majestade”.Foi absolvido. Os tenentes Hermógenes de Aguilar Pantoja e José Gomes de Oliveira Borges, citados como promotores de jantares com os revoltosos, foram condenados a seis meses de prisão. O professor Francisco Muniz Barreto, citado como o autor do poema “À Liberdade” foi cassado do cargo de professor régio e teve a pena de acoites, comutada para um ano de prisão.

 

O Levante dos Malês

Varias revoltas de escravos e libertos, se sucederam, uma após a outra, entre 1807 e 1835. a Revolta dos Malês, a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835, dia de Nossa Senhora da Guia, na cidade de Salvador, Bahia. Consistiu numa sublevação de caráter racial, de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas também hauçás, ewes e outras etnias. Organizados em torno de propostas radicais para a sua libertação, eram majoritariamente de religião islâmica, com referência ideológica no Alcorão. O termo “malê” deriva do iorubá “imale”, designando o muçulmano.

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835, um grupo de escravos e libertos ocupou as ruas de Salvador, Bahia, e durante mais de três horas enfrentou soldados e civis armados. (…) foi o levante de escravos urbanos mais sério ocorrido nas Américas e teve efeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista. Centenas de insurgentes participaram, cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativa conservadora, foram depois punidos com penas de morte, prisão açoites e deportação. Se uma rebelião das mesmas proporções acontecesse na virada para o século XXI em Salvador, com seus quase 3 milhões de habitantes, resultaria na punição de cerca de 24 mil pessoas. Isso dá uma idéia da dramática experiência vivida pelos africanos e outros habitantes da Bahia em 1835. A rebelião teve repercussão nacional e internacional. (…) Em Londres, Nova York, Boston e provavelmente outras cidades da Europa e das Américas, a imprensa também publicou relatos do levante. A África teve conhecimento do fato por intermédio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelas autoridades baianas.[17]

Planejada por elementos que possuíam experiência anterior de combate, na África, de maneira geral, os malês propunham o fim do catolicismo – religião que lhes era imposta -, o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantação de uma monarquia islâmica, com a escravidão dos não muçulmanos.

De acordo com o plano de ataque, assinado por um escravo de nome Mala Abubaker, os revoltosos sairiam da Vitória “tomando a terra e matando toda a gente branca”. De lá rumariam para a Água dos Meninos e, depois, para Itapagipe, onde se reuniriam ao restante das forças. O passo seguinte seria a invasão dos engenhos do Recôncavo e a libertação dos escravos. Os rebeldes liderados por Manuel Calafate, Aprígio, Pai Inácio e outros, arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em árabe. Mas sendo denunciados por uma negra ao juiz de paz, atacaram o quartel que controlava a cidade. Porém, devido à inferioridade numérica e de armamentos, foram massacrados pelas tropas da Guarda Nacional, ajudadas nessa repressão pela polícia e por civis armados que temiam o sucesso da rebelião negra. Nesse confronto morreram sete soldados das tropas oficiais e setenta negros, enquanto duzentos escravos foram barbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condená-los a penas como morte, trabalhos forçados, degredo e açoites. Outros quinhentos e poucos africanos foram expulsos do Brasil e levados de volta à África.[18]

As cenas públicas de tortura não podiam ser mais indignantes. As vítimas eram despidas, amarradas e açoitadas nas costas e nas nádegas, um espetáculo intimidador para os demais africanos, que passaram dias a fio assistindo àquele sofrimento em diversos locais da cidade: o Campo da Pólvora, o Campo Grande e Água de Meninos. Muitos dos sentenciados fizeram todo o circuito, sendo castigados cada dia em um desses locais. Os açoites eram dados em número de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar uma gargalheira – armação de ferro em forma de cruz – em torno do pescoço e outros passaram a usar correntes nos pés[19].

Era o dia 14 de maio de 1835. A Cidade da Bahia amanheceu tensa. Os condenados percorreram algemados as ruas de Salvador até o Campo da Pólvora: Ajahi (Jorge da Cruz Barbosa), nagô, carregador de cal e o único liberto dentre os condenados; Pedro, escravo do comerciante inglês Joseph Mellors Russel; Gonçalo, que nos autos aparece como pertencente a Lourenço de Tal, e Joaquim, de propriedade de Pedro Luís Mefre, todos escravos nagôs. Para decepção das autoridades a nova forca, construída especialmente para aquela solenidade, não pôde ser usada contra os condenados porque não foi encontrado carrasco para acioná-la. O vice-presidente da Província da Bahia, Manoel Antônio de Galvão, atendendo a um pedido do chefe de polícia, ofereceu considerável recompensa, que variava entre 20 e 30 mil réis, a qualquer preso recolhido nas várias cadeias e nas galés que aceitasse a tarefa. Ninguém se dispôs. A sentença teve de ser cumprida por fuzilamento.

