[Arqueólogos encontram primeiras ossadas no cemitério de escravizados em Salvador — Foto: Victoria Nasck]
As informações foram divulgadas na segunda-feira (26/05/2025), em coletiva de imprensa na sede do Ministério Público da Bahia, no bairro de Nazaré. Os arqueólogos que trabalham no antigo cemitério de escravizados, descoberto no estacionamento do Complexo da Pupileira, área pertencente à Santa Casa de Misericórdia, no bairro de Nazaré, em Salvador, encontraram os primeiros vestígios de pessoas enterradas no último dia 16. Os pequenos fragmentos (ossadas e dentes) são do século 19 e podem ajudar a localizar as pessoas enterradas no local.
O projeto Levantamento Arqueológico na Área do Antigo Cemitério do Campo da Pólvora teve como referência a pesquisa documental realizada pela arquiteta urbanista e doutoranda em Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Silvana Olivieri. Silvana comparou mapas da época e fotos de satélite atuais para identificar o local exato. Com apoio do advogado e professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Samuel Vida, foi elaborado o Dossiê Cemitério do Campo da Pólvora e encaminhado para os órgãos de proteção do Patrimônio para a obtenção de autorização para execução da pesquisa arqueológica.
O material estava enterrado a cerca de 2,5 metros de profundidade e encontrado em um terreno ácido e úmido. Diante disso, as ossadas estavam frágeis e passarão por um tratamento de conservação. Com a descoberta, os pesquisadores conseguiram confirmar a existência do maior cemitério de escravizados da América Latina, onde podem estar enterrados os restos mortais de mártires das Revoltas do Malês e da Revolta dos Búzios, movimentos de grande relevância na luta contra a escravidão na Bahia e no Brasil. O MP oficiou a Santa Casa de Misericórdia da Bahia para que a área das escavações não seja mais utilizada.
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Primeiros vestígios são encontrados em cemitério de escravizados na Pupileira, em Salvador — Foto: Divulgação
Conforme explicado pela pesquisadora e arqueóloga Jeanne Dias, que coordenou o projeto Levantamento Arqueológico na Área do Antigo Cemitério do Campo da Pólvora, as ossadas poderão auxiliar no aprofundamento dos estudos e na reconstrução histórica, cultural e espiritual de um local apagado por 180 anos. A pesquisadora comemorou a conquista, que contribui para o entendimento dessas comunidades negras que remontam a história da Bahia e do Brasil.
“Estamos muito felizes com a localização das ossadas dos remanescentes das comunidades negras, no antigo Cemitério do Campo da Pólvora. […] Poder discutir, falar, debater um pouco sobre a trajetória e a vida dessas comunidades, que foram trazidas de maneira forçada da África para trabalhar no Brasil, sendo escravizadas aqui, e das outras populações marginalizadas”, destacou.
As escavações no cemitério começaram no dia 14 de maio, data que marcou os 190 anos da Revolta dos Malês, que aconteceu em Salvador, em 1835. O marco histórico é caracterizado como o maior levante de escravizados da Bahia e está diretamente ligada a descoberta do sítio arqueológico
Possível marco histórico
A localização, identificada como parte do antigo Cemitério do Campo da Pólvora, pode abrigar mais de 100 mil corpos de escravizados, além de pessoas marginalizadas da época, como indigentes, não-batizados e criminosos. O cemitério teria funcionado entre o final do século XVII e meados do século XIX. A descoberta é considerada uma reparação histórica, trazendo à luz um capítulo sombrio da história do Brasil. O Cemitério do Campo da Pólvora, invisibilizado por camadas de aterro, representa um importante vestígio do passado escravocrata do país.
Fragmentos de ossos serão enviados para a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) para análise. O processo de reconhecimento do local como sítio arqueológico, denominado “Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos”, já foi encaminhado ao Iphan.
O MPBA atua para a preservação do local, considerado um potencial sítio arqueológico. Uma audiência pública será realizada pelo Iphan para discutir os próximos passos para a preservação do local como patrimônio cultural material e imaterial.
Fonte: G1 e CNN.