[Foto: Silvana Olivieri]
Cemitério de escravizados começa a ser escavado nesta quarta (14/05); data marca 190 anos da morte de mártires da Revolta dos Malês. A data escolhida para a escavação está relacionada a execução de mártires da Revolta dos Malês, que aconteceu há 190 anos na capital baiana. Segundo a pesquisadora arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, eles foram enterrados no local. Antes da escavação, que tem início marcado para 14h, haverá um ato inter-religioso aberto ao público, com a presença de promotores, pesquisadores e representantes de diversas religiões.
A escavação acontece quase dois séculos depois da revolta, em janeiro de 1835, caracterizada como o maior levante de escravizados na Bahia. A rebelião reuniu cerca de 600 africanos, sendo a maioria de origem mulçumana. O nome “malê”, inclusive, está relacionado a religião: significa “mulçumano” na língua iorubá. Além deles, há possibilidade de pessoas que participaram da Revolta dos Búzios e da Revolução Pernambucana, ocorridas em 1798 e 1817, respectivamente, também tenham sido enterradas no cemitério.
A decisão foi tomada após uma reunião realizada na última quinta (8) pelo Ministério Público da Bahia. Na ocasião, estiveram presentes, entre eles a arqueóloga Jeanne Dias, o advogado e professor da Faculdade de Direito da Ufba Samuel Vida, a arquiteta e pesquisadora Silvana Olivieri, além de pesquisadores e lideranças religiosas.
“Uma vez confirmadas as informações das pesquisas, estaremos diante de uma descoberta de magnitude inédita, possivelmente o maior cemitério de pessoas escravizadas de toda a América Latina. Trata-se de um achado que resgata a nossa história e memória, permitindo, mesmo após tantos anos, uma reparação histórica à dignidade dessas pessoas. O ato inter-religioso tem essa finalidade de reconhecer a humanidade das pessoas ali enterradas, que foram desumanizadas pelo processo escravocrata, não apenas durante a privação de liberdade e escravização, mas também na morte, quando lhes foi negado qualquer tipo de ritual fúnebre”, destaca a promotora de Justiça Lívia Sant’Anna Vaz.
A localização do cemitério foi descoberta durante a pesquisa de doutorado desenvolvida pela arquiteta na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Silvana comparou mapas da época e fotos de satélite atuais para identificar o local exato.
Para a descoberta – que reconstrói saberes de um período colonial que ainda abriga muitos silenciamentos e apagamentos históricos -, a arquiteta e urbanista Silvana Olivieri reuniu mapas e plantas de Salvador do século 18, além de mergulhar em referências bibliográficas de historiadores como Braz do Amaral (1917), Consuelo Pondé de Sena (1981), e um livro escrito em 1862 por Antônio Joaquim Damázio, contador da Santa Casa. Os estudos arqueológicos voltados para a confirmação da descoberta seguirão ativos de 13 a 22 de maio.
As escavações serão coordenadas pela arqueóloga e antropóloga Jeanne Dias. Após a finalização da etapa de prospecção arqueológica, a partir dos dados iniciais levantados, serão analisadas propostas para pensar o futuro desta descoberta, a continuidade das pesquisas e as medidas de natureza reparatória que deverão ser adotadas nas diversas esferas: patrimoniais, históricas e espirituais.
A UFBA constituiu uma Comissão para o acompanhamento e apoio às iniciativas voltadas para o resgate e a salvaguarda do cemitério. De acordo com a pesquisadora e o coordenador do Programa Direito e Relações Raciais, da Faculdade de Direito da UFBA, Samuel Vida, o cemitério pode se constituir num dos maiores acervos de remanescentes humanos de pessoas negras escravizadas das Américas, com estimativas que podem chegar a mais de 100 mil pessoas sepultadas ao longo do período em que esteve em atividade. Conforme relatam, os sepultamentos costumavam ser indignos, em valas comuns e superficiais, sem cerimônias religiosas ou ritos fúnebres. Assim, para Silvana Olivieri e Samuel Vida, a pesquisa e suas descobertas buscam resgatar uma importante parte da história negra da cidade de Salvador.
Fonte: G1, Correio da Bahia, UFBA.