Por Roberto Bitencourt da Silva

“O julgamento moral é a nossa derrota” (coronel Kurtz, personagem do filme Apocalypse now).

Os ataques perpetrados pelo estado de Israel na Faixa de Gaza, desde outubro de 2023, já levaram à morte mais de 21 mil pessoas. Destas, ao menos 9 mil vítimas foram crianças. As imagens do massacre e da vilania israelense são tenebrosas. Imagens repletas de dor e sofrimento. Os ataques têm se expandido para a Cisjordânia, o Líbano e a Síria.

A propalada retaliação ao Hamas cedo se evaporou enquanto justificativa oficial para o uso da força. A não ser que a mencionada organização político-militar palestina seja onisciente e onipotente, controlando países e instalações urbanas as mais diversificadas na Palestina: hospitais, escolas, universidades, residências, unidades de produção e trabalho etc. De fato, a limpeza étnica, a expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza e a ampliação do processo de expropriação de suas terras, são os motivos reais da hecatombe promovida por Israel.

As contínuas atrocidades praticadas por Israel, as suas seguidas violações dos direitos humanos, os seus crimes de guerra, têm motivado muitas manifestações públicas em defesa dos árabes-palestinos, em diferentes quadrantes do planeta. Os apelos por cessar-fogo e a reivindicação pela libertação nacional dos palestinos dão o tom das vozes nas ruas. Evidentemente, apelos feitos na contramão da linha editorial dos veículos massivos de comunicação, que se comportam como porta-vozes dos governos de Israel e dos EUA.

Isso posto, com grande senso de oportunidade, foi recentemente lançado o livro “Contra o sionismo – retrato de uma doutrina colonial e racista”, de autoria do jornalista Breno Altman, publicado pela editora Alameda. Fruto de exposições realizadas em seu programa transmitido no Youtube, pelo webjornal Opera Mundi, o autor oferece livro que é uma ferramenta explicativa muito importante para o público brasileiro, a respeito de algumas questões decisivas que envolvem o conflito israelense/árabe-palestino.

Dividido em quatro capítulos, o escritor explora uma perspectiva histórica a respeito do processo de ocupação do território da Palestina, não raro recuperando informações de um passado bastante remoto. Perspectiva que proporciona melhores condições para a compreensão do assunto.

Muito esquematicamente, cumpre assinalar que Altman destaca o processo da diáspora dos judeus, ocorrida entre períodos anteriores a era cristã e o início da nossa era, com fluxo migratório especialmente dirigido para a Europa. Nesse sentido, o estado de Israel, criado em 1948, foi edificado sobre um território ocupado por ampla maioria árabe. A transplantação de gentes, sobretudo europeias, está na raiz da formação de Israel.

Como fundamento ideológico da instituição do estado de Israel encontra-se o sionismo, gestado no final do século 19. Conforme descreve o autor, trata-se de uma corrente política que advoga um estado nacional assentado na supremacia étnica judaica: racismo e colonialismo são os seus irmãos siameses.

Como frisa o historiador israelense Ilan Pappe (“Dez mitos sobre Israel”, editora Tabla), a modalidade de colonialismo de povoamento – assentado em noções etnocêntricas e racistas de “missão civilizatória” sobre povos pretensamente “atrasados” e terras “pouco ou não cultivadas” –, consistiu em uma experiência europeia em diversos lugares do mundo. O sionismo converge com essa experiência. Ele pôs e ainda põe em prática a eliminação física e a desumanização do palestino-árabe como artificio de domínio político e militar sobre a região.

Outra questão relevante debatida por Altman é a distinção feita entre sionismo e judaísmo. Terreno pedregoso, já que se trata de um povo submetido ao atroz suplício do Holocausto realizado pelo nazismo, é de fundamental importância a diferenciação feita pelo autor. De um lado, ensina o autor, uma específica matriz político-doutrinária de corte racista. De outro, um complexo cultural, étnico e religioso muito mais abrangente, o judaísmo, que não se confunde forçosamente com a defesa irrestrita do estado de Israel e das suas ações militares.

Com base em princípios do direito internacional, o autor entende que o Hamas representa uma organização política e militar dedicada à resistência contra um poderoso agressor colonial. Uma espécie de grupo de libertação nacional ou beligerante. Altman confere credibilidade ao Hamas, mormente por ter sido eleito pela maioria palestina como seu representante, escapando da demonização contumaz feita pelo mainstream midiático.

Nisso o livro conflui com a interpretação dada por Ilan Pappe, que também questiona a usual designação de “terrorista” oferecida para o agrupamento, pela retórica do poder imperialista estadunidense e ocidental, em geral.  Diga-se, a elasticidade retórica no uso do adjetivo já alcançou o próprio Fatah, liderado por Yasser Arafat, como sublinha o sociólogo Edward Said (“A questão da Palestina”, editora Unesp). A depreciação satanizante de qualquer adversário dos geointeresses da ordem faz parte da retórica do poder.

Livro de intervenção política, redigido no calor dos graves acontecimentos em curso no Oriente Médio, escrito em uma linguagem bastante acessível, a denúncia ao sionismo feita por Breno Altman é corajosa e ilumina um tema, sem dúvida, espinhoso e de pouca familiaridade do público brasileiro. Combater as atrocidades israelenses e defender o direito à autodeterminação nacional palestina são um verdadeiro imperativo moral do momento.

 

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Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.

 

Fonte: Jornal GGN.

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