Na História do Levante dos Malês João José Reis afirma que o movimento de 1835 se beneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano. Destaca também a dimensão de classe da revolta, mas classe no sentido dinâmico empregado por E. P. Thompson, que a entendeu como uma coletividade em movimento, como experiência vivida, não apenas uma posição estática na estrutura social e econômica[20]. Em outro texto, Reis acrescenta: “A rebelião teria tido também uma orientação de classe por ter sido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorial dos presos revela sua face antiescravista. Foi também assim considerada pelo Estado escravocrata, que definiu, reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem e uma legislação especificamente antiescrava”.

 

A Abolição

Desde o início do século XIX a Inglaterra e outras potências européias exigiam a abolição dos escravos e a adoção do trabalho assalariado, essencial para a expansão de seus mercados. O império britânico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condição para que se reconhecesse a independência do Brasil, forçando o império brasileiro a assinar uma convenção, em 1830, através da qual assumia o compromisso de eliminar o tráfico. No entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e dava continuidade ao tráfico que permaneceu ativo até 1856 – apesar da aprovação da Lei Eusébio de Queirós em 1850 que extinguia o tráfico. Nesse período, entraram “ilegalmente” no país aproximadamente 600 mil africanos. Os senhores escravistas resistiam à possibilidade de substituição do trabalho escravo pela mão de obra assalariada que imporia mudanças no modelo econômico que lhes propiciou riqueza e poder. Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliões escravas que se sucediam e com o crescimento do movimento abolicionista.

Com a eclosão da guerra do Paraguai, milhares de escravos foram libertados entre 1864 e 1870, com a condição obrigatória que lutassem na guerra. Colocados na frente de batalha sem nenhum preparo militar, muitos se revelaram excelentes combatentes guiados pela determinação de conquista da liberdade. No entanto, mais de cem mil soldados negros morreram.

Diante da crescente pressão abolicionista, a corte imperial criou algumas leis procurando amenizar os “prejuízos” dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidão. As três grandes leis abolicionistas – Rio Branco ou do Ventre Livre (1871), Saraiva Cotegipe ou dos Sexagenários (1885) e Áurea (1888) – revelam o andamento moderado do processo. A “Lei do Ventre Livre” libertava os escravos que nascessem após a data de sua promulgação, mas não suas mães. Por isso mesmo, os menores ficavam com as mães até os oito anos, quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenização – no valor de 600 mil reis – e utilizar os serviços do menor até 21 anos. Eram evidentes as vantagens dos senhores, que além do mais tinham por prática alterar a data de nascimento dos cativos na hora da matrícula.

A segunda lei, de tão vergonhosa, foi contestada já na época de sua promulgação. A “Lei dos Sexagenários” dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa a possibilidade de o prazo ser estendido até os 65. Ora, sabemos que a média de vida de trabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eram freqüentemente descritos por seu aspecto senil, cabelos brancos e bocas desdentadas. Portanto, o cativo, quando alcançava 60 anos, significava na maioria das vezes um encargo e não um benefício, o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dos senhores, e não do cativos.(…).[21]

No Brasil, o abolicionismo não foi exclusivamente legal. A lentidão do processo abolicionista provocou a transformação de inconformistas em revolucionários que avançaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a ação direta de libertação coletiva de escravos. Grupos como os “Caifazes”, liderados por Antônio Bento, possuíam ampla base popular, tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta de cativos. Esse movimento editava o jornal “A Redempção”, e contava com o apoio da Irmandade Nossa Senhora dos Remédios e dos abolicionista mais ativos, quase todos pobres. Possuíam uma técnica de combate às práticas violentas de tortura e repressão dos senhores escravistas. Essa técnica consistia na coleta de instrumentos de tortura e sua exposição pública – as vezes junto com a própria vítima – em lugares centrais da cidade e nas procissões de Nossa Senhora dos Remédios. Objetivavam sensibilizar a opinião pública mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos. Os Caifazes organizaram o quilombo Jabaquara, nas imediações do porto de Santos para acolher os escravos fugidos.

Desde a década de 1880, o movimento de fuga de escravos acelera-se, e passa a ser comum ler nos jornais que um grande proprietário adormecera com toda a sua escravaria bem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo.

