Com discurso alinhado à extrema direita, dono da Meta (que detém Instagram, Facebook, Threads e WhatsApp), confirma apoio a Donald Trump, assume copiar Elon Musk e incentiva discursos racistas. Em declarações à imprensa em sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, Donald Trump expressou sua satisfação com a decisão da Meta, e quando questionado se ele acreditava que o anúncio teria sido uma resposta às suas ameaças a Zuckerberg, respondeu: “Provavelmente, sim”.

Além do fim da parceria com checadores de fatos, o anúncio realizado pelo CEO da Meta, Mark Zuckerberg, no dia 7/01/2025 indica também que a empresa atuará de modo mais veemente contra iniciativas de regulação das plataformas globalmente. No Brasil, está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento que analisa a constitucionalidade do artigo 19 da lei do marco civil da internet, que isenta as plataformas de responsabilidade por conteúdos de terceiros. A tendência é de que a Corte revise essa regra.

 

Por Silvia Nascimento, no Mundo Negro

 

Um dia muito triste para pessoas negras e demais grupos minorizados que produzem conteúdo para as redes da Meta. Se antes a incompetência na moderação ou remoção de conteúdos de ódio era uma sensação, agora ela foi institucionalizada.

 

Em um vídeo publicado em seu perfil, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, afirmou que o excesso de moderação de conteúdo virou uma espécie de censura e que, a partir de agora, isso será revisto.

 

Meta encerra abruptamente seu programa de ‘fact-checking’ nos EUA

 

“Estamos mudando a forma como aplicamos nossas políticas para reduzir os erros que representam a maior parte da censura em nossas plataformas. Costumávamos ter filtros que escaneavam qualquer violação de política. Agora, vamos focar esses filtros em lidar com violações ilegais e de alta gravidade. E para violações de menor gravidade, vamos depender de alguém reportar um problema antes de agir. O problema é que os filtros cometem erros e removem muito conteúdo que não deveriam. Então, ao reduzi-los, vamos diminuir drasticamente a quantidade de censura em nossas plataformas. Também vamos ajustar nossos filtros de conteúdo para exigir uma confiança muito maior antes de remover qualquer conteúdo”, disse Zuckerberg.

 

Em seu discurso, ele indiretamente atacou o Brasil ao citar a América Latina como uma região onde a moderação de conteúdo supostamente fere a democracia. Zuckerberg estava provavelmente se referindo ao caso entre o X (antigo Twitter) e a Justiça brasileira, que ganhou destaque quando Elon Musk criticou publicamente decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou o bloqueio de contas na plataforma por disseminação de desinformação e ataques à democracia. Musk acusou a corte de censura e ameaçou descumprir ordens judiciais, alegando falta de transparência. O episódio gerou debate global sobre liberdade de expressão e o papel das plataformas digitais no cumprimento de determinações judiciais.

 

“Países latino-americanos têm tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa”, afirmou o CEO da Meta.

 

O X, inclusive, foi citado como a plataforma que ele usará como referência para a moderação de conteúdo da Meta, e Zuckerberg ainda mencionou sua parceria com Trump:

 

“Por fim, vamos trabalhar com o presidente Trump para enfrentar governos ao redor do mundo que estão atacando empresas americanas e promovendo mais censura.”

 

Toda essa defesa da liberdade de expressão esconde, na verdade, fortes interesses políticos que defendem a ideia de que “tudo pode ser dito”, com o objetivo de agradar eleitores com discursos que atacam grupos minorizados, minorias, juízes e a imprensa — tudo em nome de uma suposta liberdade de expressão, que tem desafiado constituições em diversos países.

 

Dentro de um recorte racial, é esperado que o número de racistas que veem pessoas negras como inferiores — considerando essa crença apenas como uma “opinião” — se sintam ainda mais encorajados a disseminar conteúdos desse tipo, já que a Meta passou a tratar a moderação como censura e certos discursos como irrelevantes.

 

A jornalista Luciana Barreto, em sua obra “Discursos de ódio contra negros nas redes sociais”, cita um estudo do professor Luiz Valério Trindade, que revela que 81% dos discursos de ódio racistas no Brasil são direcionados a mulheres negras.

