[Imagem: Mural Etnias, Panorama, Eduardo Kobra-Wikimedia Commons]

Por Amanda Abreu, Verônica Dudiman, Daniele Mattos e Marcelle Chagas

 

Em meio a retrocessos do Norte Global, a América Latina surge como um campo fértil para o desenvolvimento de iniciativas autênticas, capazes de fortalecer as minorias e fomentar uma verdadeira transformação.

A diversidade nunca foi e nem pode ser vista como um ponto de chegada. Ela é um ponto de partida para qualquer ação que tenha como base a inclusão, trata-se do início de uma jornada um tanto quanto complexa, que exige esforços contínuos, transformações estruturais e, principalmente, ações concretas para garantir que todos tenham as mesmas oportunidades de inclusão e participação no processo de construção social, econômica e política.

No contexto global, onde os ventos conservadores começam a soprar com mais força devido ao cenário político que temos, passamos a ter um cenário onde as políticas de diversidade estão sendo questionadas. Observamos que estão tentando reverter avanços que levaram décadas para serem conquistados, por isso, em meio ao panorama atual, a América Latina surge como um campo fértil para o desenvolvimento de iniciativas autênticas, capazes de fortalecer as minorias e fomentar uma verdadeira transformação.

A verdadeira diversidade é, antes de tudo, um imperativo moral e estratégico

Nos últimos anos, especialmente após a ascensão de líderes como Donald Trump nos Estados Unidos, os discursos contra a diversidade ganharam força. Trump, em sua retórica de desvalorização da pluralidade, argumenta que as políticas de inclusão criam divisões e colocam a identidade acima da competência, uma falácia que ecoa em várias partes do mundo e que, infelizmente, tem se tornado um movimento crescente que está longe de ser uma peculiaridade dos Estados Unidos — reverbera também no Brasil e em outras partes da América Latina, impactando diretamente os grupos historicamente marginalizados, como negros, mulheres, LGBTQIA+ e indígenas.

Esses discursos contrários à inclusão social, que acusam as políticas afirmativas de promoverem uma “discriminação reversa”, devem ser combatidos com o reconhecimento de que a verdadeira diversidade é, antes de tudo, um imperativo moral e estratégico.

A América Latina, ao contrário de ser uma exceção, é um reflexo de sua própria diversidade. A região carrega, em sua história, os impactos profundos da escravização, da colonização e das ditaduras que marcaram sua trajetória. No entanto, é também uma terra de resistência e de constante reinvenção, onde povos e culturas se misturam e se fortalecem, dando origem a um cenário culturalmente rico e criativo.

No Brasil, por exemplo, a cultura negra se consolidou como a base da sociedade brasileira, permeando a música, as danças, a culinária e até as práticas religiosas. O samba, o funk, o pagode, o jazz, o hip hop, tudo isso nasce da resistência, da necessidade de sobrevivência e da expressão cultural de um povo que, apesar das adversidades, nunca deixou de se reinventar. Por isso, entendemos que o desafio da América Latina, portanto, não é reconhecer essa diversidade, mas sim valorizar e integrar esses saberes e culturas em um contexto global cada vez mais conectado.

A ruptura das barreiras geográficas e linguísticas, principalmente entre o Brasil e os países hispano-falantes, por exemplo, é uma etapa importante para fortalecer o empoderamento coletivo e a troca de experiências entre os povos latino-americanos.

A troca de saberes, a valorização das culturas indígenas, afro-latinas e LGBTQIA+ e a utilização da criatividade como ferramenta de inovação são caminhos que podem gerar retornos imensuráveis para a região, não para provar algo aos países ocidentais, mas para reforçar a identidade e a autonomia da própria América Latina.

Esse cenário cultural latino-americano, repleto de desafios, também se reflete no mercado de trabalho, onde as minorias ainda lutam por espaço. A criatividade da população negra, das periferias e dos povos indígenas muitas vezes se esgota em espaços limitados, sem acesso à liderança ou à inserção em cargos de tomada de decisão.

Essa realidade precisa ser diferente e a narrativa da resistência e da luta pela sobrevivência, por mais admirável que seja, não deve ser romantizada. Ela precisa ser reconhecida, valorizada e, principalmente, integrada aos processos de desenvolvimento econômico e social, com políticas públicas e empresariais que garantam que a diversidade seja tratada como uma verdadeira estratégia de crescimento e inovação.

Apesar dos avanços em algumas áreas, como o movimento negro no Brasil, que alcançou vitórias significativas na legislação e em representações políticas, o caminho ainda é longo.

Muitas vezes, as políticas de diversidade nas empresas se limitam a ações superficiais e pontuais, como campanhas de marketing ou iniciativas de contratação sem real compromisso com a mudança estrutural. O famoso “diversity washing” está presente em muitas organizações, onde a diversidade é tratada como um selo de marketing e não como um compromisso genuíno com a transformação.