As leis promulgadas não detiveram as rebeliões e fugas em massa que se generalizavam. O enorme contingente de negros livres, libertos e escravos, em número muito superior ao de brancos, significava uma ameaça constante à estabilidade social. A abolição se impunha como uma necessidade. A assinatura da Lei Áurea em 1888 libertou pouco mais de 700 mil negros que ainda viviam na condição de escravo. Esse número representava cerca de 5% da população negra que existia no país.

O movimento abolicionista de modo geral, que lutara pela abolição reunindo pessoas de todas as classes, não objetivava a inclusão social dos libertos antes e depois da Lei Áurea. Com o argumento da efetivação da abolição – razão de ser dos clubes e sociedades que foram criados – as organizações abolicionistas dissolveram-se. Estava explicitado que não interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos.

O movimento abolicionista tinha dois objetivos: a abolição da escravatura e a desagregação da ordem escravista com a eliminação da relação senhor-escravo, fazendo emergir do seio desta, a ordem social capitalista.

 

“A igualdade – como a liberdade – se conquista”

 

Conforme Florestan Fernandes “A escravidão atingiu o seu ponto alto, como fator de acumulação interna de capital, não antes mas depois da Independência, quando se constituiu um Estado nacional. Isso pode parecer um paradoxo. Mas não é. As estruturas coloniais de organização da economia, da sociedade e do poder só conheceram sua plenitude quando os senhores de escravos organizaram sua própria forma de hegemonia. O trabalho escravo passou a gerar um excedente econômico, que não ia mais para fora na mesma proporção que anteriormente, e sobre ele se alicerçou a primeira expansão do capital comercial dentro do país.

A crise da produção escravista prende-se à proibição do tráfico e às represálias inglesas contra os navios negreiros. A insurgência dos escravos, dos libertos e as lutas abolicionistas golpearam mortalmente o escravismo. A escravidão se esboroou, no entanto, o substituto e o sucessor do escravo não foi o trabalhador negro livre, mas o trabalhador livre branco estrangeiro ou então o homem pobre branco.

O drama humano intrínseco à Abolição condenou a massa dos ex-escravos e dos libertos à própria sorte, como se fossem um simples bagaço do antigo sistema de produção. O advir da República, vinculada à desagregação da produção escravista e da ordem social correspondente, não serviu para toda a sociedade brasileira. Seus limites históricos eram fechados, não assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais. Tratava-se de um novo regime das elites, pelas elites, para as elites”.[22]

Foi realizada uma “revolução passiva”, segundo o conceito desenvolvido por Gramsci. A classe dominante, reprimindo e excluindo os “de baixo”, empreende processos de renovação “pelo alto”, autoritários ou ditatoriais, impedindo com isto, que eles sejam protagonistas nos processos de transformação. O primeiro censo do período republicano revela que, de 14 milhões de habitantes, 8 milhões eram afrodescendentes.

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma política oficial de imigração e de proteção à exportação, a qual resolvia seus problemas de mão-de-obra e de comercialização do café.

O negro submergiu na economia de subsistência através das migrações que se sucederam, pois os antigos escravos buscavam as regiões de origem. Nas cidades, o homem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneração, mas, ao mesmo tempo, forjaria uma consciência social de rebelião coletiva.

Todo um complexo de privilégios, padrões de comportamento e valores de uma ordem social arcaica manteve-se intacto, em proveito dos extratos dominantes da raça branca, embora em prejuízo fatal da nação. Entretanto, a idéia da “democracia racial” como resultado da Abolição se arraigou no novo regime, condenando amargamente o engolfamento do passado no presente, através da exclusão dos negros, mestiços e de seus descendentes em gerações sucessivas. Em conseqüência, o mito da “democracia racial” floresceu sem contestação, até que os próprios negros conseguiram condições materiais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboração de uma contra-ideologia racial[23].

Após a Abolição, a criação de clubes e associações negras ocorre a partir de 1915, e se intensifica no período de 1918 – 1924. Eram entidades “culturais e beneficentes” sem conteúdo reivindicatório ou político.

O protesto negro no pós-Abolição se corporificou na década de 30, clamando por participar do novo regime, levantando o véu de uma descolonização que ficara interrompida desde a proclamação da Independência e indicando, sem subterfúgios, os requisitos da democracia racial. O protesto se confinara à ordem estabelecida, mas era autêntico e revolucionário, pois exigia a plena democratização da ordem republicana – através das raças e contra os preconceitos e privilégios raciais. O que resultou em uma cabal e indignada desmistificação: na lei a ordem é uma; nos fatos, é outra[24].

