HISTÓRIA

“O Escravismo Colonial”: A revolução Copernicana de Jacob Gorender

A Gênese, o Reconhecimento, a Deslegitimação [1]

Por Mário Maestri (*), Junho 2005

Em memória de Clóvis Moura

 

Primeira parte

Formação e Trajetória de um Militante Comunista

Jacob Gorender nasceu em 20 de janeiro de 1923, em Salvador, onde viveu sua infância nos cortiços habitados pela comunidade pobre daquela cidade. Seu pai, Nathan Gorender, judeu ucraniano socialista e anti-sionista, emigrara após as jornadas revolucionárias de 1905 para a Argentina, onde vivera por cinco anos. A seguir, talvez atraído pela pequena comunidade judaica de Salvador, partiu para a Bahia, onde viveu e trabalhou humildemente como vendedor a prestação.

Após concluir os estudos primários na Escola Israelita Brasileira Jacob Dinenzon, de 1933 a 1940, Jacob Gorender prosseguiu os estudos ginasiais e o preparatório no Ginásio da Bahia, escola pública de grande prestígio, freqüentada habitualmente pelos filhos da elite baiana. Em 1941, matriculou-se na Faculdade de Direito daquela cidade, onde se manteve até 1943. Militante da União de Estudantes da Bahia, em inícios de 1942, foi cooptado para pequena célula universitária comunista fundada por Mário Alves e Ariston Andrade, que secundavam no meio estudantil a rearticulação do PCB na Bahia dirigida por Giocondo Dias.

Os jovens estudantes comunistas participaram ativamente da mobilização pela entrada do Brasil na II Guerra, que cresceu fortemente com os torpedeamentos de navios brasileiros, a partir de inícios de 1942. Seis décadas após os fatos, Gorender lembra a emoção despertada pelos cadáveres de passageiros que chegavam às costas baianas. Nesses anos, trabalhou como repórter nos jornais O Imparcial e O Estado da Bahia. [2]

Em 1943, Gorender, Ariston Andrade e Mário Alves arrolaram-se na FEB, em resposta ao desafio lançado pelo general Demerval Peixoto, comandante da VI Região Militar, aos estudantes que exigiam nas ruas a declaração de guerra. Mário Alves foi, porém, reprovado no exame médico. Na viagem para o Sul, Gorender conheceu a bordo de pequeno navio transporte a despreocupação acintosa dos oficiais com os praças, obrigados literalmente a alimentar-se com carne crua, motivo de uma quase revolta em alto mar, que Gorender contornou ao interceder junto aos oficiais pela melhoria no tratamento alimentar.

Partindo para o front

Com 21 anos, em Pindamonhangaba, em São Paulo, e no Rio de Janeiro, Gorender recebeu treinamento militar como membro do corpo de comunicações, partindo a seguir para o porto de Nápoles, no sul da Itália, onde chegou em setembro de 1944. No fronte de batalha, participou dos ataques ao Monte Castelo e a Montese, no outono-inverno de 1944, acompanhando a ofensiva aliada até o fim da guerra.

Gorender lembra que, durante a campanha, não raro, era acordado, com seus companheiros, à noite, sob o frio invernal, para empreender operações na chamada terra de ninguém, estendendo ou remendando cabos de comunicação partidos. Estacionado em Pistóia, na Toscana, freqüentou a sede do Partido Comunista Italiano, presenciando discurso de Palmiro Togliatti [1893 – 1964], secretário-geral do PCI e homem de confiança de Josef Stalin na Itália.

De volta ao Brasil, na Bahia, retomou o curso universitário, que abandonou muito logo para militar profissionalmente no PCB, legalizado em 1945. Em fins de 1946, já no Rio de Janeiro, Gorender ingressou na redação do semanário comunista A Classe Operária e no secretariado metropolitano do PCB.

A Guerra Fria ensejou o abandono da política de colaboração do PCB com as elites nacionais, por linha semi-insurrecional de confronto direto com o Estado e com o governo conservador de Eurico Gaspar Dutra [1946-50] – Manifesto de Luís Carlos Prestes, de agosto de 1950. A orientação esquerdista prosseguiu, aos menos retoricamente, mesmo após a vitória de Getúlio Vargas, em fins de 1950. Em 1951-3, Gorender transferiu-se para São Paulo, entrando no Comitê Estadual do PCB, novamente na ilegalidade, desde maio de 1947. [3]

De volta ao Rio de Janeiro, em 1953, participou da organização dos “chamados cursos Stalin”, destinados a militantes e dirigentes comunistas. [4] Nesses anos, trabalhou no diário comunista Imprensa Popular e conviveu com a geração de ferro stalinista brasileira, na qual destacavam-se Carlos Marighella, João Amazonas, Diógenes de Arruda Câmara e Pedro Pomar, que se entregavam sem reservas e grandes inquietações teórico-intelectuais à revolução, como lembraria anos mais tarde. [5]

Nova política

Em novembro de 1954, Gorender foi eleito membro suplente do comitê central, no IV Congresso do PCB, realizado em São Paulo, que reafirmou o caráter do Brasil como “país semicolonial e semifeudal” e a “luta por um governo democrático e popular” dirigido por “Frente Democrática de Liberação Nacional”. Apesar da linha dura, o PCB apoiou nas eleições de outubro de 1955 a aliança PDS-PTB que apresentou Juscelino Kubitschek e João Goulart à presidência e vice-presidência [1956-61].

Em 1955, Gorender integrou a segunda turma brasileira a cursar a escola superior de formação de quadros do PCURS, em Puschkino, na antiga sede da Internacional Comunista, a uns trinta quilômetros de Moscou. Apesar do seu baixo nível teórico e cultural, o curso permitiria-lhe dominar o russo e, mais tarde, traduzir ao português alguns clássicos do marxismo stalinista. Durante a escola, iniciou seu relacionamento com a companheira de toda a sua vida, uma das dez comunistas que seguiam a escola. Idealina da Silva Fernandes era filha do operário eletricista Hermogênio da Silva Fernandes, um dos fundadores do PCB, em 1922.

Em Moscou, os comunistas brasileiros foram notificados parcialmente do relatório de Kruschev sobre Stálin, em 1956, que Gorender pode ler, na sua totalidade, em edição reservada aos funcionários do PCURS. As revelações de Kruschev lançaram o movimento comunista na confusão e apressaram o retorno dos brasileiros de Moscou, em meados de 1957. [6]

De volta ao Brasil, no Rio de Janeiro, dirigiu a Imprensa Popular e, a seguir, o semanário Voz Operária, onde haviam sido abertas colunas de debates sobre a situação do PCB, algo inusitado até então. Em 1958, com a aprovação de Prestes, Giocondo Dias reuniu pequeno grupo de dirigentes – Alberto Passos Guimarães, Mário Alves, Armênio Guedes, Jacob Gorender – para redigiram documento substitutivo à orientação oficial, à margem do Comitê Central, onde tinham força stalinistas como João Amazonas, Diógenes Arruda, Pedro Pedro Pomar e Maurício Grabois.

Publicado na Imprensa Popular e a seguir como livreto, o documento conhecido como a “Declaração de Março” materializou a definitiva substituição da política esquerdista que regera o partido após sua ilegalização por proposta de direita, de aliança com a burguesia nacional e progressista. Por primeira vez, propunha-se a possibilidade da conquista pacífica do poder, materialização no Brasil da nova orientação mundial da burocracia soviética de franca coexistência pacífica. O caráter da revolução brasileira, dizia o documento, era antiimperialista e antifeudal, nacional e democrático.

Burguesia progressista

A nova política estava sendo aplicada desde o apoio do PCB à candidatura Juscelino Kubitschek. Apoio que, segundo Gorender, teria tido importância talvez decisiva na eleição de JK, devido aos quinhentos mil votos decisivos advindos do PCB. A nova guinada levou à saída de Maurício Grabois e João Amazonas da Comissão Executiva e ao ingresso na mesma de Giocondo Dias e Mário Alves.

Em setembro de 1960, no V Congresso, realizado na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em semi-legalidade, Jacob Gorender, com 37 anos, foi eleito membro pleno do Comitê Central do PCB e Mário Alves e Carlos Marighella, designados para sua Comissão Executiva. O encontro aprofundou a política de apoio à “burguesia nacional”: “As tarefas fundamentais […] são a conquista da emancipação do país do domínio imperialista e a eliminação da estrutura agrária atrasada […] o estabelecimento de amplas liberdades democráticas e a melhoria das condições de vida das massas populares.” [7]

Com a renúncia de Jânio e a posse de João Goulart [1961-64], aprofundou-se radicalmente o atrelamento da direção do PCB, comandada por Prestes, à política populista nacional-desenvolvimentista e à proposta de modificação da Constituição, para a reeleição de Jango, em um momento em que se precipitava a crise política e social. Ao contrário do ocorrido durante o governo JK, era direto e freqüente o contato da direção política do PCB, em geral, e de Prestes, em particular, com João Goulart e com seu governo. Nesse contexto, fortaleceu-se no PCB setor defendendo maior aprofundamento da luta social e autonomia diante do bloco social dominante no governo.

Em 1962, na IV Conferência, Marighella, Mário Alves e Jover Telles, da Comissão Executiva, criticam os “desvios de direita” da direção, propondo a “substituição do […] governo por outro nacionalista e democrático, do qual estivessem excluídos os elementos conciliadores”. [8] Em 1959-61, a vitória da revolução cubana galvanizara a esquerda revolucionária latino-americana com sua proposta de conquista imediata do poder através da formação do foco guerrilheiro.[9] No mesmo ano, a modificação da designação de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro [PCB], com o objetivo de facilitar a legalização do Partido, ensejou que João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois comandassem fracionamento do partido e fundação do Partido Comunista do Brasil.

Virada à esquerda

Nesses anos, o PCB era a única organização de esquerda com reais raízes no movimento social. Num sentido sociológico geral, no contexto e nos limites da cultura política burocrática stalinista, sua facção de esquerda sofria a influência da radicalização da revolução mundial e dos segmentos classistas da classe trabalhadora em contradição com a política de colaboração de classes da direção do PCB.

Em janeiro de 1958, Jacob Gorender publicara os ensaios “Correntes sociológicas no Brasil”, na revista ESTUDOS SOCIAIS; em janeiro de 1960, “A questão Hegel”, na mesma revista e, em janeiro de 1963, “Contradições do desenvolvimento econômico no Brasil”, na Revista PROBLEMAS DA PAZ E DO SOCIALISMO. [10] Em 1961, traduziu, com Mário Alves, o Manual de economia política, da Academia de Ciências da URSS e, no ano seguinte, Fundamentos do marxismo-leninismo, obra coletiva de stalinistas soviéticos, ambos publicados pela Editora Vitória, do PCB. [11]

Em 1964, a grande desmoralização da direção do PCB, devido à vitória do golpe militar, em 1º de abril, sem resistência, fortaleceu a oposição de esquerda do PCB, na qual participavam Apolônio de Carvalho, Carlos Marighella, Jacob Gorender, Joaquim Câmara Ferreira, Manuel Jover Telles, Mário Alves, Miguel Batista do Santos, entre outros. Porém, em 1965-6, a disputa pelo controle da direção do partido seria vencida pelo grupo prestista. [12]

A oposição de esquerda foi expulsa do PCB, sem nem mesmo poder defender suas posições no VI Congresso, em dezembro de 1967. A direção comunista tomara a “decisão de proibir a participação dos delegados e suplentes da oposição: Carlos Marighella, Mário Alves, Manoel Jover Telles, Joaquim Câmara Ferreira, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Miguel Batista dos Santos.” [13]

A política recessiva implementada pelo governo Castelo Branco, em respeito às exigências do grande capital financeiro, ensejou forte reação e rearticulação popular, sobretudo a partir de 1967, aprofundando a crise e o fracionamento do PCB em organizações, em geral influenciadas pela vitória da Revolução Cubana e pela revolução vietnamita.

Renovação revolucionária

Em abril de 1968, no Rio de Janeiro, foi fundado o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR -, sob a direção de Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e outros comunistas de esquerda. A nova organização propunha “renovação” revolucionária do antigo PCB, como sugeria o nome que assumia. [14] Marighella e Câmara Ferreira, ao contrário, haviam fundado a ALN, grupo guerrilheiro que se afastava de qualquer versão político-partidária leninista e marxista. Diversos comunistas abandonaram o PCB para ingressar no PC do B., ou para fundar e participar em outras organizações militaristas – VPR, Var Palmares, MR8, POC, etc.

O PCBR constituiu organização híbrida, com alguma força no Rio de Janeiro, no Paraná, no Espírito Santo e no Nordeste. No plano político, rejeitava a aliança com a burguesia, mas negava a luta direta pelo socialismo. No plano tático-organizacional, defendia a luta social e sindical, que fora desprestigiada pela derrota da esquerda diante dos militares em 1964, associada à luta armada no campo, fortemente prestigiada pela recente vitória cubana, em 1959-61, e pela luta vietnamita, então em curso.

O caráter híbrido do PCBR contribuiu para que fosse rapidamente destruído, já que mantinha a organização anterior, necessária à intervenção no movimento de massas, sem assumir estrutura organizacional rigidamente estanque dos grupos militaristas, imprescindível para resistir por maior tempo aos ataques policiais. Em 12 de janeiro de 1970, iniciaram-se as quedas que desorganizaram a direção histórica do PCBR. Mário Alves, secretário-geral do PCBR, caiu no Rio de Janeiro, sendo executado após torturas inomináveis.

No dia 20, em São Paulo, depois de seis anos na clandestinidade, Jacob Gorender era preso e igualmente torturado. Na ofensiva policial foram detidos Apolônio de Carvalho e outros dirigentes da “velha guarda”, ensejando que a nova direção aprofundasse a via militarista definida na fundação do grupo. Em abril de 1969, o PCBR iniciara operações de “propaganda armada urbana”, sob a pressão de militância que deixava a organização por grupos militaristas mais ativos.

