Por Monika Dowbor, Henrique Aragusuku e Frederico Salmi

 

Ao proporem suas iniciativas de tributação, os movimentos sociais trazem o tema para um debate mais amplo, distante do jargão dos especialistas, que exclui até os mais escolarizados.

Em 10 de abril de 2025, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo acolheu a reunião de movimentos sociais para o lançamento de uma campanha nacional pelo plebiscito popular. Duas demandas foram apresentadas: a taxação de bilionários e o fim da jornada de trabalho 6×1.

A primeira demanda refere-se à questão tributária, que no Brasil é complexificada pelos termos de seu debate. Esse conflito distributivo é apresentado nos canais de comunicação como um tema altamente especializado e isso somente reforça as crenças de que “imposto é assunto para economistas” e de que “o brasileiro paga muito imposto”.

As brasileiras e os brasileiros que, de fato, pagam muito têm classe e raça: os pobres, majoritariamente pretos e pardos, pagam pela alta taxação em tudo o que consomem. No final do dia, são eles que pagam proporcionalmente mais impostos, enquanto os mais ricos no Brasil são isentos de tributos, por exemplo, sobre seus lucros e dividendos distribuídos e suas grandes fortunas.

Se aqueles que pagam mais impostos têm classe e raça, aqueles que pagam menos também: são de classe alta e brancos. Além disso, eles têm nome e sobrenome. No Brasil, há 56 bilionários, e os 0,01% mais ricos são 15.366 pessoas que detém uma renda de pelo menos R$ 8 milhões por ano ou 666 mil reais por mês. A tributação de imposto de renda para essas pessoas, quando taxadas, chega no máximo a 12%. Enquanto os salários dos trabalhadores são taxados em até 27,5%. Esse é o rosto da injustiça tributária no Brasil.

O caráter regressivo da tributação não só é injusto na sua estruturação, mas também em função dos seus efeitos, ao deixar de ser fonte para a ampliação de políticas sociais. Nós herdamos esse paradoxo da Constituição de 1988: ela ampliou os direitos sem garantir a base fiscal para sua implementação robusta.

A taxação de grandes fortunas consta da Constituição de 1988, em seu artigo 153, no qual está previsto que “compete à União instituir impostos sobre”: “VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar”. No entanto, ela nunca foi regulamentada. Uma das questões cruciais para isso é definir o que são grandes fortunas. Termos como super-ricos, milionários, bilionários, ultrarricos, entre outros, são utilizados sem que haja uma discussão política e sistemática para defini-los. Essa questão não é apenas técnica ou econômica, mas envolve implicações políticas e materiais diretas em termos de ampliação de políticas sociais.

Há um consenso relativo no Brasil a respeito da taxação dos super-ricos. Em um relatório sobre a desigualdade, a Oxfam aponta que 85% da população brasileira defende “o aumento dos impostos de pessoas muito ricas para financiar políticas sociais”. Vale lembrar que a taxação foi a fonte para a construção dos Estados de Bem-estar na Europa e nos Estados Unidos.

 

Uma grande consulta nacional para ouvir o povo sobre trabalho, justiça e dignidade.

 

Os movimentos sociais brasileiros têm sido eficientes na produção dessas políticas públicas de bem-estar social, transformando reivindicações em propostas práticas. O SUS (Sistema Único de Saúde), a educação pública, os programas de combate à violência de gênero e discriminação racial e as recentes políticas climáticas, entre outras, têm nos movimentos seus defensores, propositores e articuladores políticos. Um dos eixos de atuação desses movimentos é a questão tributária. Não é de hoje. Em uma pesquisa recente realizada pelo INCT Participa, um levantamento inédito de 15 movimentos sociais mostra que eles abordam a necessidade de reformular os impostos em janelas de oportunidades políticas e o fazem de duas maneiras.

Primeiro, referem-se às questões amplas como taxação de grandes fortunas, isenção de lucros e dividendos distribuídos, operações offshore, tributação em paraísos fiscais, entre outros, como formas efetivas de financiar políticas públicas no Brasil. Segundo, elaboram campanhas mais específicas que traduzem conceitos complexos para uma linguagem acessível, nas quais indicam o que deve ser mudado e para onde deve ir o recurso.

Por exemplo, a Ação Negra – uma coalizão de organizações do movimento negro – defende uma “Reforma Tributária Antirracista”, que propõe uma maior taxação do patrimônio dos super-ricos, com o objetivo de fomentar empreendimentos periféricos negros e das comunidades mais vulneráveis. Outro exemplo é o “Manifesto por uma Reforma Tributária 3S: Saudável, Solidária e Sustentável”, que advoga a favor da taxação de atividades que matam, poluem e prejudicam os humanos e o meio ambiente, como a produção de alimentos com agrotóxicos, a exploração de petróleo e a mineração.

Taxar os super-ricos já é tema de debate nos espaços políticos internacionais. No Fórum Econômico Mundial de 2023 foi apresentada uma carta-manifesto assinada por 200 milionários, autodenominados “Milionários Patriotas”, em apoio à taxação de “ultrarricos”. Já no âmbito do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os países participantes da ONU formaram o Pacto de Financiamento Climático de Glasgow, que passou a discutir novas formas de redistribuição de recursos econômicos, em especial do setor privado, que inclui a taxação de grandes corporações transnacionais poluentes.

Ao proporem suas iniciativas de tributação, os movimentos sociais trazem o tema para um debate mais amplo, distante do jargão dos especialistas, que exclui até os mais escolarizados. Para nos tornarmos uma sociedade mais justa tributária e, portanto, socialmente, é preciso que os termos sejam apurados e decantados, os números explicitados e os argumentos de origem e destinos de mudanças tributárias bem desenhados. Enfim, a complexidade não é técnica, mas política. A justiça tributária é uma condição necessária e crucial para reduzir a desigualdade no Brasil.

Monika Dowbor é professora do Departamento de Saúde Coletiva da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), coordenadora do NDAC (Núcleo de Democracia e Ação Coletiva) e membro do Comitê Gestor do INCT Participa.

Henrique Aragusuku é pesquisador de pós-doutorado no INCT Participa e membro do NDAC (Núcleo de Democracia e Ação Coletiva) do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Frederico Salmi é pesquisador no programa de pós-graduação sociologia da UFRGS, nos grupos de pesquisas TEMAS (Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade) da UFRGS e CSSN (Climate Social Science Network) da Brown University, e membro do INCT Participa.

 

Fonte: Cebrap.

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