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmãos Arlindo e Isaltino Veiga dos santos, inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano. Manifestava a vontade de substituir a imagem do antigo negro, mais africano que ocidental, mais exótico que nacional, pela imagem do “novo negro”, brasileiro. Exprimia satisfação e orgulho pelo “mulatismo”, a solução dada pelo País ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial. Propõe uma nova ordem social, a elevação moral, intelectual e social da raça negra.

Apesar de tudo, a Frente Negra obteve um enorme êxito em todo o País e foi o principal responsável pelo despertar de uma consciência racial no negro. Os frentenegrinos estimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com as pessoas da mesma cor. A ditadura do Estado Novo, implantada em 1937, promoveu a proibição do funcionamento das organizações políticas, pondo fim à curta existência da Frente Negra.

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento, indicando a superação da opressão mediante a negação da identidade negra, a mestiçagem e o reconhecimento da superioridade branca, apontando para o extermínio definitivo da presença negra em nossa realidade. Para sinalizar a possibilidade de incorporação e, ao mesmo tempo, desmobilizar o espaço de resistência identitária presente nas manifestações culturais, assimilaram-se algumas manifestações, desvinculando-as das referências étnico-raciais e intensificou-se a repressão às manifestações refratárias ao embranquecimento.

Os fatos – e não as hipóteses – confirmam a tenacidade do mito da “democracia racial”, apesar da destruição das suas bases teóricas a partir dos estudos de Florestan Fernandes e Roger Bastide, publicados em 1953. As elites que o implantaram numa fase complexa de transição do escravismo para o trabalho livre continuam a usá-lo para a estabilidade da ordem: a centralização e a concentração racial da riqueza, do prestígio social e do poder. O mito da “democracia racial” continua a obstaculizar as mudanças estruturais requeridas pelo povo negro. O ardil da “democracia racial” tem a função de aprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem à negação de si próprio, de constrangê-lo a ver-se subordinado racialmente. A pessoa interage com o seu mundo e, para resguardar sua identidade, precisa começar por negá-lo e transformá-lo.

Não haverá nação enquanto as seqüelas do escravismo, que afetaram os antigos agentes do trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes, não forem definitivamente superadas. Essa herança perversa mantém a maioria do povo no subdesenvolvimento, comprometendo nosso futuro.[25]

A discriminação racial é a pedra angular da manutenção de uma sociedade hierarquizada, antidemocrática e violenta. Essa “democracia”, que teme a verdade e reprime os que a difundem, oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentes mestiços. Contudo, o movimento negro demonstra, nas conquistas resultantes de sua luta secular, que a repressão e a violência não podem impedir que os negros se projetem como agentes de sua auto-emancipação coletiva e de criação de uma nova sociedade, multiétnica, com efetiva democracia racial.

O negro surge como um símbolo, uma esperança e o teste do que deveria ser a democracia como fusão de igualdade com liberdade. Como trabalhador assalariado, a sociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho, à estrutura social do modo de produção capitalista, integrando-o ao proletariado. Nessa condição o negro pode ser duplamente revolucionário – como negro e como proletário. Se não conta com razões para defender a ordem existente, há muitos motivos para negá-la, destruí-la e construir uma ordem nova, na qual raça e classe deixem de ser uma maldição[26].

Afirmamos o caráter estratégico da organização do povo negro para engendrar uma sociedade sem dominação de raça[27], de gênero e sem dominação de classe. A raça é o fator que, em um contexto de confrontação, poderá levar mais longe, em extensão e profundidade, o padrão de democracia que corresponderá às exigências da situação brasileira. O povo negro deve emancipar-se coletivamente, concebendo a interação de sua condição racial com a condição de força produtiva, construindo objetivamente uma via para transformar o país.

Estas duas polaridades – a classe e a raça combinadas – podem constituir-se em forças centrífugas à ordem existente. Além disso, há outros segmentos oprimidos (mulheres, homossexuais, índios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca de sua emancipação, integram o campo revolucionário contra a ordem vigente e almejam a edificação de uma sociedade de iguais. Os diferentes segmentos, com interesses, valores e aspirações distintas, compõem nesse campo uma “unidade no diverso”.

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquire repentinamente consciência de sua totalidade, mas somente por meio de experiências sucessivas, quando toma consciência pelos fatos, de que nada do que é, é “natural”, mas que tudo existe porque existem certas condições que lhe dão materialidade. É com a consciência da totalidade que o movimento se aperfeiçoa, perde as características de “simbiose”, se torna verdadeiramente independente, no sentido de que para ter determinadas conseqüências cria as premissas necessárias, empenhando todas as suas forças.