Fora da linha

Jacob Gorender divergira da orientação guerrilheira, apoiada por Mário Alves, mantendo-se à margem das ações armadas, apontando a “hemorragia” em que vivia a esquerda armada, envolvida no ciclo vicioso ações armadas-quedas que lhe esgotava as forças e os quadros. Já então, Gorender dedicava-se à investigação sobre o caráter da formação social brasileira e da revolução brasileira. Grande parte da esquerda evoluíra da política de colaboração com a “burguesia nacional” para o assalto militar ao poder sem crítica real das concepções passadas e sem apoiar a nova política em interpretação estrutural da realidade brasileira. [15]

Na prisão, Gorender apresentou, sob forma de curso, primeiro plano de sua interpretação da formação social brasileira que defendia a transição da sociedade brasileira, do escravismo ao capitalismo, sem passagem pelo feudalismo. Essa interpretação, se correta, determinava a necessidade da luta direta pelo socialismo, descartando conseqüentemente a etapa antifeudal, apoiada na burguesia progressista, defendida pela Declaração de Março, de 1958, que o próprio Gorender ajudara a produzir.

Em outubro de 1971, Jacob Gorender concluiu os dois anos de encarceramento a que fora condenado. Fora da prisão, jamais voltou à militância revolucionária orgânica, tendo se inscrito tardiamente no PT, em meados dos anos 1990, sem participar ativamente da sua vida interna ou de alguma de suas tendências. [16]

O escravismo colonial – Uma Revolução Copernicana

Em fins de 1971, em liberdade, Jacob Gorender manteve-se com o trabalho de tradutor, dedicando-se na medida das possibilidades a sua investigação sobre a formação social brasileira. Em 1974, aos 51 anos, com o apoio econômico de alguns amigos, entre eles José Adolfo Granville e Jacques Breyton, francês e ex-resistente, dedicou-se plenamente à redação de O escravismo colonial, que completou dois anos mais tarde, em 1976, ainda em plena ditadura militar [1964-85]. [17]

Em 1978, depois de demorado exame, O escravismo colonial era lançado pela Editora Ática, de São Paulo. Para surpresa do autor e dos editores, tamanho foi o sucesso da volumosa obra no mundo acadêmico que a edição esgotou-se rapidamente após o lançamento, ensejando uma segunda edição ainda no mesmo ano.

A tese com cerca de seiscentas páginas efetuava revolução copernicana nas ciências sociais brasileiras. Efetivamente, ao apresentar exaustivamente a defesa do caráter escravista colonial do passado brasileira, superava a falsa polêmica passado feudal-passado capitalista que dividira por décadas as ciências sociais e a esquerda brasileira. Alguns dos mais ásperos debates Políticos-ideológicos no Brasil haviam se centrado sobre essa questão.

A origem do impasse teórico era antiga e tinha raízes complexas. A hegemonia stalinista sobre o marxismo e o movimento operário ensejara que as sociedades extra-européias fossem necessariamente enquadradas em um dos estágios da linha interpretativa marxiana do desenvolvimento europeu – comunismo primitivo-escravismo clássico-feudalismo-capitalistamo-socialismo.

Em 1928, quando do VI Congresso da Internacional Comunista, esse procedimento teórico dogmático transformou-se em política oficial para o mundo colonial e semicolonial, sendo implementada no Brasil e na América Latina pelo Bureau Sul-Americano da IC, sediado em Montevidéu. [18] No clássico Formação histórica do Brasil, de 1962, o general e historiador Nélson Werneck Sodré, erudito e prolífero intelectual e militante comunista propunha: “Consideradas tais relações, a sociedade, ao longo do tempo, conheceu diversos regimes de produção: a comunidade primitiva, o escravismo, o feudalismo, o capitalismo e o socialismo. O estudo do processo histórico da sociedade brasileira, objeto deste livro, mostra não só a vigência aqui, da descoberta aos nossos dias, de cada uma daquelas formas, de cada um daqueles regimes de produção, salvo o último, sucessivamente […].” [19]

Diplomacia soviética

Essa leitura não constituía erro ou desvio aleatório de aplicação do método marxista. Era orientação política da burocracia soviética que impulsionava a pacificação do movimento social dos países do Terceiro Mundo, submetendo-o às burguesias nacionais e às necessidades conjunturais da diplomacia do Estado soviético. Expressava e apoiava-se também em segmento sociais das classes proprietárias, das classes médias, da burocracia sindical e da aristocracia operária interessados nessa colaboração.

A definição do caráter colonial, semicolonial, feudal e semifeudal das nações de capitalismo atrasado justificava a política de aliança e de submissão programática dos trabalhadores as suas burguesias nacionais, em frente antiimperialista e antilatifundiária que excluía a luta anticapitalista. Apenas vencida a etapa democrática da revolução, seria empreendida, algum dia, agora sob a direção operária, a luta pela superação socialista do capitalismo.

No Brasil, para corroborar essa visão, a intelectualidade orgânica comunista interpretou a luta social no passado brasileiro a partir do confronto entre o camponês pobre sem terra e o latifundiário semifeudal. O intelectual e militante comunista Alberto Passos Guimarães criou arbitrariamente uma sociedade camponesa desde o início da colonização, formatando literalmente o passado e a história nacionais às necessidades dessa interpretação.

Em seu livro Quatro séculos de latifúndio, de grande repercussão, o pensador comunista propunha: “Jamais, ao longo de toda a história da sociedade brasileira, esteve ausente, por um instante sequer, o inconciliável antagonismo entre a classe dos latifundiários e a classe camponesa, tal como igualmente sucedeu em qualquer tempo e em qualquer parte do mundo.” [20] Entretanto, no Brasil, por séculos, dominaria a produção escravista colonial e a quase inexistência de um campesinato propriamente dito. [21]

Em 1º de abril de 1964, a política de aliança antiimperialista e antilatifundiária mostrou sua inconseqüência objetiva quando, sem qualquer prurido, a burguesia nacional, democrática e progressista integrou a vanguarda social do movimento militar que impôs seus interesses estratégicos de superexploração e destruição de conquistas históricas do mundo do trabalho, em associação com o imperialismo, com o capital financeiro e com o latifúndio.

Esquerda marxista

Grupos marxistas revolucionários frágeis – Organização Revolucionária Marxista – Política Operária, pequenos grupos trotskistas, etc. -, em oposição ao projeto nacional-desenvolvimentista burguês, propunham programa socialista para a revolução brasileira. Porém, deduziam a correta caracterização capitalista do Brasil da constatação sumária de determinações gerais da ordem mundial e da sociedade brasileira. Evacuava-se a questão do caráter da antiga formação social com definição sumária do domínio de relações capitalistas desde a Colônia. [22]

Em “Programa Socialista para o Brasil”, de 1967, a OMR-POLOP inferiu o caráter socialista da revolução no Brasil da situação mundial da luta de classes, pautada pela contradição entre o capital imperialista e a revolução socialista, que viveria sua fase conclusiva. “Vivemos na época do confronto final entre o velho regime capitalista e as forças que lutam pelo socialismo […].” [23]

Mesmo nos “países subdesenvolvidos”, “parte do mercado capitalista mundial”, “onde não” estava “suficientemente amadurecida a contradição” capital-trabalho, impunha-se a luta socialista, devido à contradição maior e estarem essas regiões impossibilitadas “de repetir o processo de desenvolvimento trilhado pelas nações capitalistas avançadas”. Portanto, pouca importância tinham as “diferenciações sensíveis” existentes entre nações americanas que “passaram por fases de industrialização, possuindo um proletariado desenvolvido” e os “países que continuam a viver praticamente da monocultura de produtos tropicais”. A dominação imperialista, o geral, determinava para qualquer nação, o particular, a luta anticapitalista direta.

O Brasil era definido como “país capitalista industrial”, de “desenvolvimento, bloqueado”, “em processo de integração com o sistema imperialista”, com contradições com a “exploração latifundiária do campo”, às quais se havia “acomodado”, já que o latifúndio “nada” tinha de “feudal”, já que “desde o período colonial” fornecia basicamente “artigos para o mercado”, a fim de obter “lucro”.

Passado capitalista

O corte integracionista[24] da análise da OMR-PO não deixava espaço para reflexões sobre a formação social brasileira, no passado e, portanto, suas tendências dominantes no presente. No documento há referências à “herança colonial” e registro que, “pelo menos a partir de 1930”, a burguesia não era mais “classe marginalizada do poder”. Era muito sumária a abordagem do golpe de 1964, “decorrência necessária da crise do regime burguês-latifundiário”, certamente porque a luta socialista e armada independia deste e de outros sucessos contingentes.

Nesses anos, para a quase totalidade dos militantes revolucionários, a história do Brasil iniciava praticamente com a Revolução de 1930, já que apenas então se podia constatar intervenção nacional, ainda que frágil, da classe operária do Brasil. Evacuavam-se os períodos colonial, imperial e a República Velha como questões teóricas, solucionando-se assim a impossibilidade de análise daqueles séculos com categorias próprias à produção capitalista.

Em contexto de grande pragmatismo, empirismo e propagandismo, militantes das organizações brasileiras com programa socialista ou de libertação nacional, em geral muito jovens, estudavam e discutiam com dedicação as experiências soviética, cubana, chinesa, vietnamita, argelina etc., despreocupados com a história e a realidade brasileiras. Boa parte dessa militância permaneceu à margem da discussão que se estabeleceu, em 1978, em torno de O escravismo colonial, inconsciente do sentido e das decorrências profundas desse trabalho.

Em O escravismo colonial, Jacob Gorender superava a tradicional apresentação cronológica de cunho historicista do passado do Brasil para definir em forma categorial-sistemática sua estrutura escravista colonial. Ou seja, empreendia estudo “estrutural” daquela realidade, para penetrar “as aparências fenomenais e revelar” sua “estrutura essencial”. Isto é, seus elementos e conexões internos e o movimento de suas contradições. [25]

Ao aplicar criativamente o método marxista ao passado brasileiro, o autor demarcava igualmente a necessidade de investigação exaustiva que realizasse a exegese de seu caráter singular e, portanto, dos ritmos objetivos de seu desenvolvimento, a partir das suas contradições objetivas internas. Propunha, assim, superação epistemológica radical da interpretação da formação social brasileira como um todo.

Contradições interna

Por primeira vez, empreendia-se em forma sistemática a interpretação do passado pré-Abolição a partir de suas contradições fundamentais, a oposição entre o trabalhador escravizado e o escravizador. Até então, as mais elaboradas interpretações da antiga formação social brasileira apontavam como demiurgos sociais o senhor-de-engenho – na leitura de Gilberto Freyre, de 1933[26] – e o empresário capitalista do café, do oeste paulista. Essa última interpretação, da Escola Paulista de Sociologia, de 1950-60, propunha o despotismo da escravidão, uma forma de “capitalismo incompleto” e a impotência histórica do trabalhador escravizado. [27]

Fernando Henrique Cardoso sintetiza a visão da impotência servil: “A liberdade desejada e impossível apresentava-se, pois, como mera necessidade subjetiva de afirmação, que não encontrava condições para realizar-se concretamente. […] houve fugas, manumissões e reações. […]. A liberdade assim conseguida ou outorgada não implicava em nenhum momento, porém, modificações na estrutura básica que definia as relações entre senhores e escravos […].” [28] Ou seja, ao menos na escravidão e no Brasil, a história não fora produto da luta de classes.

Um dos pontos altos da interpretação de Gorender era a apresentação do trabalhador escravizado como “agente subjetivo do processo de trabalho”, e não como “máquinas” ou “outro bem de capital”, ao igual do formulado por autores com Caio Prado Júnior, Werneck Sodré, Fernando Henrique Cardoso e Ciro Flamarión. Porém, esse último autor, ao contrário dos analistas anteriores, propôs em forma clara a dominância no Brasil de modo de produção escravista colonial e jamais desconsiderou o caráter subjetivo do agir servil. [29]

O caminho para a interpretação radical e sistemática do passado brasileiro de Gorender não se dera em espaço vazio. Ele fora aberto por movimentos teóricos em desenvolvimento no plano nacional e internacional, anteriores e contemporâneos àquela investigação. No Brasil, interpretações historicistas ou sistemáticas sumárias defendiam a existência de sistema escravista e a oposição entre o escravizador e o escravizado como a contradição fundamental na pré-Abolição, com destaque para os trabalhos de Benjamin Péret, de 1956 [30], de Clóvis Moura [31], de 1959, J. Stanley Stein [32], de 1961, de Emilia Viotti da Costa, de 1966 [33], de Décio Freitas, de 1973 . [34]

No cenário internacional, desempenhou papel essencial na interpretação de Gorender o renascimento da discussão sobre a pluralidade de modos de produção das formações sociais não européias, ensejado pelo enfraquecimento da hegemonia mundial do stalinismo, permitida pela forte retomada da revolução mundial. Essa discussão centrou-se inicialmente na proposta de Marx e Engels de “modo de produção asiático”, com exploração classista e sem apropriação privada dos meios de produção. [35] Quando do lançamento de O escravismo colonial, havia muito que se consolidara no Brasil a discussão sobre a diversidade de modos de produção na história e na América Latina.[36]

Economia política da escravidão

Em sentido mais específico, no contexto da discussão das razões da guerra de Secessão, Eugene D. Genovese apresentou estudo sobre o escravismo no sul dos USA onde defendeu a análise dessa realidade social a partir de suas dinâmicas, estruturas e contradições internas. [37] Nesse trabalho seminal, apontou a existência no sul dos USA de sistema social escravista que subordinava as outras formas de trabalho, destacando seu caráter necessariamente colonial. Com pertinência, ressaltou a impropriedade de definir como capitalista qualquer sociedade dominada por relações mercantis. Essas propostas foram ampliadas e aprofundadas em O escravismo colonial.

O historiador estadunidense jamais propôs porém a existência de modo de produção escravista colonial no sul dos USA e vacilou entre interpretação materialista e idealista da realidade. No momento em que defendia que o mundo escravista possuía sua lógica, moral e ideologia próprias, deduzia mais de uma vez a dinâmica essencial dessa sociedade da visão aristocrática dos escravizadores.