 

“No discurso de ódio contra negros, palavras que remetem à eliminação e morte aparecem com frequência. Isso é muito grave, pois projeta uma conjuntura não só de ódio, mas também de eliminação”, afirmou Luciana em entrevista ao site Mundo Negro.

 

O que o anúncio de Zuckerberg tem a ver com a questão racial?

 

Depois do X, agora é a vez da Meta declarar seu apoio a Trump, o que, sem dúvida, impactará a experiência de pessoas negras ao consumir conteúdo nessas plataformas. Sair da Meta parece não ser uma opção viável, já que o Brasil é um dos maiores mercados da empresa. De acordo com o Statista, em janeiro de 2024, o Brasil contava com aproximadamente 134 milhões de usuários no Instagram, posicionando-se como o terceiro maior mercado da plataforma, atrás apenas da Índia e dos Estados Unidos.

 

Meta atualiza políticas de utilização para usuários no Brasil

 

Governo reforça que não abre mão de soberania e exige que mudanças da Meta se enquadrem às leis nacionais

 

Governo Federal brasileiro decidiu protocolar uma notificação extrajudicial para que a empresa Meta explique as potenciais implicações da mudança nas diretrizes das redes digitais que controla, como Facebook e Instagram. A decisão ocorreu após reunião realizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 10/01/2025, com a participação de ministros, secretários e assessores no Palácio do Planalto, em Brasília.

 

De acordo com o ministro Rui Costa (Casa Civil), o presidente foi claro ao dizer que não abrirá mão da soberania do país e que toda e qualquer empresa nacional ou multinacional terá que respeitar o arcabouço legal e a justiça brasileira. “A gente vê com muita preocupação o anúncio de uma das principais redes digitais de que não fará mais controle de conteúdo, porque isso impacta de forma muito grande a sociedade brasileira”, disse.

 

“Impacta quando se fala de conteúdo impróprio, de informações que dizem respeito a práticas criminosas, do respeito à vida humana, de agressões por discriminação racial, de gênero, regional, discursos de ódio, e nos preocupa muito quando esse controle deixa de existir também para divulgação de fake news”, listou o ministro, que reforçou que o país já tem uma série de regramentos consolidados em torno desses temas.

 

AGU dá 72 horas para Meta explicar como cobrirá direitos legais no Brasil

 

A Advocacia-Geral da União (AGU), por meio da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, ingressou com notificação extrajudicial para que a Meta, empresa que controla Facebook, Instagram e WhatsApp, informe, em até 72 horas, como garantirá o cumprimento legal da obrigação de combater crimes como racismo e homofobia em suas plataformas.

 

A notificação é a primeira reação oficial ao anúncio de que a Meta encerrou seu programa de checagem de fatos, que minimizava a circulação de fake News, e relativizou discursos preconceituosos e de ódio, principalmente contra imigrantes, população LGBTQIA+ e mulheres.

 

“O Brasil tem uma legislação rigorosa na proteção de crianças e adolescentes, de populações vulneráveis, do ambiente de negócio e não vamos permitir que essas redes transformem o ambiente em carnificina ou barbárie digital”

Jorge Messias, advogado-geral da União

 

Em outra frente, o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) esteve hoje com seu contraparte francês. Na pauta: ação conjunta de Brasil e França para o combate à desinformação e ao direcionamento de redes sociais como arma política.

 

MPF cobra explicações da Meta sobre o fim da checagem de fatos no Brasil

 

O Ministério Público Federal (MPF) oficiou a Meta, empresa proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp, para esclarecer se as novas diretrizes apresentadas por Mark Zuckerberg no dia 7/01/2025 serão implementadas no Brasil.

 

Os ofícios foram encaminhados no âmbito de um inquérito civil que tramita desde 2021. Este inquérito investiga a responsabilidade das big techs pelos conteúdos publicados em suas plataformas. A Meta já foi alvo de questionamentos nesse inquérito. Em julho de 2022, por exemplo, o MPF solicitou uma indenização de R$ 1,7 bilhão contra a empresa por violações de direitos dos usuários.

 

Para o MPF, as mudanças parecem refletir interesses econômicos da empresa nos Estados Unidos, além de uma estratégia para ganhar apoio político, especialmente do ex-presidente Donald Trump. Contudo, especialistas do MPF avaliam que Trump e as big techs podem enfrentar desafios significativos para resistir aos processos de regulação em andamento em diversas partes do mundo.