 

Institucionalidade e Autonomia

Em consonância com a interpretação da realidade brasileira hoje, o patamar de nossa luta situa-se na radicalização da democracia, procurando expandi-la para além dos limites da institucionalidade vigente. A luta pela hegemonia deve articular, interligar a busca pela concretização da “cidadania social” à política, colocando a generalização da cidadania negra como o objetivo central da luta democrática.

O movimento negro é o único entre os movimentos sociais brasileiros que tem experimentado uma ascensão contínua, na fase de ressurgimento das organizações sociais após o golpe militar de 1964. Esse crescimento político-organizativo e da capacidade de mobilização permitiu também um significativo avanço no terreno institucional com a obtenção de diversas conquistas: O reconhecimento pelo Estado da existência das comunidades quilombolas e do direito á posse e titulação dos seus territórios; a aprovação da Lei 10.639 que incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”; adoção de medidas de ação afirmativa e a adoção de políticas específicas – mesmo ainda limitadas – voltadas para o povo negro. Todavia, nesse processo muitas lideranças do movimento passaram a assumir cargos e posições no parlamento, em secretarias, autarquias e na administração pública, secundarizando a atuação nas organizações negras, assimilando muitas vezes o discurso oficial do Estado, desenvolvendo políticas conciliatórias, de contenção das pressões sociais, de diluição das contradições de raça e classe.

O enfrentamento dos meios de cooptação do Estado brasileiro, a luta política e ideológica contra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimento negro. A dimensão dessa disputa travada em seu interior, coloca para o movimento o desafio de dar continuidade a seu avanço histórico mantendo a autonomia, o centro da acumulação política na organização do povo negro e a orientação estratégica da emancipação completa dos negros e negras, ou privilegiar a atuação na esfera institucional, a obtenção gradual de benefícios parciais e restritos, reduzindo conseqüentemente seu objetivo estratégico à integração inter-racial subordinada.

 

Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial e o Combate ao Racismo

“Não somos descendentes de escravos, mas de africanos. A escravidão foi uma condição social imposta, sendo os quilombos uma expressão de liberdade e os quilombolas construtores da sociedade brasileira”. Jô Brandão, coordenadora da Confederação Nacional das Comunidades Quilombolas – CONAQ.

A inclusão social e política, a promoção da igualdade racial, a conquista da cidadania plena do povo negro são exigências históricas e objetivos estratégicos do povo negro.

A compreensão da dinâmica das relações raciais no âmbito da educação é fundamental para a formulação de um novo projeto de educação que possibilite a inserção social igualitária do povo negro, assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual, contido e reprimido pelo racismo, de todos os brasileiros independentemente de cor / raça, gênero, renda entre outras distinções. Isto contribuirá para o desenvolvimento de um pensamento comprometido com o anti-racismo , combatente da idéia de inferioridade / superioridade de indivíduos ou de grupos raciais e étnicos, que caminha para a compreensão integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal e substantivamente respeitada e valorizada.[28]

O I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950, já incluía em sua pauta de reivindicações o estímulo ao estudo das reminiscências africanas no país bem como dos meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de Institutos de Pesquisas, públicos e particulares, com esse objetivo. Quando do ressurgimento dos movimentos sociais negros em 1978, a agenda das entidades negras reivindicava do Estado brasileiro a reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel do negro na História do Brasil e a introdução de matérias como História da África e línguas africanas; participação dos negros na elaboração dos currículos em todos os níveis e órgãos escolares. A Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em Brasília- DF, nos dias 26 e 27 de agosto de 1986, aprovou e apresentou aos membros da Assembléia Nacional Constituinte, entre outras, as seguintes propostas: O processo educacional respeitará todos os aspectos da cultura brasileira. É obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I, II e III graus, do ensino da história da África e da História do Negro no Brasil.[29]

A Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003, como resultado da luta anti-racista do movimento negro, exigirá para a sua plena implementação o acompanhamento e a mobilização permanente das diversas organizações negras.

 

Racismo Institucional

Ronaldo Sales Júnior conceitua o racismo institucional como mecanismo estrutural que garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados. Opera de forma a induzir, manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas – atuando também nas instituições privadas, produzindo e reproduzindo a hierarquia racial. Acarreta de forma ampla mesmo que difusa: desigualdades e iniquidades.

O racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a direitos, benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições. O acesso é dificultado não por normas e regras escritas e visíveis, mas por obstáculos formais, presentes nas relações sociais que se reproduzem nos espaços institucionais e públicos e/ou na formação dos agentes do Estado.