Na introdução de seu magistral trabalho, Eugene Genovese propunha: “Tenho consciência que, em fim de contas, os verdadeiros problemas são de ordem ideológica e psicológica. Não se morre por nenhum interesse material, suponde-se que algum o mereça, o que não é evidente.” [38] Declaração explícita de cegueira histórico-ideológica, considerando-se a sistematicidade com que, na história, a defesa e a conquista de interesses materiais estiveram na base dos maiores e mais cruentos confrontos sociais.

A seguir, o historiador abandonaria grande parte das propostas revolucionárias que enunciara em Economia política da escravidão. Porém, elas foram retomadas ou estavam sendo desenvolvidas por outros estudiosos, com destaque para o historiador Ciro Flamarion Cardoso, já citado, que publicou em 1973 dois artigos seminais sobre as formações sociais escravistas americanas, escritos no contexto do desenvolvimento de sua tese de doutoramento sobre a Guiana Francesa, redigida na França, em 1967-71. [39]

Leis Tendenciais da Produção Escravista Colonial

Em O escravismo colonial, Jacob Gorender empreende crítica categorial-sistemática da produção escravista americana considerada como modo de produção historicamente novo, devido ao seu caráter dominantemente mercantil, que extremou qualitativamente determinações secundárias ou pouco desenvolvidas da produção patriarcal e pequeno-mercantil do escravismo greco-romano. [40]

Gorender propõe que a escravidão colonial tenha determinado essencialmente todas as sociedades americanas onde assumiu papel dominante. Portanto, a fundamentação de sua investigação no caso brasileiro deve-se também ao fato de ter sido ali que a produção escravista colonial alcançou o mais acabado desenvolvimento – longevidade, espaço geográfico, variedade de produtos, número de cativos importados, influência na formação social, etc.

Ao empreender a análise crítica da literatura teórica e da historiografia sobre o Brasil escravista, através de rigorosa aplicação do método marxista, associa criativamente os níveis histórico, lógico e metodológico de análise. Utiliza como paradigma a apresentação das leis tendenciais da produção capitalista, em O capital, por Karl Marx, sem se negar a refutar referências marxianas ao escravismo moderno consideradas incorretas ou pouco desenvolvidas.

Em capítulo dedicado a “reflexões metodológicas”, inicia sua tese dissociando-se da leitura althusseriana da história e do marxismo, então em voga. [41] Dedica a “Primeira Parte” à definição do escravismo colonial como categoria historicamente nova, no contexto da impulsão do mercado internacional e dos avanços materiais da época – transporte, moendas, etc. A seguir, apresenta as “categorias fundamentais” desse modo de produção, destacando a “categoria escravidão” e a “forma plantagem de organização da produção escravista”. [42]

Na “Segunda Parte”, aborda a gênese histórica da formação escravista luso-brasileira, através da crítica do espaço sócio-geográfico português, nativo e colonial. Portanto, trata-se de processo de exposição que violenta conscientemente a ordem de investigação para empreender apresentação que parta do geral, para o particular, do abstrato para o concreto.

Leis tendenciais

A longa “Terceira Parte” é dedicada à discussão das leis “monomodais”, exclusivas do modo de produção escravista colonial, em oposição às leis “plurimodais”, comuns a diversos modos de produção. As leis específicas do escravismo colonial seriam: lei da renda monetária; lei da inversão inicial da aquisição do trabalhador escravizado; leis da rigidez da mão de obra escravizada; lei da correlação entre economia mercantil e economia natural na plantagem escravista e lei da população escravizada. [43]

Nas quarta, quinta e sexta partes e em adendo final, discute respectivamente o “regime territorial e renda da terra”, as “formas particulares de escravidão”, a “circulação e reprodução” no escravismo moderno e “as fazendas escravistas do oeste de São Paulo”. A definição do caráter escravista da cafeicultura do Oeste paulista constitui refutação da proposta do caráter empresarial capitalista dos cafeicultores dessa região apresentados, como vimos, como demiurgos da revolução burguesa no Brasil.

Apesar do caráter multifacetado da produção escravista colonial, para Gorender, seu pólo dominante encontrava-se na grande plantação escravista – plantagem -, cujas características descreve em forma minuciosa, assim como as particularidades e as forças produtivas que a sustentaram. Nesse processo, destaca a coexistência estrutural na plantagem de correlação dialética entre esfera de produção, natural e subordinada, e outra, mercantil e dominante.

Era antiga na historiografia da escravidão a discussão sobre o caráter benigno ou despótico do escravismo americano. Durante decênios, a interpretação patriarcalista de Gilberto Freyre , que retomava, sintetizava e organizava sociologicamente interpretações das próprias classes escravistas, fora visão historiográfica semi-oficial no Brasil, tendo sido o brilhante sociólogo agraciado pelo Estado com fundação para melhor desenvolver e perpetrar sua visão pacificadora e consoladora do passado e do presente brasileiros. [44]

Jacob Gorender apresenta solução teórica estrutural para essa questão, ao lembrar que as características patriarcais, consideradas por Gilberto Freyre como a essência do escravismo luso-brasileiro e brasileiro eram, ao contrário, secundárias, já que se originam sobretudo na esfera natural de produção, sempre subordinada aos ritmos e sentidos da esfera mercantil, comandada essa última pelas inexoráveis exigências e determinações da produção para o mercado mundial.

O geral e o particular

Essa compreensão de Gorender ressaltava a imperiosa necessidade da análise dos fenômenos sociais e históricos no contexto da totalidade das estruturas e formações sociais em que se apresentam, para que se desvelem corretamente seus nexos e determinações gerais e essenciais. Ou seja, a necessidade de não generalizar o fenômeno histórico particular ou particularizar o fenômeno geral.

O escravismo colonial não constituía monografia acadêmica isolada, parte de divisão e especialização erudita do saber que se frustra ou se realiza, ao suprir, mais ou menos plenamente, as exigências de plano semi-anárquico do avanço do conhecimento, sempre determinado pelas necessidades objetivas e subjetivas dos interesses sociais hegemônicos. Plano em geral exterior ao processo de produção do investigador e, não raro, mais ou menos à margem de sua consciência.

A inquirição sociológica de Jacob Gorender, em O escravismo colonial, desenvolvia-se “na perspectiva do marxismo crítico e dialético” que considera, no contexto de sua “autonomia relativa”, “o trabalho intelectual” como “dimensão das lutas políticas e ideológicas que perpassam a sociedade capitalista”. [45] Portanto, um trabalho teórico profundamente influenciado pela correlação objetiva de forças entre o mundo do trabalho e o mundo do capital.

Estritamente, tratava-se de investigação com o objetivo de estabelecer bases metodológicas sólidas para a interpretação da moderna formação social brasileira, para poder transformá-la em sentido revolucionário. Portanto, toda essa reflexão desenvolveu-se no contexto da 11ª Tese de Marx, sobre Feuerbach, de 1845, ou seja, para “interpretar” o mundo social e, assim, ajudar a “transformá-lo”, ao agir no sentido das forças tendenciais libertadoras . [46]

Num sentido mais amplo, ao empreender economia política do modo de produção escravista colonial, Gorender contribuía para a construção de economia política dos modos de produção pré-capitalistas, capitalistas e pós-capitalistas, ao lado de obras como a Nova economia, do economista soviético trotskista E. Preobrazhensy, de Mulheres, celeiros & capitais, de Claude Meillassaux, entre outras. [47]

Em sentido estrito, a reflexão de Jacob Gorender sobre o modo de produção escravista colonial, base da acumulação originária de capitais no Brasil, apoiou sobretudo duas outras apresentações fundamentais, desenvolvidas entretanto sob forma de ensaios sintéticos. A primeira, “Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro”, conferência pronunciada, em 13 de julho de 1979, em Fortaleza, durante a 31ª Reunião Anual da SBPC, e publicada, a seguir, em coletânea e em forma isolada; a segunda, A Burguesia brasileira, apresentada na coleção Tudo é história, da Brasiliense, em 1981. [48]

Esboço de interpretação da Formação Social Brasileira

Gorender inicia sua leitura da “Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro” pela definição marxiana do “capitalismo” como modo de produção no qual operários assalariados, livres e sem meios de produção, vendem a força de trabalho como mercadoria, produzindo mais-valia através da produção de mercadorias para o mercado, a partir de bens de produção apropriados pelo capital. Um processo de reprodução ampliada do capital que se desenvolve no contexto da oposição entre o caráter social da produção e a forma privada de apropriação dos bens produzidos, contradição que enseja antagonismo estrutural entre trabalhadores e burgueses.

Lembra que essa definição de capitalismo é também válida para a agricultura que se organiza entretanto como ramo industrial do sistema capitalista. Porém, na agricultura, o caráter limitado e insubstituível da terra, condição necessária de produção da agricultura, enseja “renda da terra” não-capitalista, “diferencial ou absoluta”, percebida pelo terratenente devido ao monopólio fundiário. Na agricultura capitalista desenvolvida, a renda do capital, dominante, determina recuo tendencial da renda da terra.[49]

Gorender assinala igualmente que a existência de capital comercial, usurário, bancário, etc. na Antiguidade comprova que o capital precede ao capitalismo. Quanto ao Brasil, reafirma que, com a Independência, a modo de produção escravista colonial dominante expandiu-se, ensejando a acumulação originária [50] de capital na qual se apoiou, mais tarde, o desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

Recorda que, entre as condições necessárias para o surgimento do capitalismo encontram-se a existência de meios de produção e de capitais disponibilizados pela acumulação originária; de trabalhadores livres abundantes desprovidos de meios de produção; de certo nível de desenvolvimento da divisão social do trabalho e da circulação de mercadorias; da propriedade privada dos meios de produção.

Propõe que a gênese do capitalismo na Europa a partir da produção feudal não justifica a proposta de ter o mesmo ocorrido no Brasil e da existência na pós-Abolição de supervivências semifeudais que obstacularizariam o desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Lembrando que o capital espolia outros modos de produção, impugna as teses “integracionistas” que definem o Brasil pré-1888 como capitalista [completo, incompleto ou colonial] por ter sido explorado pelo capitalismo mundial.

A gênese do capitalismo no campo

Jacob Gorender propõe que no Brasil a produção capitalista teria se apoiado na acumulação original ensejada sobretudo pela produção escravista. Porém, defende que não bastou apenas a libertação civil da mão-de-obra, em 1888, para que o capitalismo surgisse no campo, já que os colonos do café, os moradores, os parceiros, etc., categorias rurais então dominantes no campo, não conheceram mas décadas sucessivas assalariamento capitalista. Durante a República Velha, o capitalismo teria sido forma de produção subordinada.

Segundo Gorender, a formação social escravista brasileira conheceu duas grandes formas de produção. A primeira, o modo de produções escravista colonial, hegemônico, apoiado no trabalho coercitivo e na propriedade alodial-latifundiária da terra, que ensejou fraca acumulação, em parte devido à “inversão inicial” necessária para iniciar a exploração do produtor direto. A segunda, o modo de produção de pequenos cultivadores não-escravistas, subordinado, apoiado na propriedade ou na posse de pequena quantidade de terra, que produzia para a subsistência e mercantilizava parte de produção.

Com a Abolição, a propriedade da terra, e não mais a posse do trabalhador e de sua força de trabalho, passou a ser o fator básico de dominação. Devido à ausência de exército rural de reserva[51], à escassez de capitais e à lenta rotação do capital na agricultura, o cafeicultor, hegemônico no Brasil, concedeu ao colono o direito a plantar gêneros de subsistência entre os pés de café; à pastagem para alguns animais; ao acesso à lenha e à água; à moradia gratuita; à remuneração anual. Inicialmente, a remuneração anual paga pelo trabalho do grupo familiar significava apenas a metade da renda geral do colono do café – terra, lenha, água, pasto, etc.

Portanto, o cafeicultor concedeu ao colono o direito de estabelecer-se como camponês, pelo período do contrato, recebendo do mesmo renda-trabalho em troca do direito de uso da terra. No geral, esse modo de produção foi também praticado em outras regiões do Brasil. Era hábito que terratenente sem capitais entregasse terras virgens para que colono constituísse cafezal. O colono recebia em troca de seu trabalho o direito a plantar gêneros de subsistência e à produção dos dois primeiros anos dos cafezais. O fazendeiro despendia para a formação do cafezal apenas a renda da terra [não capitalista].

Esse “modo de produção latifundiário, apoiado em formas camponesas dependentes”, com raízes na longa luta do colono do café, iniciada quando da experimentação do senador Vergueiro, em metade do século 19, resultou em atividade de “baixa produtividade do trabalho, técnica atrasada, fraca divisão social do trabalho […] e baixa proporção da acumulação do capital”, que entravavam o avanço da produção e da acumulação capitalista no campo.

Duas grandes vias

O desenvolvimento da produção agrícola no Brasil teria tido duas grandes vias. A primeira, constituída pela transformação da produção plantacionista em empresa capitalista, com a superação das relações camponesas dependentes, ensejada pela formação de exército rural de reserva. A segunda, determinada pelo crescimento do grau de comercialização da produção camponesa familiar independente.

Inicialmente, a produção latifundiária foi subsumida formalmente ao capital, através da substituição do braço camponês dependente pelo assalariado, possível devido ao desenvolvimento do exército rural de reserva. Esse processo apoiou-se na extração de mais-valia absoluta. A subsunção real da produção latifundiária ao capital e a conseqüente produção dominante de mais-valia relativa procederam-se através da exploração de mão-de-obra restrita apoiada em maquinaria avançada. Essa via de transição do latifúndio pré-capitalista à capitalista ensejaria desinteresse da burguesia na reforma agrária no Brasil.

Na conclusão de “Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro”, Gorender esboça rápida discussão sobre o apoio do Estado, a partir dos anos 1970, ao desenvolvimento capitalista do campo; da expansão da estrutura latifundiária da terra pelo grande capital nacional e mundial, por um lado, e da pequena propriedade, por outro; do alto valor da terra no Brasil; do dinamismo da pequena propriedade na produção de alimentos e sua exploração pelo capital.

Nas páginas finais do ensaio “Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro”, no relativo à luta pela reforma agrária, Gorender propõe-se a necessidade de respeitar a expectativa do trabalhador rural pela propriedade plena do lote e de se propor a “transformação das grandes empresas agrárias, plantacionistas e pecuária, já tecnicamente unificadas, em grandes exploração coletivizadas: cooperativistas ou estatais.”

