Extrato da reportagem de Lola Ferreira e Flávia Bozza Martins. Um desdobramento das análises para o estudo “Cenários e possibilidades da pandemia desigual em gênero e raça no Brasil”, realizado pela Gênero e Número em parceria com o Instituto Ibirapitanga.

 

Diante das incertezas sobre a continuação do auxílio emergencial, cresce o cenário de insegurança alimentar para mulheres pobres, principalmente as negras e indígenas, mesmo com um gasto maior do brasileiro em supermercados. Vender mais não significa que mais gente está comendo, muito menos comendo melhor.

 

A falta de arroz e feijão nos pratos foi mapeada pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE). De acordo com a pesquisa, em 15 anos houve redução de 52% na quantidade de feijão consumida anualmente por membros de famílias brasileiras. Em relação ao arroz, o índice foi de 37%.

 

Os números da POF/IBGE, a principal pesquisa sobre orçamentos dos brasileiros, com dados atualizados em 2018, mostram que mais de 84 milhões de pessoas no Brasil vivem em insegurança alimentar, de leve a grave. Destas, 59 milhões são negras ou indígenas. E mais de 24 milhões de famílias vivem em algum nível de insegurança alimentar, sendo que cerca de 66% têm como pessoas de referência, os chamados “chefes de família”, negros ou indígenas.

 

Entre todas as famílias com algum nível de insegurança alimentar, 32% são comandadas por mulheres negras ou indígenas. No universo de famílias comandadas por mulheres e na situação de insegurança alimentar, as chefiadas por negras ou indígenas são 68%.

 

Em meio à pandemia de covid-19 e à confirmação do retorno do Brasil ao Mapa da Fome, os supermercados têm ano dourado em meio à insegurança alimentar e incertezas para trabalhadoras. Melhor ano de vendas para o setor tem lucro recorde de grandes redes ao mesmo tempo em que arroz e feijão estão sumindo da mesa dos brasileiros.

 

Ano marcado por assassinato em loja não impediu aumento do lucro do Carrefour

Foto: Wikimedia Commons

Líderes do setor e a Abras também acreditam que o auxílio emergencial foi responsável pelo pico de vendas, já que a principal linha de gastos para os beneficiários é realmente a alimentação, de acordo com o Datafolha. Na pesquisa feita pelo instituto em agosto de 2020 sobre o tema, 53% dos respondentes afirmaram que gastaram os R$ 600 do auxílio preferencialmente com alimentação. Depois, para pagar contas e despesas domésticas. Com análise por grupo, o gasto com alimentação é de 61% entre os mais pobres e de 59% entre os com menor escolaridade. A pesquisa mais recente, de dezembro, mostrou que o auxílio era a única fonte de renda para 36% dos que se inscreveram para recebê-lo.

 

O livro “Donos do Mercado: Como os grandes supermercados exploram trabalhadores, fornecedores e a sociedade”, de Victor Matioli e João Peres, traz relatos e informações sobre essa precarização. Na publicação, os jornalistas expõem a dificuldade da rotina dessas mulheres, como a possibilidade de ir ao banheiro somente duas vezes ao dia e o fato de ocuparem funções consideradas “menos relevantes”, além do receio constante da exposição ao coronavírus em supermercados cheios e com pouca proteção.

 

Fonte: Gênero e Número.

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