O racismo institucional se apresenta, nesse sentido, como uma das possibilidades para a leitura dessa forma de opressão, mas destaca‑se que ele limita o horizonte de compreensão apenas ao plano das instituições. Se, por um lado, é inquestionável o fato de que as instituições desempenham papel fundamental nas práticas racistas, por outro é imprescindível buscar a origem do sistema excludente e compreender que o racismo sistêmico sobre-excede o viés institucional.

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar, abordar, prevenir e combater o racismo institucional no setor público, o Programa de Combate ao Racismo Institucional no Brasil definiu duas dimensões interdependentes e correlacionadas de análise: (1) a das relações interpessoais, e (2) a político-programática. A primeira diz respeito às relações que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as), entre os(as) próprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuários(as) dos serviços. A segunda dimensão – político-programática – pode ser caracterizada pela produção e a disseminação de informações sobre as experiências diferentes e/ou desiguais em nascer, viver, adoecer e morrer; pela capacidade em reconhecer o racismo como um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliação das potencialidades individuais; pelo investimento em ações e programas específicos para a identificação de práticas discriminatórias; pelas possibilidades de elaboração e implementação de mecanismos e estratégias de não-discriminação, combate e prevenção do racismo e intolerâncias correlatas – incluindo a sensibilização e capacitação de profissionais; pelo compromisso em priorizar a formulação e a implementação de mecanismos e estratégias de redução das disparidades e promoção da eqüidade.[30]

O Movimento Negro deve desenvolver ações efetivas no momento político atual que tenham como principais diretrizes inter-relacionadas: o combate ao racismo institucional, a promoção da igualdade racial e a valorização dos espaços negros.

Em última análise, vencer os obstáculos colocados pelo Racismo Institucional significa assegurar: (i) transversalidade, que pressupõe que o combate às desigualdades raciais e a promoção da igualdade racial passem a constar como premissas, como pressupostos a serem considerados no conjunto das políticas de governo; (ii) centralidade, elemento voltado para garantir a focalização dessas políticas, sempre que as ações universais não cumprirem o seu objetivo de promoção da igualdade racial e (iii) vetorialidade, entendida como a orientação estratégica que deve permear todo o processo de proposição das políticas públicas[31].

 

A promoção da igualdade racial se materializa por meio de políticas assim delineadas:

  • Aprovação do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoção da Igualdade Racial;
  • Aprovação do PL 73/99 que assegura o sistema de cotas, promovendo o acesso de negros às Universidades, aos cursos de pós-graduação e às Escolas Técnicas Federais;
  • Cumprimento da LEI nº. 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que torna obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, incluindo o estudo da História da África e dos Africanos. Monitoramento dos currículos, livros didáticos, manuais e programas educativos, assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construção histórica do Brasil;
  • Adoção de programas permanentes de treinamento de professores para o desenvolvimento de uma educação pública habilitada a lidar com a diversidade racial. Reformulação e reciclagem dos currículos dos cursos de formação de profissionais em educação;
  • Desenvolvimento de ações afirmativas destinadas a garantir o acesso e a permanência de crianças e adolescentes negros na rede pública de ensino;
  • Inclusão do quesito cor em todos os sistemas de informação da administração como forma de democratizar as informações públicas sob uma ótica sócio-racial, permitindo a disponibilização de dados para políticas públicas específicas;
  • Reconhecimento da posse definitiva e titulação das terras pelas comunidades remanescentes de quilombos, como obriga o artigo 68 da constituição;
  • Promover o mapeamento e tombamento dos sítios e documentos referenciais da cultura e da resistência negra. Valorização e afirmação da cultura negra, combatendo e impedindo a distorção e a folclorização;
  • Reconhecer as religiões afro-brasileiras como interlocutoras sociais em nível de igualdade com as religiões cristãs e outras. Implementar o tombamento de casas de culto de origem africana;
  • Combater a violência praticada principalmente contra os jovens afro-descendentes;
  • Controle e punição da atividade de turismo sexual;
  • Estabelecer programas de treinamento dos servidores públicos, visando a qualificá-los para um atendimento público não discriminatório. Realizar diagnóstico sobre a situação dos servidores negros e brancos, objetivando identificar desigualdades e recolher subsídios para a adoção de medidas reparadoras;
  • Veiculação de campanhas publicitárias de combate ao racismo;
  • Estabelecimento de cotas de representação proporcional dos grupos étnico-raciais nas campanhas de comunicação do governo, comerciais, filmes, programas de TV, peças teatrais etc.;
  • Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdade, tornando-se obrigatório aos que prestem serviços públicos e/ou que mantenham relação contratual com o Estado;
  • Implementação de linhas de créditos para pequenos e médios empresários afro-descendentes.