A Burguesia Brasileira

No ensaio A burguesia brasileira, dedicado à apresentação sumária da gênese e desenvolvimento da industrialização no Brasil e da formação da burguesia brasileira, Gorender aprofunda a proposta de que a industrialização brasileira apoiou-se em acumulação originária ensejada pela escravidão colonial, que se acelerou com a Abertura dos Portos [1808] e a Independência [1822], processos que eliminaram a intermediação fiscal e comercial lusitana, tornaram mais baratas as importações, ensejaram Estado nacional escravista unificado.

Assinala que apenas a burguesia industrial apropria-se da mais-valia do produtor e promove a criação-reprodução da produção capitalista. Retoma a proposta de que a burguesia mercantil não possui contradições com formações pré-capitalistas. Lembra a maior importância para a gênese do capitalismo dos pequenos e médios empresários que, em 1840-88, organizaram fábricas de vestuário, alimentos, etc., com trabalhadores livres e escravizados, em geral para substituir a produção artesanal local, do que as atividades do visconde de Mauá.

Recorda que, na Europa, a ordem feudal garantia a permanência do camponês na gleba; impedia a mercantilização plena das terras; mantinha o artesanato dependente das corporações; dificultava a circulação das mercadorias; assegurava privilégios fiscais e administrativos à aristocracia, etc. Que, em sentido contrário, a revolução burguesa proletarizara camponeses, ao separá-los da terra; tornara plena a propriedade fundiária; pusera fim aos privilégios industriais; criara mercado nacional; impusera a igualdade jurídica cidadão, etc.

Assinala que, em forma geral, a sociedade escravista brasileira conheceu desde sempre a propriedade alodial da terra; que as corporações foram fenômenos marginais e rapidamente superados; que, em 1822, criou-se Estado unitário centralizado, com unidade “tributária, monetária e de pesos e medidas”. Nesse contexto geral, as relações escravistas eram o grande empecilho ao desenvolvimento da produção capitalista, incompatível com o trabalho e o mercado de trabalho escravistas. O mercado de trabalho livre teria começado a se constituir nos anos 1850 e se consolidou após a Abolição.

Gorender lembra que, por um lado, a abolição da escravatura, a única revolução social do Brasil, pôs fim às relações sociais e às classes escravistas; impôs a liberdade civil ao mundo do trabalho; fragilizou a Monarquia, estrutura político-jurídica da escravidão, etc. e, por outro, a República secularizou o Estado, facilitou a formação de sociedades anônimas, etc., não tocando na estrutura latifundiária da terra pois não existia movimento camponês exigindo a distribuição da terra e os cativos lutaram, na ocasião, essencialmente pela liberdade civil. Esses processos criavam as condições essenciais para o desenvolvimento da produção capitalista.

O campo e a cidade

Na República Velha, a produção e as relações capitalistas em crescimento subordinaram-se à produção agro-pastoril latifundiária, que como proposto em “Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro”, combinou “elementos de economia camponesa com o pagamento de salários de modalidade pré-capitalista” a colonos do café, moradores, meeiros, parceiros, etc. Em inícios do século 20, dois terços da produção rural eram exportados e o café constituía mais de 50% das exportações. Nesse então, a formação social brasileira era dominada pelos grandes fazendeiros, seguindo-lhes, em associação subordinada, banqueiros, comerciantes e industrialistas.

No final da Monarquia, o governo favoreceu a liquidez dos bancos, devido à necessidade da agricultura de pagar salários. A valorização das ações bancárias estendeu-se às de empresas em parte fundadas com objetivos especulativos. Rui Barbosa aprofundou a liquidez monetária, instituindo bancos emissores. Apesar do desperdício, o Encilhamento teria permitido a transferência do capital entesourado para investimentos produtivos, com destaque para os bancos, ferrovias e empresas de navegação.

No Brasil, como habitual, a industrialização iniciou-se na “indústria leve de bens de consumo não-duráveis” – tecidos, alimentos, etc. – que assumiu caráter regional, devido ao elevado custo dos transportes, escassez de capitais e impostos interestaduais. Na segunda metade do 19, as exportações nordestinas em crise ensejavam baixa acumulação, mesmo assim, a Bahia teve a primeira fábrica de tecidos [1911]. A produção têxtil pernambucana nasceu mais tarde e resistiu melhor, destacando-se na região a produção de açúcar por usinas, financiadas comumente com recursos públicos. O baixo dinamismo do mercado interno ensejou que o Nordeste se tornasse fornecedor de trabalhadores e capitais para o Sul.

O dinamismo da economia exportadora e do mercado urbano determinou que o Rio de Janeiro, grande centro comercial, bancário e portuário do Brasil, surgisse como principal centro industrial do país. Em São Paulo, no início do século 20, após esmorecer a expansão da cafeicultura exportadora, esta atividade ensejou acumulação de capitais que financiou o futuro principal pólo industrial do Brasil. No Extremo Sul, a industrialização foi financiada pela economia colonial-camponesa, de auto-consumo mais elevado, voltada para o mercado regional.

Gorender lembra que não procede a apresentação dos cafeicultores como promotores da Abolição e da industrialização. Não houve simetria entre desenvolvimento da cafeicultura e da industrialização e apenas alguns poucos cafeicultores tornaram-se industrialista. O capital cafeicultor financiou a indústria sobretudo por via bancária e comercial. Também não teria raízes históricas o mito do enriquecimento industrial pelo trabalho, já que poucos operários tornaram-se empresários.

Agentes da industrialização

Ao contrário, os imigrantes tiveram importância real na industrialização, sobretudo aqueles que chegaram com algum capital, que eram representantes de firmas estrangeiras, que possuíam conhecimentos técnicos etc. Ressalta que comerciantes investiram na produção do que importavam; que o comércio interno permitiu acumulação investida na indústria; que algumas pequenas empresas familiares transformaram-se em indústrias.

Gorender lembra que, após a Abolição e a República, a burguesia industrial, já claramente conservadora, não possuía contradições com a propriedade latifundiária, apesar de não raro opor-se à política econômica ruralista. Que, na República Velha, os industrialistas acompanharam em geral politicamente a oligarquia regional, sem promoverem organização nacional independente. Que empresários tornaram-se proprietários fundiários rurais e urbanos. Que a reforma agrária surgiu sempre do impulso das classes camponesas.

Gorender assinala que, naqueles anos, os trabalhadores conheceram condições de trabalho muito duras e praticamente nenhum direito social. Que os capitalistas, nacionalmente surdos às reivindicações até as grandes greves de 1917-9, serviam-se do paternalismo e da repressão para estender e manter a exploração. Nesse contexto, os trabalhadores obtiveram conquistas parciais de alcance local e regional, generalizadas apenas no Estado Novo.

Propõe que os interesses da produção industrial e da agricultura de exportação conheceram complementaridade contraditória. Ao produzir mercadorias importadas, a reprodução ampliada do capital industrial exigia subsídios e defesa alfandegária aos quais o ruralismo se opunha. Os interesses agro-exportadores defendiam o câmbio baixo, aceito pelos industrialistas, e combatido pelos importadores, pela população, pelo capital financeiro e pelas concessionárias internacionais, etc. Até anos 1930, governo tributou as importações com objetivos fiscais, favorecendo relativamente a indústria. Comumente, a pequena burguesia foi anti-industrialista.

Nos anos 1920, a cafeicultura entravava o desenvolvimento industrial, ao reforçar a monocultura, monopolizar os capitais, facilitar as importações, etc. Em 1924, impôs-se a defesa permanente do café, ou seja, a compra e retenção de estoques, para elevar artificialmente os preços, que ensejou a expansão dos cafezais. Em 1924-9, o café representava 73% das exportações; em 1931-2, 36% da área cultivada; em 1920-29, a agricultura de exportação cresceu em média 7,5%, e a produção industrial, apenas 2,8%.

A revolução que não houve

Gorender defende que não houve “revolução burguesa” em 1930 e que essa categoria seria “inaplicável à história do Brasil”, onde se deveria falar de “dominação burguesa”. Assinala que as burguesias paulista e carioca optaram por Júlio Prestes e que a Aliança Liberal não propôs apoio à indústria e defendeu inicialmente a cafeicultura. Lembra que, com a grande depressão [1929-33], a agricultura de exportação retrocedeu e a interna avançou; fortaleceu-se o processo de industrialização por substituição de importações; os ideólogos da burguesia passaram a propor a identificação entre industrialização e aos interesses nacionais e os industrialistas aproximaram-se de Vargas, apoiando o golpe de 1937

Assinala que o Estado Novo defendeu os interesses gerais e estratégicos da burguesia industrial, mobilizando-se pelo controle ideológico, sindical e policial do operariado. Para tal, concedeu a jornada de oito horas; o salário mínimo; a regulamentação do trabalho feminino; a previdência social; a Justiça do Trabalho; as convenções coletivas; a extensão da estabilidade, etc., conquistas das quais o mundo rural ficou completamente excluído.

Nos anos 1930, o liberalismo burguês exigia financiamento da industrialização e a criação pelo Estado das indústrias de base. Inicialmente, o Banco do Brasil financiou em curto prazo a indústria privada. Nos anos 1950, o BNDE financiou as indústrias estatais e, nos 1970, privadas. Nos seus dois governos, Vargas institui a Companhia Siderúrgica Nacional; a Companhia do Vale do Rio Doce; a Petrobrás; a Eletrobrás; a Rede Ferroviária Federal, etc. No próprio regime militar, as empresas públicas expandiram-se. Quanto à formação bruta do capital fixo, elas constituíam 13%, em 1965, e 25%, em 1975. Em 1944, Roberto Simonsen propôs o planejamento econômico capitalista de longa duração, combatido pelos liberais Godin e Bulhões.

O ensaio A burguesia brasileira foi publicado em 1981, no momento em que se encerrava o ciclo expansivo do processo de acumulação capitalista no Brasil, conhecido como “Milagre econômico”, e o imperialismo e importantes setores da burguesia nacional aprofundava a crítica ao estatismo brasileiro, mais forte desde 1975. Sobre essa questão, Gorender lembrava que a burguesia critica sistematicamente as empresas estatais, já que o sucesso de qualquer uma delas é sempre propaganda anti-privatistas.

Propõe que, mesmo em um contexto em que os capitais industrial e bancário disputassem os capitais controlados pelo Estado; em que a expansão da reprodução ampliada de capitais das estatais invadisse esferas da produção privada, etc., a campanha anti-estatista burguesa seria limitada devido a sua necessidade da intervenção estatal em grandes projetos. “É improvável […] que as intervenções privatizantes ora acesas consigam reduzir o peso específico do setor estatal na economia brasileira”. Essa avaliação dava-se a pouco menos de uma década da vitória mundial da contra-revolução neoliberal.

Os senhores da riqueza

No ensaio, ao criticar a proposta de uma burguesia de Estado no Brasil, ou seja, de uma classe dominante formada por administradores públicos sem propriedade dos meios de produção, Gorender lembra que é a propriedade e não a administração que define uma classe. Lembra que os altos administradores são semelhantes aos congêneres privados, estando obrigados a obedecer à lógica e as exigências do capital. Propõe que as empresas estatais são espécie de propriedade coletivas dos capitalistas administradas pelo Estado.

Até 1930, no Brasil, os investimentos do capital imperialista, sobretudo inglês, eram principalmente indiretos [empréstimos] e diretos [serviços básicos] com pouca incidência na esfera de transformação, pois a burguesia imperialista preferia exportar manufaturados produzidos na metrópole. Gorender assinala, novamente, que, mesmo tendo o capital externo contribuído no processo de industrialização brasileiro, já significativo nos anos 1950, ele fora produto sobretudo dos capitais internos. O capital estadunidense, após a guerra, e o europeu e japonês, a seguir, reagiram a esse dinamismo interno investindo na indústria sobretudo de bens de uso durável para consumo de massa.

Gorender propõe que, se por um lado o capital produtivo externo enseja descapitalização tendencial, isso não significa que, por um outro, ele não dinamize o mercado interno e o desenvolvimento da produção capitalista no Brasil. Que, como classe, a burguesia brasileira apoiava o ingresso seletivo de capitais estrangeiros, sobretudo das indústrias de ponta que consumiam bens intermediários produzidos por empresas nacionais. A posição do empresário nacional diante do capital internacional variaria entre o nacionalismo intransigente, a associação independente, a ligação estreita, a submissão plena, etc.

Gorender propõe que, na época em que escrevia, a economia brasileira se apoiasse no tripé capital estatal, capital privado nacional, capital privado estrangeiro. O setor nacional conhecera importantes transformações, com setores tradicionais involuindo enquanto novos grupos expandiam-se. Assinala que, em 1974, com a burguesia nacional em expansão, no mínimo, 85% do patrimônio no Brasil era de propriedade nacional, com predominância privada, apesar das maiores empreses serem internacionais e manterem importantes campos de reserva, como a indústria automobilística. Em 1974-80, o capital estatal fortalecera-se significativamente e o capital privado nacional avançara mais aceleradamente do que o estrangeiro.

Gorender lembra que, nos anos 1960, o modo de produção capitalista e a burguesia dominavam indiscutivelmente e os latifundiários viviam situação subordinada. Com o Golpe de 1964, empreendimento burguês com o apoio do imperialismo e do latifúndio, o alto comando das Forças Armadas dominou o país para aprofundar a acumulação burguesa, através do arrocho salarial; do fim da estabilidade; da instituição do FGTS, do Banco Nacional da Habitação, etc; da facilitação do ingresso do capital estrangeiro; da estruturação do mercado de capitais, etc.

Em 1980, o PIB do Brasil alcançara os 210 bilhões de dólares [10ª economia mundial], com a indústria representando mais de 80% da produção. Então, os departamentos de produção de bens intermediários e de bens de produção comandavam a expansão da indústria brasileira. O capital bancário brasileiro se consolidara sobretudo após a II Guerra mas não haveria ainda capital financeiro nacional propriamente dito [associação entre capital bancário e capital industrial], tendo crescido o investimento de industrialistas no campo e se fortalecido a média burguesia, que não era antiimperialista.