 

Moraes diz ser desafio não permitir que big techs achem que podem ‘mandar no mundo’

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ter “absoluta convicção” de que a Corte vai regulamentar as redes sociais. “Não posso falar pelo resto do mundo, mas pelo Brasil tenho absoluta certeza e convicção que STF não vai permitir que as redes continuem sendo instrumentalizadas, dolosa ou culposamente, ou somente visando o lucro, para ampliar discursos de ódio”, afirmou em evento com servidores do Tribunal que marca os dois anos do atentado golpista às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

 

Moraes afirmou que para continuar operando do Brasil as big techs têm que respeitar a legislação do País. “Aqui no Brasil, a nossa Justiça Eleitoral e o nosso STF, ambos já demonstraram que aqui é uma terra que tem lei. As redes sociais não são terra sem lei. No Brasil, (as redes sociais) só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira. Independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs”, disse o ministro.

 

Na visão do ministro, a regulamentação das redes é o maior desafio da atualidade. “É esse hoje o desafio no Brasil e no mundo, de não permitir que as big techs, com seus dirigentes irresponsáveis, por achar que por terem dinheiro podem mandar no mundo, de regulamentar e responsabilizar”, afirmou.

 

O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, disse que não é possível confundir a regulamentação das redes sociais e a proteção de direitos fundamentais com censura. A declaração foi dada em evento com servidores do Supremo que marca os dois anos dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Na avaliação do ministro, o “8 de janeiro não é um fato pretérito, mas uma ferida aberta na sociedade brasileira”.

 

“Esta trajetória normativa jamais poderá ser confundida com censura. Muito pelo contrário: ela representa não apenas uma evolução jurídica, mas constitui a pedra angular sobre a qual se erige uma esfera digital democrática e pluralista, capaz de harmonizar a liberdade de expressão com a responsabilidade social no ambiente virtual”, afirmou.

 

Gilmar ainda disse que as instituições devem criar mecanismos para inibir a circulação de discursos criminosos nas redes sociais para evitar a repetição do 8 de Janeiro. Ele também defendeu um debate sobre o papel dos militares na política e sugeriu a criação de hipótese de inelegibilidade a “ocupantes de certos cargos públicos que se proponham a deixar suas carreiras para ingressar na política”.

 

Manuela d’Ávila diz que Zuckerberg declarou guerra ao mundo

A ex-deputada federal Manuela d’Ávila classificou a decisão de Mark Zuckerberg como uma “declaração de guerra ao mundo”. A declaração foi feita em uma postagem extensa nas redes sociais, na qual ela analisou o impacto político e geopolítico das novas diretrizes da gigante tecnológica.

 

“O que Zuckerberg diz, com todas as letras, é que a liberdade defendida pela extrema-direita, as ideias de Trump e Musk, serão as suas. Ideias que ameaçam instituições e democracias. Ideias de violência e tortura”, afirmou Manuela. Ela ressaltou que o anúncio não pode ser tratado como uma mera mudança de política de moderação, mas sim como uma questão central na geopolítica contemporânea.

 

Para Manuela, que atualmente se dedica ao estudo das políticas de regulação da internet em seu doutorado, o anúncio da Meta representa mais do que uma escolha técnica ou comercial: é uma declaração de intenções políticas e ideológicas com impactos globais.

 

Ela destacou a menção específica de Zuckerberg à China, América Latina e Alemanha, sugerindo que as novas diretrizes da Meta representam um ataque direto às tentativas de regulação desses países e regiões. “Esse é o velho excepcionalismo americano: a ideia de um povo predestinado a salvar todos os povos. As ideias que fazem desse Império o que mais guerreou na história”, afirmou.

 

A ex-parlamentar também criticou a referência de Zuckerberg ao modelo do X, que, segundo ela, opera como uma plataforma que ameaça a democracia em várias regiões do mundo. “Não subestimem acreditando que pode ser resolvido pelas secretarias de comunicação dos governos. Essa é a agenda central da geopolítica do nosso tempo. Só uma resposta institucional organizada poderá nos permitir enfrentar essa ameaça”, alertou.

 

Fonte: Mundo Negro, Alma Preta, Diário do Centro do Mundo, Brasil 247 e agências de notícias | Foto: David Paul Morris.

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