Por Gustavo Forde
O conceito não é antagônico ao conceito racismo interpessoal ou intergrupal, uma vez que as instituições são organismos sociais constituídos por subjetividades humanas, como também, por intencionalidades de grupos humanos.
O conceito “racismo institucional” amplia a compreensão do racismo tradicionalmente reconhecido em relações interpessoais ou intergrupais para a compreensão do modo como o racismo opera instituições públicas e privadas e como essas instituições são geridas sob a ideologia do racismo. Aqui, racismo é compreendido tal como trazido por Clóvis Moura: o racismo é uma arma ideológica de dominação!
Um dos efeitos do racismo institucional está na desigualdade existente no tratamento das instituições em relação às pessoas. A diferença de conduta na oportunização de serviços, bens, acolhimentos e suporte aos grupos – constituídos por pessoas brancas e negras – é nítida, especialmente se compararmos os modos como diversas instituições tratam os territórios de maioria branca e/ou negra.
O conceito racismo institucional não é antagônico ao conceito racismo interpessoal ou intergrupal, uma vez que as instituições são organismos sociais constituídos por subjetividades humanas, como também, por intencionalidades de grupos humanos, que exercem comando no interior delas.
Assim, o racismo institucional pode ser compreendido como uma das formas de expressão de intencionalidades do racismo interpessoal ou intergrupal, ou seja, importante examinar os desígnios humanos (pessoais ou grupais!) nas ações institucionais.
Outrossim, como traço característico do “racismo à brasileira”, não se deve esperar encontrar a prática de racismo institucional de maneira explícita ou expressamente nítida, ao contrário, o racismo institucional opera e é operado de forma silenciosa e sofisticada em instituições públicas e privadas brasileiras. Há pesquisadores e pesquisadoras que ilustram o racismo institucional como uma suposta “falha coletiva” ao provimento de atenção, atendimento, bens ou serviços destinados às pessoas ou às populações negras.
São inúmeros os obstáculos sociais, culturais, jurídicos e históricos que dificultam ou até mesmo impedem um efetivo enfrentamento do racismo institucional no conjunto de diversas instituições, dentre outros, destaco:
• Ethos nacional de formação do Estado brasileiro: o Estado Nação brasileiro emerge de um ethos societário colonial, escravocrata, racista e eurocêntrico forjado por quase quatro séculos de escravismo racista antinegro; e, mesmo após 136 anos de Abolição da Escravatura, ainda há traços deste Ethos na conformação da sociedade e de muitas instituições brasileiras.
• Concepção eurocêntrica nos espaços decisórios: em muitas instituições brasileiras mantém-se uma concepção hegemônica eurocêntrica na qual a branquitude se estabelece como lócus hegemônico do ‘saber’, do ‘fazer’ e do ‘gerir’; muitas vezes acarretando hostilidades materiais e simbólicas às pessoas negras e, sobretudo, a não garantia de direitos à população negra.
• Ações retóricas e não estruturantes de combate ao racismo: muitas instituições, mesmo quando são progressistas e assumem alguma retórica discursiva antirracista, destinam uma posição sem qualquer relevância às ações estruturantes de combate ao racismo no bojo de suas organizações, quando são observadas as prioridades alocadas no conjunto de suas destinações orçamentárias, financeiras, humanas e materiais.
O exame desses obstáculos nos impõe como desafio societário uma melhor compreensão acerca desta expressão específica de racismo estabelecido em instituições: o racismo institucional. Se, por um lado, é fundamental romper com a individualização das ações do racismo e deslocar a discussão para o campo institucional; por outro lado, torna-se imprescindível não negligenciar as intencionalidades humanas (pessoais ou grupais!) que operam tais lógicas silenciosamente.
Talvez, o mais adequado e correto seria substituir o termo “racismo institucional” por “racismo institucionalizado”, ou utilizá-lo “sob rasura” na perspectiva derridiana indicando e problematizando os limites desse termo. Engana-se quem considera essa proposta mera mudança semântica ao trocar o adjetivo “institucional” pelo termo “institucionalizado”, o qual, é particípio passado do verbo “institucionalizar”. Aqui, a perspectiva muda da caracterização do racismo (o que ele é, como o adjetivo “institucional” sugere) para a dinâmica de sua institucionalização (como ele age ou se estabelece, ligado a um verbo).
Mudar de adjetivo para verbo nos remete compreender e enfrentar essa forma específica de racismo não como algo supostamente “dado, fixo, estático, isento de intenções, sem autorias e responsáveis”, e passar a examiná-lo e combatê-lo enquanto algo intrinsecamente “produzido, processual, intencional, com autorias a serem definidas e passível de responsabilizações”.
Mais do que mudança semântica, aqui, talvez, resida outro modo de posicionamento para análise (lugar epistêmico!), visando compreender e combater as múltiplas formas de como a ideologia do racismo opera e é operada em diversas instituições. Afinal, não se assustem, o modo como definimos os fenômenos define, igualmente, o modo como nos posicionamos para compreendê-los e nos relacionamos com elas.
Havendo concordância que todo e qualquer modo de racismo é produzido por uma ideologia e, ao ser produzido, carrega em si alguma intencionalidade, nos resta enfrentar essa práxis silenciosa exigindo ações estruturantes de combate aos procedimentos que o produzem e, em especial, ações efetivas para responsabilização de pessoas coadunadas com tais intencionalidades produtivas.
É simples: o modo como definimos também define como agimos.
É professor da Ufes, doutor em educação e pesquisador na área estudos afro-brasileiros em educação.
Fonte: A Gazeta. Imagem: Luta contra o racismo. Crédito: Pixabay.