 

HINO DA CONJURAÇÃO DOS BÚZIOS

“Liberdade e Igualdade”

Igualdade, e liberdade,

No Sacrário da razão,

Ao lado da sã justiça

Preenchem o meu coração.

 

Décimas

I

Se a causa mortis dos entes

Tem as mesmas sensaçoens

Mesmos organos, e precizoens

Dados a todos os viventes,

Se a qualquer sufficientes

Meios de necessidade,

Remir deo com equidade;

Logo são imperessiveis

E de Deus Leys infalliveis

Igualdade, e liberdade.

II

Se este dogma for seguido

E de todos respeitado,

Fará bem aventurado,

Ao povo rude, e polido.

E assim que florescido

Tem da América a Nação!

Assim fluctue o Pendão

Dos Francezes, que a imitarão

Depois que affoitos entrarão

No Sacrário da razão.

III

Estes povos venturozos

Levantando soltos os braços,

Desfeitos em mil pedaços

Feros grilhoens vergonhosos,

Jurarão viver ditozos,

Izentos da vil cobiça

Da impostura, e da preguiça

Respeitando os Seos Direitos,

Alegres e satisfeitos

Ao lado da sã Justiça

IV

Quando os olhos dos Baianos

Estes quadros divisarem,

E longe de si lançarem

Mil despóticos tyranos,

Nas suas Terras serão!

Oh doce commoção

Experimentão estas venturas,

Se ellas, bem que futuras

Preenchem o meo coração.

* Poema de autoria atribuída ao Professor Francisco Muniz Barreto.

 

Fonte: RUI, Affonso. A primeira revolução social brasileira. Salvador, Tipografia Beneditina, 1951.

 

Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes é pesquisador, fundador e coordenador geral do Instituto Búzios e integra a coordenação do Campo Étnico e popular. Este texto é uma versão ampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008, no Colóquio Nacional Processos de Hegemonia e Contra-hegemonia, conforme a seguinte bibliografia: FERNANDES, Valdisio Luiz caldas. ” A luta pela hegemonia: uma perspectiva negra “. Em Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Departamento de Ciência Política, Grupo de Pesquisa Processos de Hegemonia e Contra-hegemonia. Salvador, 13 a 15 de novembro de 2008.

 

Fontes e referências bibliográficas

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[1] GRAMSCI, Antonio. “Cadernos do Cárcere”, vol. II, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2001. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.

GRAMSCI, Antonio. “Cadernos do Cárcere”, vol. III, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2001. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.

[3] Idem.

[4] ANDERSON, Perry. Crítica Marxista: A estratégia Revolucionária na Atualidade, in “As Antinomias de Gramsci”. São Paulo, Editora Joruês, 1986.

[5] COUTINHO, Carlos Nelson. Entrevista à Folha de São Paulo / caderno “Mais!”, 21/11/1999.

[6] GRAMSCI, Antonio. “Gramsci – Poder, Política, e Partido”, São Paulo, Editora Brasiliense, 1990.

[7] SADER, Emir. “A luta de Classes no Brasil”. Rio de Janeiro, Outro Brasil, 2004.

[8] ARAÚJO, Ubiratan Castro de. “Reparação Moral, Responsabilidade Pública e Direito à Igualdade do Cidadão Negro No Brasil”, in: Seminário Racismo Xenofobia e Intolerância, Salvador, IPRI / Fundação Alexandre de Gusmão, 2000.

[9] O livro de David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Oxford University Press, Oxford, U.K. publicado em 1989, revela que mais de 4 milhões de africanos foram desembarcados no Brasil, até 1856.

[10] ARAÚJO, Ubiratan Castro de. “Reparação Moral, Responsabilidade Pública e Direito à Igualdade do Cidadão Negro No Brasil”, in: Seminário Racismo Xenofobia e Intolerância, Salvador, IPRI / Fundação Alexandre de Gusmão, 2000.

[11] BASTIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. “Brancos e Negros em São Paulo”. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.

[12] Bersani, Humberto. Aportes teóricos e reflexões sobre o racismo estrutural no Brasil. Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito, Extraprensa, v. 11, n. 2, São Paulo, 2018.

[13] MOURA, Clovis. “Os Quilombos e a Rebelião Negra”, São Paulo, Brasiliense, 1981.

[14] Idem.