Editado em 1981, A burguesia apresentava sinteticamente proposta de interpretação estrutural da gênese da industrialização e da burguesia brasileira no memento em que se esgotava o surto expansivo iniciado em fins dos anos 1960. A seguir, o processo tendencialmente recessivo conhecido pelo país na década seguinte aprofundaria a internacionalização da economia; o esgotamento relativo da industrialização; a destruição-privatização da área de propriedade pública; a crescente perda de controle efetiva da nação pela burguesia nacional, tendências que prosseguem atualmente seu curso.

  • Mário Maestri, 56, é professor do Programa de Pós-Graduação em História. Universidade de Passo Fundo. E-mail: maestri@via-rs.net

Notas:

[1] Versão inicial deste artigo foi apresentada em: MAESTRI, Mário. O escravismo colonial: a revolução copernicana de Jacob Gorender. História & Luta de Classes. Rio de Janeiro: , p.77 – 102, 2005; Revista Espaço Acadêmico, v.35 e 36, n.1 e 2, abril e maio de 2004. www.espacoacademico.com.br. Agradecemos a leitura da lingüista Florence Carboni, do jornalista Duarte Pereira, do historiador Théo Loubarinha Piñeiro e o apoio documental do dr. Antônio Ozaí da Silva.

[2] Cf. TOLEDO, Caio Navarro de. “Notas sobre Jacob Gorender: o engajamento intelectual” SEMINÁRIOS, No. 2, São Paulo, Arquivo do Estado/Imprensa Oficial do Estado, maio 2003; MAESTRI, Mário. “Da Europa, o olhar crítico sobre o Brasil”. [Entrevista a J. Gorender]. DIÁRIO DO SUL. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. 9.10.1987; Entrevista em 7.12.2003, na residência de J. Gorender, em São Paulo.

[3] Cf. MAESTRI. Entrevista citada.

[4] Cf. TOLEDO. Ob.cit.

[5] Cf. MAESTRI. Entrevista citada.

[6] DIAS, Giocondo. A vida de um revolucionário: meio século de história política no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1993. p. 190.

[7] DIAS. Ob.cit. p. 210.

[8] Id.ib. p. 221.

[9] Cf. DEBRET, Regis. Révolution dans la révolution1? Lutte armée et lutte politique en Amérique Latine. Paris: François Maspero, 1967.

[10] Cf. GORENDER, Jacob. “Correntes sociológicas no Brasil”. ESTUDOS SOCIAIS, n. 3-4, Rio de Janeiro, 1958; “A questão Hegel”. ESTUDOS SOCIAIS, n. 8, Rio de Janeiro, 1960; “Contradições do desenvolvimento econômico no Brasil”. PROBLEMAS DA PAZ E DO SOCIALISMO, n. 2, Rio de Janeiro, 1963.

[11] Cf. PEREIRA, Duarte. Marxismo sem classe operária. “Princípios”, nº 56, São Paulo, fevereiro/abril de 2000, pp. 12-21.

[12] Cf. “Mário Alves de Souza Vieira. Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). www.torturanuncamais. org.br/ mtnm _mor/mor_desaparecidos/mor_mario_vieira.htm

[13] Cf. DIAS. Ob.cit. p. 268.

[14] CARVALHO, Apolônio. Vale a pena sonhar. 2 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 200.

[15] Id.ib. 203.

[16] GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 5 ed. Ver., ampliada e atualizada. São Paulo: Ática, 1998. pp. 201 et seq.; PEREIRA. Ob.cit.

[17] GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1978.

[18] LAPA, José Roberto do Amaral [Org.]. Modos de Produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 11.

[19] SODRÉ, Nélson Werneck. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1964. p. 4.

[20] GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, sd. p.110.

[21] Cf. MAESTRI, Mário. “A aldeia ausente: índios, caboclos, cativos, moradores e imigrantes na formação da classe camponesa brasileira”. STEDILE, J. P. [Org]. A questão agrária no Brasil. 2. São Paulo: Expressão Popular, 2005. pp. 217-275.

[22] Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966; FRANK, A. G. “Capitalismo e o mito do feudalismo no Brasil”. Revista Brasiliense, n. 51, São Paulo, 1964.

[23] REIS FILHO, D.A. & SÁ, J. F. de. [Org.] Imagens da revolução: documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. p. 89-117.

[24] (…) Lógica do Integracionismo: A operação se efetua segundo o axioma de que as relações de dominância são sempre relações de integração identificadora: o termo subordinado integra-se no termo dominante e, desde logo, tem a mesma identidade substantiva dele.” GORENDER, J. O escravismo colonial. 4 ed. Rev. E ampl. São Paulo: Ática, 1985. P. 307

[25] GORENDER, Jacob. O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. LAPA, José Roberto do Amaral [Org.] Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 45.

[26] Cf. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. 14 ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1969. 2 v.

[27]. Cf. FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo: Difel, 1960; A integração do negro na sociedade de classes. 3 ed. São Paulo: Ática, 1978; IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. São Paulo: Difel, 1962; CARDOSO, F.H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo: Difel, 1962.

[28] Cf. CARDOSO, F.H. Ob.cit. p.140-2.

[29] Cf. GORENDER, Jacob. Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial. ESTUDOS ECONÔMICOS, Instituto de Pesquisas Econômicas, IPE, São Paulo, 13[1], jan.-abril 1983, p. 16.

[30] Cf. PERET, Benjamin. “Que foi o quilombo de Palmares?” Revista Anhembi, São Paulo, abril e maio, 1956; _____. O quilombo de Palmares. Org., ensaios e comentários de Mário Maestri e Robert Ponge. Porto Alegre: EdUFRGS, 2002.

[31] Cf. MOURA, Clóvis. Rebeliões na senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Zumbi, 1959.

[32] Cf. STEIN, J. S. Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba: Com referência especial ao município de Vassouras. São Paulo: Brasiliense, 1961. [Original em inglês 1957]

[33] Cf. COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 2 ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1982.

[34] Cf. FREITAS, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. Porto Alegre: Movimento, 1973. [Primeira edição espanhol, 1971.]

[35] Cf. SOFRI, Gianni. Il modo di produzione asiático. Torino: Einaudi, 1969; SOFRI. O modo de produção asiático: história de um controvérsia marxista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977; GODELIER/MARX/ENGELS, Sobre el modo de producción asiatico. Barcelona: Martínez Roca, 1977.

[36] Cf. ASSADOURIAN, C.S. et al. Modos de producción en América Latina. Buenos Aires: Siglo XXI, 1973; GEBRAN, Philomena [Org.] Conceito de modo de produção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; MEILLASSOUX, Claude. L´esclavage en Afrique précoloniale: dix-sept études présentées par. Paris: François Maspero, 1975; MIERS, Suzanne & KOPYTOTT, Igor. Slavery in Africa: historical and anthropological perspectives. Wisconsin: University of Wisconsin, 1977; GODELIER, Maurice. Sobre as sociedades pré-capitalistas. Lisboa: Seara Nova, 1976.

[37] Cf. GENOVESE, Eugene. The political economy of slavery. New York: Pantheon Books, 1965; GENOVESE. Économie politique de l´esclavage. Paris: François Maspero, 1968; GENOVESE. A economia política da escravidão. Rio de Janeiro: Pallas, 1976.

[38] Cf. GENOVESE, Eugene. Économie politique de l´esclavage. Ob.cit. p. 20. [Traduzimos do francês ]

[39] Cf. CARDOSO, Ciro F. S.. El modo de producción esclavista colonial en América. Assadourian et Al. C.S. et al. Modos de producción en América Latina. Ob.cit.; CARDOSO, Ciro F. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 31.

[40]. Cf. MAESTRI, Mário. Breve história da escravidão. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

[41] Cf. GORENDER. O escravismo colonial. Ob.cit. pp. 1-30

[42] Cf. Id.ib. pp. 37-98.

[43] Cf. Id.ib. pp. 45-370.

[44] Cf. MAESTRI, Mário. “Gilberto Freyre: da Casa grande ao Sobrado: gênese e dissolução do patriarcalismo escravista no Brasil”. CADERNOS IHU, ano 2, n. 6, 2004, Instituto Humanitas Unisinos, Unisinos, São Leopoldo. 31 pp.

[45] Cf. TOLEDO. Ob.cit.

[46] MERKER, Nicolao. [Org.] MARX & ENGELS. E2 ed. La concezione materialistica della storia. Roma: Riuniti, 1998. p. 52.

[47] Cf. PREOBRAZHENSKY, E. [1926]. La nuova economia. México: Era, 1971; MEILLASSOUX, Claude. Mulheres, celeiros & capitais. Porto: Afrontamento, 1977; DALLA VECCHIA, Agostinho Mário. As noites e os dias: elementos para uma economia política da forma de produção semi-servil filhos de criação. Pelotas: EdiUFPEL, 2001.

[48] Cf. GORENDER. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987; GORENDER. A burguesia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986.

[49] Cf. KAUTSKY, Karl. La cuestión agraria. México: Cultura Popular, 1978.

[50] Cf. MARX, “La llamada acumulación originaria”. MARX. O Capital: crítica de la economia política. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. I. pp. 607-649.

[51] Cf. “Exército industrial de reserva”. MARX. O capital. Ob.cit. I, pp. XXXIII, 407 et seq.; 535, 542 et seq.

 

Segunda parte

O escravismo colonial – apogeu e crise

Cremos que os importantes sucessos sociais, políticos, culturais e ideológicos gerais ocorridos no Brasil e no mundo em fins da década de 1970 permitem compreensão mais precisa do sucesso científico e acadêmico de O escravismo colonial, no momento de seu lançamento, e durante o decênio seguinte, e a radical reversão de sua receptividade e legitimação acadêmica, nos anos 1990.

Em 1977-8, o Milagre Brasileiro pertencia ao passado e a sociedade nacional ingressava na depressão econômica tendencial na qual ainda se mantém.
Naquele então, ainda no contexto do afluxo do movimento social mundial, a violenta decadência absoluta e relativa das condições da vida da população, devido à expropriação salarial – inflação e arrocho -, determinada pelo início do pagamento incondicional da dívida financeira, ensejava o renascimento do ativismo sindical, pondo fim ao longo período depressivo que o movimento social ingressara em 1969.

Em 1979, muito duras mobilizações populares na cidade e no campo agitaram o Brasil, assinalando objetivamente o protagonismo social e político dos trabalhadores, negado pelo nacional-desenvolvimentismo burguês do PCB, antes de 1964, e pelo militarismo pequeno-burguês – VAR, PCBR, ALN, VPR, etc. – nascido sobretudo nas filas comunistas e entre os segmentos de classe média radicalizados, após 1967.

No mundo das representações, O escravismo colonial materializava as necessidades das mobilizações classistas dos trabalhadores de interpretação radical da formação social brasileira, a partir da ótica do mundo do trabalho, que superasse as falsas visões do passado, nas quais se haviam apoiado as estratégias populistas, direitistas e esquerdistas, derrotadas respectivamente em meados dos anos 1960 e nos inícios de 1970. [2]

O forte avanço dos trabalhadores em fins de 1970 – greves operárias e ocupações de latifúndios, com ápice em 1979; fundação do PT anticapitalista, em fevereiro de 1980; fundação da CUT classista, em agosto de 1983 – abria espaço social para o reconhecimento acadêmico e científico de obras como O escravismo colonial, de 1978, que empreendiam e apoiavam leituras radicais
da formação social brasileira exigidas pelo desenvolvimento da luta social.

Hegemonia conservadora

Entretanto, a ofensiva do mundo do trabalho brasileiro, de fins dos anos 1970, sofreu imediatas e múltiplas respostas, de todas as ordens, de parte das forças sociais proprietárias ascendentes e descendentes, que jamais deixaram de manter a hegemonia nacional e internacional. Essas respostas abrangeram igualmente as expressões daquele impulso social no mundo das representações.

Nessa operação destacou-se vasto movimento de deslegitimação científica e acadêmica de O escravismo colonial, inicialmente em forma indireta e transversal, mais tarde em forma direta e frontal, que se mobilizou para soldar a fratura causada pela aparição de obra que colocava o trabalhador e a luta de classe no centro da interpretação da formação social brasileira.

A campanha processou-se sobretudo através de dois movimentos. Enquanto procurava-se sistematicamente argumentação que questionasse, nem que fosse no mundo das aparências, elementos essenciais daquela interpretação, esforçava-se para manter à margem do mundo acadêmico os defensores do novo revisionismo historiográfico, em geral, e Jacob Gorender, em especial.

Quanto ao segundo movimento, é exemplo paradigmático a trajetória profissional do pensador marxista baiano, após o lançamento de sua obra. Apesar da profunda erudição registrada em O escravismo colonial, as portas da Academia, espaço ideal para a atualização, correção e ampliação daquela interpretação do passado mantiveram-se fechadas para ele, sob a justificativa de não possuir título universitário.

Nesse sentido, o pensador radical foi indiscutivelmente punido por ter preferido combater militarmente o nazi-fascismo, como pracinha, em 1942, e o capitalismo, como militante profissional, após 1945, e ter-se, assim, descurado de formação superior, que lhe teria garantido as exigências formais para ingressar na Academia ou seguir carreira burocrática respeitadora das instituições e da simbologia do poder.

Finalmente doutor

Nos anos seguintes à publicação de sua tese, para manter-se, Jacob Gorender trabalhou na Abril Cultural, coordenando a coleção “Os Economistas”, que apresentou mais de meia centena de autores e vendeu, inicialmente, um milhão e meio de exemplares. [3] Nessa coleção, publicou uma “Introdução” e uma “Apresentação” a dois volumes de obras de Marx. [4] Em 1989, escreveu longa “introdução” à Ideologia alemã, de Marx e Engels. [5]

Apenas em 7 de abril de 1994, dezesseis anos após a publicação de O escravismo colonial, foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Federal da Bahia, quando da reitoria do dr. Luiz Felippe Perret Serpa, em obediência à resolução do Conselho Universitário de 27 de outubro de 1992. [6] Em 1994-6, atuou como professor visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP, redigindo o ensaio “Globalização, tecnologia e relações de trabalho”. [7]

Em 29 de agosto de 1996, por proposta do Departamento de História da USP, recebia o título de especialista de Notório Saber, pela Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da mesma universidade, o que lhe permitiu participar como examinador de bancas de mestrado e doutorado. Em 1997, ministrou disciplina em curso de pós-graduação do
Departamento de História da mesma instituição – “História e marxismo: a prova prática no século XX (análise científica e aspirações utópicas).” Esse limitado reconhecimento científico institucional muito honra as instituições e os promotores que se desdobraram para efetivá-los.