Por mais que o cenário político atual e as ondas de conservadorismo em curso possam gerar temor, é importante frisar que a luta pela diversidade não morreu. A sociedade brasileira, assim como a latino-americana, foi forjada na diversidade e na luta das suas minorias. Não podemos retroceder!

O que precisamos agora é de um movimento que envolva a sociedade civil, as instituições públicas e privadas, e que seja capaz de ir além das retóricas vazias. A diversidade precisa ser tratada como um compromisso de longo prazo, com ações que vão desde a educação e a inclusão no mercado de trabalho até o desenvolvimento de políticas públicas que garantam a equidade no acesso aos direitos sociais.

Embora os desafios ainda sejam grandes, as iniciativas para empoderar as minorias seguem ganhando força. Movimentos como o de mulheres na Argentina, pela luta pelos direitos reprodutivos, e as resistências indígenas em países como Bolívia e Peru são claros exemplos de como as minorias, longe de serem passivas, se tornaram protagonistas no cenário político e social. A diversidade não é apenas um valor ético, mas uma potência criativa capaz de transformar a região em um polo de inovação global.

A verdadeira transformação só ocorrerá quando a diversidade for encarada como o início de uma nova maneira de construir o mundo, não como um favor ou uma concessão.

Precisamos entender que essa transformação que tanto falamos, lutamos e pedimos é um catalisador para a inovação, para a equidade e para a justiça social. Por isso, é fundamental que todos os setores da sociedade latino-americana, incluindo as empresas, as organizações civis e os governos, se unam em um esforço conjunto para construir um futuro em que a diversidade não seja apenas reconhecida, mas verdadeiramente vivida e aplicada. A luta continua, mas o saldo é positivo, e estamos cada vez mais próximos de um futuro mais inclusivo, justo e inovador.

 

Sobre as autoras

 

Amanda Abreu é publicitária e estrategista, com sólida experiência em desenvolvimento de estratégias para grandes marcas como Avon, Pantene e Vanish. Atualmente, é sócia e cofundadora da Indique uma Preta, consultoria voltada para a valorização e inclusão de profissionais negros no mercado de trabalho. Também é pós-graduanda em Estudos Sociais e Políticos do Brasil pela FESP.

Verônica Dudiman é sócia e cofundadora da Indique, a comunicadora e estrategista impulsiona conexões sustentáveis entre profissionais negros e o espaço de trabalho, através da inclusão de talentos e desenvolvimento de ambientes possíveis. Além de ampliar soluções de raça e gênero no campo corporativo, trabalhando com grandes companhias como Google, Natura e Unilever, a profissional também gerencia o pilar de comunidade da Consultoria, onde promove mensalmente formações e oportunidades de capacitação gratuitas, ação que já conta com mais de 5 mil pessoas impactadas. Verônica é aluna do Programa Young Leaders of America e em seu TEDx, “Não contrate mulheres negras” traz à tona a importância de repensar as estruturas através de ações concretas e contínuas. Acredita que tudo o que faz carrega muito dos seus valores e ideais, por isso encontra também no trabalho uma forma de transpor as mudanças que deseja ver no mundo, a partir das movimentações e aprendizados em coletivo.

Daniele Mattos é relações Públicas, com foco em Diversidade. Comunicadora com mais de 10 anos de experiência, trabalhou em agências para marcas como Avon, Netflix, Havaianas e na Comunicação Institucional da Whirlpool e Mutato. Criou a Indique Uma Preta em 2016 e hoje é Sócia Cofundadora da mesma consultoria, que conecta a comunidade negra ao mercado de trabalho. Junto às suas sócias, conduz o negócio de forma independente, atuando em projetos de consultoria, diversidade e comunicação para mais de 70 clientes. Pelo trabalho com a Indique foi Forbes Under 30, Meio & Mensagem Under 30, esteve no Papel & Caneta por 2 anos consecutivos e também no Prêmio Vozes, de 2022. Em junho de 2023, representou o Brasil no CC:DC, Programa de Diversidade que acontece no Lions, Festival Internacional de Criatividade, em Cannes.

Marcelle Chagas é jornalista e especialista em Comunicação Online e Marketing Digital, e mestrado pela Universidade Federal Fluminense. Líder reconhecida na área de comunicação, Marcelle se destaca como uma defensora da diversidade e equidade racial na mídia. À frente da Rede de Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação e do Observatório de Gênero, Raça e Territorialidade na Ciência, ela é uma referência na luta por uma comunicação mais diversa. Sua experiência abrange importantes organizações como CNPq e Fiocruz, além de ter sido finalista de prêmios de grande relevância, como o Jornalistas & Cia/HSBC de Imprensa e Sustentabilidade e o Troféu Mulher Imprensa. Alumni da Clinton Foundation e pesquisadora Tech and Society  da Mozilla Foundation, Marcelle busca inovações para promover o uso da tecnologia  e da comunicação em prol da justiça social e equidade digital.

 

Fonte: Nexo | Imagem: Mural Etnias, Panorama, Eduardo Kobra-Wikimedia Commons.

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