[15] LUNA, Luiz. “O Negro na Luta Contra a Escravidão”. Rio de Janeiro, Livraria Editora Cátedra Ltda. 1976. Pg. 307 e 308.

[16] ARAUJO, Ubiratan Castro de. A política dos homens de cor no tempo da Independência. Estud. av., 2004, vol.18, no.50. ISSN 0103-4014.

[17] REIS, João José. In Prefacio de “Rebelião Escrava no Brasil: A História do Levante dos Malês em 1835”. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

[18] FARELLI, Maria Helena. “Malês: Os Negros Bruxos. São Paulo: Madras, s.d.. 96p. il. ISBN 8573742402

[19] REIS, João José. “Rebelião Escrava no Brasil: A História do Levante dos Malês em 1835”. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

[20] Idem.

[21] SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil, São Paulo, Publifolha, 2001.

[22] FERNANDES, Florestan. “Significado do Protesto Negro”, São Paulo, Cortez Editora / Autores Associados, 1989.

[23] Idem.

[24] Idem.

[25] Abdias do Nascimento, enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] é usado como aparelhamento de controle nesta estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro – elementar, secundário, universitário – o elenco das matérias ensinadas, constitui um ritual da formalidade e da ostentação da Europa, e, mais recentemente, dos Estados Unidos. Se consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável da consciência brasileira? Onde e quando a história da África, o desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as características, do seu povo, foram ou são ensinadas nas escolas brasileiras? Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no sentido do afastamento e da alienação da identidade negra. Tampouco na universidade brasileira o mundo negro-africano tem acesso. O modelo europeu ou norte-americano se repete, e as populações afro-brasileiras são tangidas para longe do chão universitário como gado leproso. Falar em identidade negra numa universidade do país é o mesmo que provocar todas as iras do inferno, e constitui um difícil desafio aos raros universitários afro-brasileiros. SANTOS, Sales Augusto dos. A LEI Nº 10.639/03 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro, In Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/2003, Coleção Educação para todos, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), Brasília, 2005, Edições MEC / BID / UNESCO.

[26] FERNANDES, Florestan. “Significado do Protesto Negro”, São Paulo, Cortez Editora / Autores Associados, 1989.

[27] Tomando-se o termo “raça” no sentido sociológico, e não no da antropologia física. “A definição de “raça negra” é um conceito social e convencional, não biológico. A definição social, e não os fatos biológicos é que determinam atualmente o status de um individuo e sua posição nas relações inter-raciais”. (G. Myrdal em An American Dilemma, The Negro Problem na Modern Democracy, Harper & Brothers, Nova York e Londres, 1944). A “raça” apenas fornece os atributos que são selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos, em determinadas condições de existência social. Em outras palavras, nela se encontram as matérias-primas do preconceito racial. As causas e o modo de elaboração dessas matérias-primas estão na “sociedade” – não nas “raças”. BASTIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. “Brancos e Negros em São Paulo”. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.

[28] CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Introdução in “Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/2003”, Coleção Educação para todos, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), Brasília, 2005, Edições MEC / BID / UNESCO.

[29] Sales Augusto dos. A LEI Nº 10.639/03 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro, In Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/2003, Coleção Educação para todos, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), Brasília, 2005, Edições MEC / BID / UNESCO.

[30] PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; DFID – Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional; PCRI – Programa de Combate ao Racismo Institucional. Relatório Revisão Anual. Brasília: PNUD/DFID, 2005. Disponível em: www.pnud.org.br.

[31]BAIRROS, Luiza; BARBOSA, Lindinalva; BARRETO, Vanda Sá; BELMONTE, Geraldo; BENTO, Cida; BORGES, Hamilton; CHATEAUBRIAND, Luiz; CUNHA, Lazaro; FERNANDES, Valdisio; HUMBERTO, Silvio; LIRA, Altair; LOBO, Cristina; MACA, Nelson; MIRANDA, Damiana; NASCIMENTO, Albertino; NASCIMENTO, Valdeci; PAIXÃO, Ivana; PIRES, Ivonei; REIS, Vilma. ROCHA, Pedro; SAMPAIO, Elias; Samuel VIDA; SANTANA, Edenice; SANTOS, Luiz Alberto dos; SOUZA, Luiz Antonio; TELES, Jocélio. Documento – Políticas Públicas de Inclusão e Promoção da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvador”. Salvador, Instituto Búzios, 2004.

 

*FERNANDES, Valdisio. “A Luta Pela Hegemonia Uma Perspectiva Negra, Instituto Búzios, Salvador, 2007”. [A publicação encontra-se em processo de revisão e ampliação da 2a. edição 2020].