A exclusão acadêmica obrigou Jacob Gorender a empreender, em forma quase isolada, sem apoio institucional, após suas atividades profissionais, nos momentos roubados ao repouso, a resposta aos variados questionamentos de sua interpretação do passado, produzidos em geral por intelectuais dedicados profissionalmente à produção intelectual, sustentados e apoiados por suas
instituições, por bolsistas, por seu orientandos, pela grande imprensa nacional e regional, etc.

Escravismo Colonial: Questionamentos

Após a publicação de O escravismo colonial, Jacob Gorender interveio sobretudo com dois ensaios na importante discussão ensejada por sua obra – “O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica”, de 1980, e “Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial”, de 1983. [8] Em 1985, publicou uma quarta edição revista e ampliada de O escravismo colonial.

Em 1990, um ano após a consolidação da contra-revolução mundial – Queda do Muro de Berlim -, portanto, em uma conjuntura política, cultural e ideológica radicalmente adversa, escreveu o livro A escravidão reabilitada[9], resposta exaustiva à criticaria organizada em torno de O escravismo colonial, obra que abordaremos oportunamente. Em forma geral, essa produção demarcou as diversas fases da poderosa operação revisionista estabelecida em torno de sua interpretação.

Em 1980, o artigo “O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica” [10] registrava o impacto de O escravismo colonial sobre a comunidade intelectual. Na “Introdução”, José Roberto do Amaral Lapa assinala que a coletânea pretendia retomar debate interrompido havia “quinze anos”, reunindo os textos “mais representativos” da “interpretação da realidade histórica brasileira através do conceito de modo de produção”.

Portanto, constituía tentativa de organização da polêmica entre interpretações que utilizavam “conceito teórico marxista axial” em forma, no “geral, discordante”, apesar de “substanciais aproximações” em alguns casos. Pretendia-se que se desse no “universo conceitual” do “modo de produção” e “formação social”, correlacionado com “suas categorias básicas […], relações de produção, forças produtivas, classes sociais, luta de classes, consciência de classe, etc.” [11]

O texto de Gorender abre o ensaio, seguido por ensaios de Antônio Barros de Castro, Flamarion Cardoso, Werneck Sodré, Octávio Ianni, Peter Eisenberg e Theo Santiago, apresentados em ordem alfabética. O organizador lembra a ausência de autores essenciais para a polêmica como Caio Prado, Celso Furtado, Fernando Novais, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes e José de Souza Martins, por motivos “perfeitamente compreensíveis”. [12]

Teoria geral

Em seu texto, Gorender empreende a defesa da proposta da construção de uma teoria geral dos modos de produção singulares; reafirma as categorias sociais como expressão da realidade empírica; assinala a dominância da esfera econômica, necessariamente associada à esfera extra-econômica; lembra a necessidade do desenvolvimento de teoria da formação social, em geral, e
da formação social capitalista, em especial.

Na terceira parte do texto, retoma a defesa do caráter historicamente novo do modo de produção escravista colonial, em relação à produção escravista patriarcal da Antiguidade, ressaltando sua dependência ao mercado externo não-escravista. Daí seu caráter colonial, “na acepção econômica do termo”. Fenômeno do qual não decorreria – como pretendiam as visões integracionistas, entre elas a Teoria da Dependência – a determinação e integração do modo de produção escravista colonial pelos modos de produção dominantes mundialmente.

Avança a defesa da não dominância imediata da produção capitalista “no final e o escravismo e após a Abolição”, devido à gênese e à expansão, de “formas camponesas pré-capitalista combinadas à estrutura da plantagem e do latifúndio pecuário”, já discutida. Dedica o final do texto à proposta da necessidade de amplo processo de investigação, geral e sistemático, exigido pela caracterização da gênese da produção capitalista no Brasil a partir do escravismo colonial, questão que abordaria no ensaio A burguesia brasileira, de 1981.

Burguesia conservadora

Da transição da produção escravista colonial, portanto mercantil, apoiada em formas alodiais da propriedade da terra, à produção capitalista, Gorender deduz o caráter conservador da burguesia nacional, que jamais encontrou “obstáculo para adquirir a propriedade de terra e teve na especulação fundiária uma das suas fontes de acumulação original do capital”. Lembra que ela não aprofundou sua “contradição com os latifundiários”, incorporando, ao contrário, “o latifúndio à estrutura do capitalismo no Brasil, onerando”, assim, seu “desenvolvimento […] com o peso exorbitante do preço e da renda da terra […]”. [13]

Quanto à dinâmica social e à transição intermodal, propõe que são “as variações nas forças produtivas (na medida em que progridem ou, mais raramente, na medida em que retrocedem) que estabelecem uma não-correspondência com as relações de produção existente e conduzem, no final de contas, à sua substituição por outras relações de produção e ao surgimento de um novo modo de produção.” [14]

Proposta correta do ponto de vista da epistemologia marxista, na medida em que se compreenda o impulso à variação ascendente das relações sociais de produção, sempre no contexto de forças produtivas historicamente dadas, como determinação da solução da contradição entre produtores diretos e controladores, detentores ou proprietários dos meios de produção.

Como em O escravismo colonial, nessa apresentação geral e na proposta de investigação sistemática sobre a formação social brasileira não há referência sistemática e explícita à luta de classes como determinação principal do devir social. A abordagem mais sistemática dessa questão daria-se em resposta à acusação de ignorar essa instância do devir histórico, lançada por autores em geral defensores da indeterminação objetiva da ação subjetiva das classes sociais.

Refutação sistemática

Salgo engano, no artigo “A economia política, o capitalismo e a escravidão”, Antônio Barros de Castro apresentou a primeira tentativa de refutação estrutural da proposta do modo de produção escravista colonial, ao retomar a defesa da singularidade do capitalismo como modo de produção capaz de ser apreendido sob a forma de economia política, pois apenas nele a “lógica
econômica” determinaria o social. [15]

Apoiada em apresentação superficial do feudalismo e do escravismo clássico, a tese de Barros de Castro choca-se com as determinações econômicas do escravismo colonial, analisadas com maior rigor, paradoxo argumentativo evacuado com a proposta de que “o moderno escravismo” teria “importantes traços em comum com o capitalismo” e “o escravo” constituiria “antecipação do moderno proletário”. Essa visão realizava verdadeiro retrocesso analítico, ao retomar o enfoque da Escola Sociológica Paulista de um “capitalismo escravista” ou de um “escravismo capitalista”. [16]

Portanto, para esse autor, o escravizador estaria “submetido a uma engrenagem econômica”, enquanto o trabalhador escravizado não teria o “caráter social efetivamente moldado pelo regime de produção”. Ou seja, segundo o analista, as condições servis de existência não seriam condicionadas pelas condições de produção. O que ensejaria que pouco importasse ao cativo ser deslocado da cozinha da casa-grande para a fornalha do engenho açucareiro!

Mero “cativo”, o trabalhador escravizado seria ajustado, “bem ou mal”, “ao aparelho de produção […] por uma combinação mais ou menos eficaz de violência, agrados, persuasão, etc.” Em contexto de “classes explicitamente antagônicas”, sobretudo “na passagem do século XVIII para o XIX”, quando a produção assumiu orientação mercantil, as sociedades escravistas avançariam
a partir do confronto social explícito e da consciência dos escravizadores do perigo das grandes massas servis. [17]

O escravo que negocia

Essa leitura dualista propunha não assentar a devir histórico da escravidão na oposição mas sobretudo na acomodação entre escravizadores e escravizados, já que a orientação social dependeria “da intensidade, direção e êxito da resistência e/ou luta aberta dos escravos, bem como das respostas encontradas pelos proprietários e homens livres em geral, para assimilar, acomodar e abafar a presença hostil e o potencial de rebeldia” servil. [18]

Os atos de “de rebeldia declarada e aberta” seriam “como o vapor que escapa ruidosamente da maquina”, “índice de pressão” no interior da sociedade escravista. Conscientes desse fato, os escravistas adaptariam-se “social, política e militarmente à convivência” com os cativos, “buscando meios e medidas para atenuar a combatividade, ou desviar” sua “agressividade”, ensejando que “o regime social” tenha cedido aos cativos “transformando-se sob o impacto de sua presença.” [19]

O autor conclui propondo investigações sobre fenômenos que não teriam despertado “grande atenção” na historiografia brasileira, como os registrados pela proposta do “Tratado de Paz”, dos cativos do “Engenho Santana de Ilhéus”, em 1789 [20], a concessão sistemática de glebas servis no Brasil [21], o aproveitamento das “oportunidades mercantis” pelos trabalhadores escravizados, etc., que constituiriam expressões das lutas servis para “construir um espaço próprio” na escravidão.

Segundo ele, a importância desses atos encontraria-se no fato de que não expressariam “apenas o esforço dos escravos no sentido de negar as condições que os oprimem”, mas sobretudo o processo de “acomodação” à escravidão que se mobilizaria pela conquista por parte dos cativos do “reconhecimento da sua existência e lugar na sociedade.” [22]

Desde esses anos, até hoje, com maior ou menor sucesso, centenas de historiadores esforçaram-se para seguir as recomendações de Barros de Castro sobre a necessidade de assentar a interpretação do devir da sociedade escravista na acomodação ao sistema escravista e não nos ritmos e determinações da produção e da resistência servil. Em 1989, Eduardo Silva e João José Reis tentariam uma sistematização dessa visão em Negociações e conflitos: a resistência negra no Brasil escravista. [23]

A brecha camponesa

Em 1983, Jacob Gorender apresentou resposta sistemática aos principais “Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial”, em artigo publicado na Revista ESTUDOS ECONÔMICOS, do IPEA da USP. Mais uma vez, abria o dossier dedicado inteiramente à escravidão, que contou com a presença de Flamarion Cardoso, Peter Eisenberg, Manuel Correia de Andrade, entre outros especialista do tema. [24]

Esse texto ensejaria debate historiográfico, travado em torno da “brecha camponesa” que, devido ao seu caráter paradigmático, analisaremos em forma mais sistemática. Na parte três do ensaio – “Escravismo colonial e economia camponesa” -, Gorender aborda esse fenômeno na escravidão, apresentado em forma ampla por Flamarion, em 1979, em capítulo do livro Agricultura,
escravidão e capitalismo. [25]

Em “A brecha camponesa no sistema escravista”, Flamarion retomara a proposta de Tadeusz Lepkowski da “economia independente de subsistência” dos quilombos agrícolas e dos “pequenos lotes de terra concedidos em usufruto, nas fazendas, aos escravos não-domésticos”, como “atividades que, nas colônias escravistas, escapavam ao sistema de plantation”.

Para o autor, no caso do Brasil, aos quilombolas e cativos devia-se agregar os “lavradores arrendatários das ‘fazendas obrigadas'” dos engenhos e os “moradores” e os “parceiros”. No século XVII, no caso das Antilhas, o mesmo devia-se fazer com os “indentured servants” e “engagés”, que obtinham nesgas de terras ao terminarem os contratos, mesmo que a expansão da plantagem
corroesse essa economia camponesa.

No ensaio, o autor apenas se refere à agricultura quilombola, centrando a discussão no fenômeno do “protocampesinato escravo”, conceito proposto por Sidney Mintz, de quem se dissocia no que se refere à dissolução das categorias “escravo” e “modo de produção escravista”, já que defende que o cativo poderia ser escravo e camponês, ao viver, em forma alternada, as duas “relações de produção”.

Um só modelo

Inicialmente, Flamarion propõe sua visão geral do fenômeno: o domínio das relações escravistas sobre as “atividades camponesas” servis; o objetivo do escravista de “minimizar o custo de manutenção e reprodução da força de trabalho” com a concessão; o recuo da agricultura autônoma dos cativos nas “épocas de colheita e elaboração dos produtos”; a sua importância “econômica e psicologicamente” para o “escravo”; a compreensão do escravizador do caráter “revogável” da parcela, “destinada a ligar” o cativo “à fazenda e evitar a fuga”.

Após reconhecer a existência “de um só modelo de sistema escravista na América” e propor a abordagem do fenômeno a partir do “conjunto dos casos observados”, mesmo reconhecendo que ele “não foi pesquisado igualmente a fundo em todas as regiões escravistas”, propõe que “a atribuição aos escravos de parcelas de terra e de tempo para cultivá-las” constituísse “característica universal do escravismo americano” e que o “acesso dos escravos aos meios de produção e ao tempo” tenha tendido “a transformar-se em um direito de fato e, em certos casos, fixados pela lei”.[26]

Essa última proposta apoiava-se substancialmente na concepção do caráter contratual do “escravismo” onde, “como em qualquer regime econômico-social, se estabelece entre a classe dominante e a classe explorada um acordo contratual – legal ou consuetudinário – que garante para a classe dominada, pelo menos de fato, certos direitos cuja infração traz consigo o perigo de alguma forma de rebelião”. [27]

As decorrências da proposta de “brecha camponesa” na escravidão americana eram claras. Propunha-se a existência de relações de produção camponesas sistêmicas, isto é, necessárias e universais, no interior do escravismo colonial, determinando, corroendo e dissolvendo esse modo de produção. A apresentação da documentação probatória das proposições avançadas inicia-se
pelo reconhecimento de que, no Brasil, “a pouca atenção prestada […] pelos historiadores à ‘brecha camponesa’ pareceria indicar certo ceticismo relativo à sua importância”.[28]

Entretanto, apesar dessa constatação objetiva, o autor não retém a possibilidade de a escassa “atenção” nascer de escassa importância do fenômeno e de suas decorrências diretas e indiretas no escravismo brasileiro. Ao contrário, antepõe-se, simplesmente, crença otimista ao “ceticismo” geral: “Acreditamos que, ao desenvolver-se, o estudo […] revelará o grande peso do que chamamos aqui a ‘brecha camponesa’ […].” [29] Confiança desmentida pelos estudos historiográficos especializados das duas últimas décadas que reafirmaram o caráter residual e não estrutural do
fenômeno no Brasil.

Documentação sumária

A sumária documentação probatória apresentada sobre o Brasil reduz-se a pouco mais do que referências a André João Antonil, Jorge Benci, Luís dos Santos Vilhena e a estudo de Stuart Schwartz, o mesmo ocorrendo para o sul dos USA, onde se afirma que “estava bem assentado” o “hábito de conceder aos escravos lotes de terra em usufruto e o tempo para trabalhá-los” e que
existiriam “alguns indícios de que a posse sobre a parcela e a garantia do trabalho livre eram direitos amplamente reconhecidos […]”.

A abordagem do fenômeno nas Guianas francesa e inglesa e nas Antilhas, feita a partir de informação relativamente mais rica, assinala a existência de dois lotes servis, um perto da cabana, o outro em geral em terreno montanhoso, mais afastado. Registra-se igualmente o movimento dos cativos, em algumas regiões, quando da abolição da escravatura, pela compra-aluguel dos lotes servis. Referências esparsas são apresentadas para a Venezuela, Cuba, Porto Rico, etc.

A partir da comprovação da existência quanto muito lacunar e desigual desse fenômeno na América escravista, conclui-se afirmando a universalidade do fenômeno e, paradoxalmente, desautorizando relativamente seu caráter sistêmico: “[…] em todas as colônias ou regiões escravista – embora em proporção variável -, muitos dos escravos dispunham de lotes em usufruto e
do tempo para cultivá-los […]”.[30]

Nas páginas finais do ensaio, Flamarion apresenta otimista avaliação de corte impressionista da produtividade da agricultura autônoma servil, sobre a qual não se tenta estimativa concreta. Em “Saint-Domingue” [Haiti], “na horta próxima” à “cabana, plantavam árvores frutíferas e legumes, além de criar galinhas e ocasionalmente também perus, porcos e cabras. Nos terrenos comuns, plantavam bananas, milho, raízes (mandioca, batata-doce, inhame, etc.).”

A avaliação positiva é estendida também ao seu caráter e rentabilidade mercantil. Propõe-se que na Jamaica “os escravos também cultivam, por sua conta, café, gengibre e alguns produtos menores de exportação” que, na Venezuela, além de produtos de subsistência, os cativos “preferiam” plantar “cacau”, constituindo verdadeiras “pequenas fazendas – haciendillas – dentro da fazenda maior”.[31]

Pequenos banqueiros

Na “Guiana Francesa”, os cativos “monopolizavam quase totalmente o mercado interno de cassave (preparação da mandioca) e aves, tendo em seu poder grande parte da moeda que circulava na colônia”. Na Jamaica, os cativos teriam chegado a “possuir 20% da moeda em circulação, e a legar, em seus testamentos informais, até duzentas libras esterlinas!”. [32] Após reafirmar que “em todas as colônias a inserção dos escravos nos circuitos mercantis era semelhante”, propõe-se como “finalidade primordial” dessa produção “obter suplementos de alimentação e vestimenta de melhor qualidade (incluindo jóias [sic] e sapatos), tabaco e bebidas”. [33]

Uma realidade que se estende ao Brasil, ao aceitar-se sem retenção a proposta de Stuart Schwartz de que os trabalhadores escravizados do engenho de Santana “eram capazes de produzir um excedente comercializável” e “participar diretamente na economia de mercado [sic] e acumular capital [sic]”! Produção servil que eventualmente negaria a proposta historiográfica da inexistência de um verdadeiro “mercado interno” colonial apontando em direção do “desenvolvimento industrial”! [34]

Na “conclusão”, propõe-se retenção nas conclusões sobre o fenômeno totalmente ausente no corpo do texto: em geral, as parcelas “não chegavam a garantir a totalidade” da subsistência servil; muitas vezes prevalecia “a forma extrema da lógica” plantacionista; “nem todos os cativos se beneficiaram com o sistema”; nem todos os cativos tinham energia ou disposição para empregar suas poucas horas de repouso nessa atividade.

Crítica metodológica

Inicialmente, em “Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial”, Jacob Gorender propõe que Flamarion aborde aquela questão “sem recorrer às categorias de formação social e de modo de produção”. Ou seja, que assimile modos de produções diversos, dominantes e dominados, coexistentes em uma mesma formação social. Lembra que nas formações sociais
escravistas da Antiguidade e dos Tempos Modernos, ao lado do modo de produção escravista dominante, subsistiram “variados tipos de atividade camponesa”, “dependentes ou não”.

Assinala que definira em O escravismo colonial a existência de “modo de produção dos pequenos cultivadores não-escravistas”, “secundário na formação social escravista”, “no qual se agrupavam os sitiantes minifundiários, os posseiros e os agregados ou moradores”. Esses produtores ficariam excluídos “de todo” na “consideração da chamada ‘brecha camponesa'”. [35] Quanto aos
“lavradores, proprietários ou arrendatários, que se incumbiam de plantar cana-de-açúcar para fornecê-la a engenhos alheiros” “eram escravistas, e até grandes escravistas”, “organicamente integrados no modo de produção escravista colonial”.

Quanto aos quilombos, assinala que se situavam “fora” do âmbito do escravismo colonial, apesar de eventualmente manterem “vínculos de intercâmbio” com ele. Não introduzindo “qualquer alteração no modo de produção escravista colonial em si mesmo”, os quilombos não eram, conseqüentemente, “argumento em favor da suposta ‘brecha camponesa’.” [36] Portanto, “as formas camponesas não” representariam “brecha alguma no modo de produção escravista dominante, seja patriarcal como colonial, uma vez que não faziam parte de sua estrutura”. [37]

Ao contrário, “o cultivo autônomo de lotes de terra pelos escravos dentro do âmbito da plantagem” constituía fenômeno da “estrutura do modo de produção escravista colonial” sujeito à necessária análise. Sobre essa realidade, Gorender afirma: “Cardoso resume as referências da bibliografia secundária sobre o assunto e conclui que se tratou de prática generalizada nas diversas regiões do escravismo americano”, “com diferença de amplitude para cada região”.

Para Gorender, o “cultivo de gêneros”, as “atividades de coletoras”, a “criação de pequenos animais”, etc. para autoconsumo” ou, eventualmente, para a venda, teriam sido reduzidos nos USA, “pois as plantagens mantinham cultivos próprios a fim de alimentar” os cativos. Essas práticas teriam conhecido “maior desenvolvimento” no Caribe, onde se registraria “apreciável participação comercial dos próprios escravos com a venda de seus produtos e um grau de estabilidade no usufruto dos lotes, que permitia mesmo legá-los”.

Debate antigo

Gorender lembra que ao contrário do proposto por Flamarion, vários “historiadores e sociólogos abordaram, conquanto, em certos casos, apenas de passagem” a questão. Assinala que tratara igualmente em O escravismo colonial o fenômeno, a partir de uma dezena de fontes primárias e quase o mesmo número de estudiosos.

Em 1978, naquela obra, refutara amplamente a tendência a universalizar e a superestimar a produtividade das roças servis e, sobretudo, a proposta de Passos Guimarães, dos anos 1960, em Quatro séculos de latifúndio, do trabalhador escravizado ser em parte escravo e em parte servo-camponês, devido ao controle de glebas servis. Aquele autor defendera também a extensão da concessão de terras ao cativo. [38]

Gorender resenha a seguir a visão apresentada em O escravismo colonial sobre a questão. A prática teria sido transportada pelos portugueses da ilha de São Tomé, nas costas da África, no século XV, para o Brasil, sendo aplicado em forma “extremamente irregular na área da produção açucareira”. Engenhos não concediam lotes e outros avançavam no tempo livre dos cativos durante a
safra, “quando as jornadas de trabalho podiam prolongar-se até dezoito horas e os dias de descanso eram muito espaçados”. [39]

Em 1996, João José Reis confirmaria a proposta de Gorender. Para o conhecido historiador baiano, “no Brasil o sistema [brasileiro] aparentemente não foi assim tão difundido […]”. Nos engenhos açucareiros, após o grande “boom” do produto, escravistas teriam passado a alimentar diretamente os trabalhadores. Reis lembra: “Um estudo recente de B. Barickman conclui que, entre 1780 e 1860, nos engenhos a alimentação escrava ficava principalmente por conta do senhor.” [40]

Para Gorender, a prática da plantação de gêneros alimentícios ou, até mesmo, comerciáveis, em pequenas parcelas, nos “domingos e dias santos de guarda”, teria sido maior nas plantagens de algodão e café, possivelmente devido a menores exigências do “processo produtivo” nessas explorações, em relação ao açúcar. Sobretudo na cafeicultora, lembra estar documentado “a alimentação” servil, “no fundamental, pelas plantações e criações dos próprios fazendeiros”, contribuindo a exploração dominical de lotes com “recursos acessórios” aos cativos.

Direito ao descanso

Sobre a origem última da prática, Gorender aceita que pode ter sido iniciativa dos cativos, mas assinala que sua introdução constituiu um retrocesso em relação à conquista da “dispensa do trabalho nos dias feriados, durante o escravismo antigo”, “favorável ao senhor, uma vez que obrigava o escravo a trabalhar mesmo no dia consagrado ao descanso a fim de suprir uma parte do produto necessário à auto-subsistência”, elevando o “grau de exploração do trabalho escravo”.[41]

Fenômeno que determinava o entrosamento orgânico dessa prática “na estrutura do modo de produção escravista colonial, não se tratando de dois sistemas, porém de um único”. Uma integração semelhante à existente no feudalismo entre o trabalho na reserva feudal, e do servo para si, na gleba que detinha. “A concessão de um lote ao escravo não passou de uma forma variante, inessencial e condicional, do segmento de economia natural, podendo inexistir ou ocupar apenas uma parte desse segmento.” [42]

Mesmo aceitando que os cativos esforçavam-se para ampliar o “espaço de autonomia que o usufruto do pequeno lote lhes concedia”, Gorender ressalva o grau elevado de exploração do cativo na produção de açúcar, na América escravista, com jornadas infernais de trabalho que ensejavam uma “extrema estreiteza e a precariedade do cultivo autônomo do escravo”. [43]

Lembra que o direito à formação de pecúlio pelo trabalhador escravizado, comum na Antiguidade européia, fora tardio e limitado no escravismo brasileiro. Rejeitando as visões gentis da escravidão, assinala que no escravismo americano “devia prevalecer, em proporção esmagadora, a massa de escravos agrícolas condenada à impiedosa exploração e sem outra perspectiva
que não a morte na escravidão”. [44]

Quinta edição

Como assinalado, em 1985, nove anos após ter concluído a redação de sua tese, Jacob Gorender revisou e ampliou, “em cerca de dez por cento”, o texto original, quando da quarta edição de O escravismo colonial, que se tornaria sua segunda e definitiva versão. Em depoimento a José Tadeu Arantes, que o entrevistara, em 1978, para o semanário Movimento, após o lançamento de O
escravismo colonial, assinalou que a revisão reafirmava a “estrutura” e as propostas essenciais da obra através de “fundamentação mais profunda, mais flexível e mais ricas de várias” de suas “teses”. [45]

No “Prefácio à quarta edição”, enfatiza igualmente que as “modificações introduzidas” mantinham e reforçavam “em conjunto todas e cada uma das teses da primeira edição”. Os temas ampliados foram “trabalho escravo e alto custo de vigilância”, “plantagem escravista e progresso técnico”, “características do tráfico africano” “escravismo patriarcal e antigo”, “a lei da população escrava”, “a alforria”, o “tratamento dos escravos”, “lavradores e evolução da renda da terra”, “a escravidão em Minas Gerais”, “escravidão e industrialização”, “os pequenos escravistas”, a “escravidão no setor cafeeiro”. [46]

Na entrevista, Gorender referiu-se à influência, “nos últimos vintes anos”, “das correntes historiográficas estadunidenses no Brasil”, com destaque para a interpretação do neo-pratiarcalismo representada pelo “ex-marxista” Eugene Genovese que, inspirando-se em “Gilberto Freyre”, apresentava “os escravos americanos como a classe trabalhadora melhor tratada do mundo, do ponto de vista material, em sua época”. Sobretudo em Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento urbano, publicado em 1936, Freyre empreende verdadeira apologia das condições de vida dos trabalhadores escravizados do Nordeste, transformando a Abolição em verdadeiro drama social para os trabalhadores escravizados. [47]

Nesse cenário historiográfico nacional onde dominava a “revivescência da influência de Gilberto Freyre”, sobretudo através da historiografia estadunidense, propunha que não “seria de estranhar que chegássemos ao centenário da Abolição” “com uma reabilitação também do escravismo brasileiro”. Tese que seria desenvolvida, em forma sistemática, em 1990, em A escravidão reabilitada, que teve influência marcante na intervenção de Gorender na discussão do escravismo, como veremos oportunamente.

A brecha camponesa

Em 1987, em Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas, Ciro Flamarion Cardoso retomou o debate sobre a proposta de brecha camponesa, em resposta extremamente ácida à refutação de Gorender, de quatro anos antes, em “Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial”. [48] No livro, descreveu a crítica como eivada de “erros” historiográfico e
produto de “visão monolítica” e “classificatória” da história, “à maneira dos velhos manuais do marxismo”. Como assinalado, Gorender traduzira manuais da Academia de Ciência da URSS nos anos 1960. [49] Escrito por um dos primeiros e mais brilhantes defensores da categoria escravismo colonial, a resposta de Flamarion obteve grande repercussão acadêmica.

O breve ensaio Escravo ou camponês? divide-se em três partes. Na primeira, Cardoso desenvolve apresentação, explicação e correções a sua leitura sobre o escravismo americano. Nas duas seguintes, empreende defesa geral da proposta da brecha camponesa como fenômeno “estrutural”, de orientação mercantil, no Brasil e na América escravistas. [50] Para tal, apresentam
incidências da “brecha camponesa” no sul dos USA, no Caribe britânico, francês e espanhol, a partir sobretudo de relato de viajantes, de tratadistas coloniais e de trabalhos historiográficos isolados, o que facilita a descrição de paisagens otimistas sobre aquele fenômeno e as condições de existência servil.

No relativo à Carolina do Norte, o autor escreve: “Além do que produzissem em suas parcelas, os escravos recebiam abundantes rações de alimentos, provenientes da produção da própria plantation pertencentes a Pettigrez: peixe, carne, arroz, milho, farinha de trigo, eventualmente frutas.” [51] Sobre a Virgínia: “Muitos […] evitavam tal trabalho extra e viviam só das rações. Estas eram tão abundantes que os negros negociavam com partes delas, comprando aos domingos, a brancos pobres da redondeza, uísque que consumiam às escondidas […].”[52] A situação no sul algodoeiro seria a mesma: “[…] também lá os negros eram bem alimentados, além de possuírem parcelas, galinhas e chiqueiros, cujas produções vendiam (comprando, entre outras coisas, farinha de trigo), além de venderam o produto da caça.” [53]

No mesmo sentido, supervaloriza-se a produtividade e a orientação mercantil da “economia autônoma” dos trabalhadores escravizados, sem apoio de documentação conclusiva: “O produzido nas parcelas (às vezes incluindo algodão), criando animais e em atividade extrativista, era, normalmente, vendido: com o dinheiro obtido, os escravos compravam roupas, fumo tecidos e outros objetivos (jóias [sic], brinquedos para as crianças, anzóis, utensílios de cozinha, etc.).” [54]

Lotes minúsculos

O cenário apresentado contradita com o reconhecimento de que os lotes eventualmente concedidos aos cativos eram minúsculos – “não eram grandes” -, possuindo, habitualmente, no Caribe francês dois ares per capita. Ou seja, quarenta metros quadrados! No Caribe britânico, o terreninho podia ser de 25 a trinta pés quadrados: uns oitenta metros quadrados! [55]

A limitada extensão de terra, os rústicos instrumentos de trabalho e o pouco tempo livre que gozavam os cativos delimitavam materialmente a produção possível dessas glebas. O que recomenda retenção no que se refere a generalizações de casos exemplares de cativos, para que não distorçam a descrição essencial do fenômeno em discussão. Entretanto, o autor não opta pela retenção, em sua interpretação.

Em Escravo ou camponês?, citam-se trabalhadores escravizados que legaram “até duzentas libras esterlinas!” e reafirma-se que “graças às suas atividades comerciais, […] chegaram a possuir 20% da moeda em circulação”. Afirma-se que “os negros exerciam, em Saint-Domingue, um grau considerável de poder econômico”. [56] A sugestão de altíssima produtividade dessas parcelas é reiterada em afirmações como: “Num caso, um hectare e meio de terra, cultivado por três homens e três mulheres, rendia, em média, vinte francos por dia! O ganho médio anual que se podia esperar de um lote individual era estimado variavelmente entre 200 e 800 francos.” [57]

A apresentação otimista da produção possível dos micro-lotes, nas escassas horas de trabalho permitidas, com meios de trabalho precários é viabilizada comumente por descrições impressionistas produzidas com a aglutinação das atividades eventuais das diversas micro-glebas, sugeridas como gerais a cada uma delas, através do uso de vírgula substituta da preposição aditiva “e”, ali onde devia de rigor usar-se a conjunção alternativa “ou”. “Os cativos plantavam em seus lotes mandioca, bananas, batatas, inhames, legumes diversos, árvores frutíferas. Criavam galinha, coelhos, porcos, ovelhas, às vezes mesmo vacas e cavalos […]. Também praticavam o artesanato, cortavam madeira e fabricavam carvão, coletando forragem para vender, pescavam, etc.” [58]

Paradoxalmente, após as longas apresentações otimistas, lembra-se que “Tomich chama a atenção, sensatamente, para o perigo do exagero: eram poucos os escravos realmente prósperos; havia muitos vivendo na penúria mais extrema; existiam, ainda, aqueles que recusavam a continuar trabalhando nas horas e dias livres, ou não agüentando fazê-lo, preferindo receber rações dos senhores.” [59]

Sem avançar

A réplica de Flamarion limita-se a reafirmação e radicalização do proposto, sem refutação dos questionamentos metodológicos apresentados por Gorender. Não há também ampliação sistemática do material empírico apresentado. Boa parte da documentação na qual se apoiara fora já utilizada e citada por Jacob Gorender em Escravismo colonial. No relativo ao Brasil, os poucos casos registrados de concessão de nesgas de terras referem-se sobretudo à economia açucareira e à propriedades rurais de ordens religiosas.

Mais comumente, eles reafirmam o caráter aleatório e não sistêmico da prática. Em 1700, Jorge Benci registra que “alguns senhores” davam “um dia” aos cativos para produzirem mantimentos. Em 1711, Antonil afirmava também que “alguns senhores” costumavam conceder “um dia em cada semana para plantarem para si”. No final do século 18, Vilhena reafirma o caráter não orgânico da prática e, em meados do século seguinte, em Vassouras, fazendeiros “recomendavam” a sua adoção como forma de diminuir a resistência servil. [60]

No relativo ao Brasil, não se empreende a superestimação da produtividade dessas parcelas proposta para os Estados Unidos e o Caribe. Porém, como assinalado, aceita-se acriticamente a afirmação de Schwartz de que os cativos do engenho de Santana “eram capazes de produzir um excedente comercializável” e “participar diretamente na econômica de mercado [sic] e acumular capital [sic]”!, visão que não compreende a economia servil como miserável poupança monetária, capaz, no melhor dos casos, de, após décadas, viabilizar a alforria de um produtor envelhecido, como registra ad nausean a documentação, mas sugere, ao contrário, uma dinâmica economia que ensejaria verdadeiro “mercado interno” e apontaria, quem sabe, em direção do “desenvolvimento industrial”, através da produção de “capital”, como já assinalado! [61]

Em alguns casos, ao contrário do defendido, a documentação apresentada aponta para a prática extraordinária daquele hábito. Como é o caso do estudo da escravidão em Goiás, em que Eurípides Funes encontrou registro documental de roças de cativos em menos de dez por cento das propriedades registradas! Ou seja: mais de noventa por cento poderiam não conhecer esse fenômeno. [62]

Generalização do singular

Portanto, baseado em documentação lacunar que não raro infirma o proposto, sem discutir as refutações metodológicas apresentadas, propõe-se que o fenômeno teria se convertido “em costume cada vez mais arraigado e difundido”, “indispensável” ao escravismo brasileiro. Em inversão arbitrária da realidade objetiva, afirma-se terem sido “casos individuais” e “conjunturas variáveis” aqueles nos quais “certos senhores puderam preferir e impor o sistema de rações”! [63]

Flamarion e, salvo engano, nenhum autor que defendeu na época a alta produtividade, o caráter mercantil e a generalização da brecha camponesa no Brasil tentou responder sistematicamente as questões incontornáveis decorrentes da proposição. Entre elas, por que os escravizadores não distribuíram as terras entre os trabalhadores escravizados e limitaram-se à cobrança de renda, repetindo nas Américas a transição do escravismo ao feudalismo, através do colonato, já que era tão elevada a produção desses “pedacinhos de terra” explorados com instrumentos rústicos e escasso gasto de tempo?

Transição que seria também aconselhada pelo fato de que essas práticas contribuiriam para a paz na senzala, reduziriam os gastos marginais de segurança, poriam fim à hemorragia de recursos exigida pela renovação das escravarias dizimadas na produção, através do tráfico. Como se sabe, o camponês, com alguma terra e autonomia, pare filhos como coelho! Finalmente, se, nas últimas décadas da escravidão, a concessão de parcelas de terras e a consolidação do controle servil sobre ela cresceram – e não diminuíram -, por que não se conheceu no Brasil mobilização multitudinária por seu controle, no contexto da luta abolicionista, como em regiões da América escravista onde o fenômeno assumiu importância?

Ou seja. Por que os cativos abandonaram as fazendas em que viviam, com tanta facilidade, procurando comumente a liberdade nas cidades ou relações assalariadas em outras propriedades, não empreendendo resistência aberta ou velada pelo controle das hortas que, segundo se propõe, explorariam maciçamente, com tanta felicidade? [64]

Nos últimos quinze anos, as investigações sobre o escravismo colonial no Brasil terminaram solucionando pela negativa as questões em discussão. Hoje, não há mais dúvidas sobre o caráter não sistêmico da concessão de hortas aos cativos, o limite da produtividade dessa produção e sua orientação dominante para a satisfação das necessidades de subsistência dos produtores. Em geral,
como propusera Jacob Gorender, em 1978, em O escravismo colonial, no “regime escravista, a economia própria do escravo nunca representou peça indispensável, sempre foi acessória e condicional”. [65]

Notas:

[1] Versão inicial deste artigo foi apresentada em: MAESTRI, Mário. O escravismo colonial: a revolução copernicana de Jacob Gorender. História & Luta de Classes. Rio de Janeiro: , p.77 – 102, 2005; Revista Espaço Acadêmico, v.35 e 36, n.1 e 2, abril e maio de 2004. www.espacoacademico.com.br. Agradecemos a leitura da lingüista Florence Carboni, do jornalista Duarte Pereira, do historiador Théo Loubarinha Piñeiro e o apoio documental do dr. Antônio Ozaí da Silva.

[2] Cf. KORSH, Karl. Marxismo e filosofia. Porto: Afrontamento, 1977. p. 79.

[3] Cf. MAESTRI. Entrevista.

[4] GORENDER, Jacob. “Introdução”. MARX, Karl. Para a crítica da economia política; salário, preço e lucro; O rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural. 1982. pp. VII-XXIII; GORENDER “Apresentação”. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. pp.
VII-LXXII;

[5] Cf. GORENDER, Jacob. “Introdução. O nascimento do materialismo histórico”. MARX & ENGELS. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989;

[6] Cf. Diploma expedido em Salvador, 07 de abril de 1994 [xerox].

[7] GORENDER, Jacob. “Globalização, tecnologia e relações de trabalho”. ESTUDOS AVANÇADOS, IEA-USP, São Paulo, 11(29), janeiro-abril de 1997, pp.311-361.

[8] GORENDER. O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. LAPA, José R. do Amaral [Org.] Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. pp. 43-63.  GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.

[9] GORENDER. Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial. ESTUDOS ECONÔMICOS, Instituto de Pesquisas Econômicas, IPE, São Paulo, 13 [1], jan.-abril 1983, pp. 7-39.

[10] GORENDER. O conceito de modo de produção e a pesquisa histórica. Ob.cit. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. Ob.cit.

[11] LAPA. Introdução ao redimensionamento do debate. LAPA. Modos de produção […]. Ob.cit. p. 15.

[12] Id.ib. pp. 10 e 3.

[13] GORENDER. O conceito de modo de produção […]. Ob.cit. p. 64.

[14] Id.ib. p. 52.

[15] CASTRO, Antônio Barros de. A Economia Política, o Capitalismo e a escravidão. LAPA. . Modos de produção […]. Ob.cit. pp. 67-107.

[16] Id.ib. p. 92.

[17] Id.ib.. p. 94.

[18] Id.ib. p. 105.

[19] Id.ib. p. 98.

[20] Cf. SCHWARTZ, Stuart B. Resistence and accomodation in eighteenth-century Brazil: the slaves´ view of slarevy. The Hispanica American Historical Review, Duke University Press, 57(1); fev. 1977;

[21]. Cf. CARDOSO, Ciro F. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979. cap. 4.

[22] Id.ib. p.100

[23] Cf. SILVA, Eduardo & REIS, João. Negociações e conflitos: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

[24] GORENDER. Questionamentos […]. pp. 7-39.

[25] CARDOSO, Ciro F. “A brecha camponesa no sistema escravista”. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979. pp. 133-54.

[26]. Id.ib. p. 138.

[27] Id.ib. p. 137.

[28] Id.ib. 138.

[29] Id.ib. p. 139.

[30] Id.ib. p. 145. Destacamos.

[31] Id.ib. p. 146.

[32] Id.ib. p. 148.

[33] Id.ib. p. 147.

[34] Id.ib. p. 148.

[35] Id.ib. p. 18.

[36] Id.ib. p. 19

[37] Id.ib. p. 18.

[38] GORENDER. O escravismo colonial. 4 ed. São Paulo: Ática, 1985. p. 263.

[39] Id. “Questionamentos […].”. p. 20.

[40] REIS, João José. Escravos e coiteiros no quilombo do Oitizeiro: Bahia, 1806. In REIS & GOMES. [Org]. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 336.

[41] Id.ib. p. 21.

[42] Id.ib. p. 24.

[43] Id.ib. 23.

[44] Id.ib. p. 224, 26.

[45] ARANTES, José Tadeu. “O escravismo colonial revisado” [Entrevista a Jacob Gorender.] LEIA, dezembro de 1985. p. 22-3.

[46] GORENDER, Jacob. “Prefácio à quarta edição”. O escravismo colonial. 5 ed. ver. e ampliada. Ob.cit. p. IX – X.

[47] FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. 405 pp.

[48] GORENDER, Jacob. “Questionamento […].”.

[49] Cf. CARDOSO, C. F. Escravo ou camponês? Ob.cit. p. 111.

[50] Id.ib. pp. 97, 109.

[51] Id.ib. p. 63

[52] Id.ib., p. 64.

[53] Id.ib. p. 65

[54] Id.ib. p. 66.

[55] Id.ib. p. 69

[56] Id.ib. p. 75, 81.

[57] Id.ib. p. 84

[58] Id.ib. p. 83 [destacamos]

[59] Id.ib. p. 84.

[60] CARDOSO. Escravo […]. Ob.cit. p.

[61] Id.ib. p. 109.

[62] Id.ib. p. 102.

[63] Id.ib. p. 110.

[64] Cf. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília, INL, 1975.

[65] GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Ática, 1985. p. 258-9; 254-64; 2363.