[Pintura século 19 escravizadas trabalhando – Arquivo Nacional]

 

Da colonização até polarização política, entenda quais são os reflexos de acontecimentos históricos que deixaram cicatrizes profundas no Brasil e no mundo.

Entender a história para mudar o futuro é a base da nossa sociedade. Não há nada mais importante do que estudar quem somos, o que fizeram de nós, como chegamos até aqui e como podemos agir para evitar que novos erros aconteçam.

A história do Brasil é marcada por processos que moldaram profundamente a sociedade em que vivemos hoje. Desde a colonização até os regimes autoritários, as desigualdades sociais, o racismo estrutural e a polarização política são reflexos de acontecimentos históricos que deixaram cicatrizes profundas.

Afinal, em um cenário caracterizado pela desigualdade social, tensões políticas e o crescimento de movimentos autoritários, torna-se urgente entendermos como a nossa história transformou comportamentos, padrões, estereótipos e a vida de tantas pessoas.

A colonização e suas consequências

Marcada pela exploração econômica, ocupação territorial e o genocídio indígena, a colonização do Brasil em 1500 ressoa até os dias atuais. Inicialmente focada na retirada e exportação do pau-brasil, a colonização tomou outros rumos com a vinda das capitanias hereditárias para o país e se tornou o principal marco da segregação social e desigualdade econômica que temos até hoje.

A relação entre Concentração Fundiária e a Desigualdade Social no Brasil

As capitanias hereditárias, que antes eram para ser apenas um sistema de administração das terras pelos portugueses em 1534, se tornaram a base do modelo de concentração fundiária do Brasil e um exemplo claro das consequências da colonização.

As terras que foram tomadas pelos portugueses, separadas em faixas (capitanias) e doadas para nobres da corte real da época, ainda são gerenciadas pelas atuais gerações desses nobres ao qual criou-se um ciclo de riqueza hereditária disfuncional.

Enquanto isso, os indígenas que estavam no Brasil antes de sua colonização, lutam contra a perda de terras todos os anos com os atuais acordos agropecuários. Para se ter uma ideia, sua população foi reduzida de 4 milhões de habitantes (antes da colonização) para 1,7 milhões pessoas indígenas hoje em dia, segundo o IBGE.

Além disso, a Oxfam, uma confederação internacional dedicada ao combate à pobreza e à desigualdade, lançou recentemente o relatório “Terra, Poder e Desigualdade na América Latina”. O estudo revela que, no Brasil, apenas 1% das propriedades rurais concentra 45% da área rural do país. No relatório, a diretora executiva da Oxfam Brasil afirma que “precisamos reconhecer o abismo social histórico e colocar em prática a reforma capaz de garantir um acesso mais democrático à terra”.

Esse modelo de concentração fundiária que persiste até os dias atuais é um reflexo da distribuição de terras desigual e uma nítida perpetuação das políticas agrárias ultrapassadas que temos hoje em dia.

Mapa das divisões de terra, as capitanias hereditárias portuguesas de 1704. Fonte: Flickr

Escravidão e Racismo Estrutural

A escravidão no Brasil, instaurada durante o período colonial, também gerou uma desigualdade racial que repercute até hoje.

Marcada pelo tráfico de africanos escravizados para “trabalharem” nas plantações de açúcar, nas minas de ouro, carvão e outras atividades que dependiam do trabalho forçado, essa prática desumana resultou na violência e violação de todos os direitos humanos possíveis na época e ainda hoje.

No período pós-abolição, em 1888, o racismo estrutural se manteve, pois, embora a escravidão tenha deixado de existir, os negros continuaram sendo marginalizados na sociedade, sem acesso igualitário à educação, ao trabalho e a direitos fundamentais.

Há quem diga que racismo não existe ou, pior, ainda tem a coragem de usar o termo “racismo reverso”. Mas é importante saber que a discriminação racial não se limita à escravidão. Ela, se perpetua por muito tempo através das práticas sociais, políticas e institucionais que excluíram os negros das esferas de poder e oportunidade.

Temos um retrato desse cenário quando sabemos que, em 2023, a mesma população foi vítima de 3,1 mil casos de racismo no Brasil, pelos menos é o que sabemos dos que foram oficialmente registrados no Disque 100 (a ferramenta de denúncias do Governo). Mas a escala de violência contra negros só aumenta: é a mesma população negra que representa a maioria (78,9%) entre os 10% de indivíduos com maior probabilidade de serem vítimas de homicídios, de acordo com o Atlas da Violência de 2017.

Foi assim que a escravidão não apenas formou a base de uma economia pautada na desigualdade, mas também deixou um legado de racismo institucionalizado que reflete nas dificuldades enfrentadas pela população negra no Brasil atualmente.

Manchete da Gazeta de Notícias sobre o fim da escravidão no Brasil no século 18. Imagem: Reprodução

A Segunda Guerra Mundial e o preconceito histórico

Ainda sobre preconceitos, mas agora em uma escala global, não podemos esquecer do genocídio de milhões de judeus e outros grupos perseguidos durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar deste período marcado pela violência, o fim da Segunda Guerra levou à criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, estabelecendo padrões internacionais para a proteção dos direitos fundamentais, desrespeitados durante o período de guerra.

Não obstante, a guerra também remodelou os formatos patriarcais da sociedade uma vez que os homens estavam à frente das trincheiras e as mulheres precisaram assumir funções tradicionalmente masculinas.

Essas transformações no lugar da mulher na sociedade repercutiram em todo o mundo e começaram a influenciar debates contemporâneos sobre preconceito contra a raça, igualdade de gênero e a importância de reconhecer os erros do passado e aprender com as lições históricas deixadas pelo conflito.

Eleanor Roosevelt em 1949 exibindo a edição do Jornal das Nações Unidas com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em espanhol. Imagem: Reprodução

Polarização política: a guerra fria atual

Já a polarização política dos dias atuais lembra a Guerra Fria, quando o mundo estava dividido entre dois grandes blocos opostos, liderados pelos Estados Unidos e a União Soviética. Porém, ao invés de potências lutando entre si por ideologias, avanços tecnológicos e culturais, hoje temos a divisão de países, separados por ideais cada vez mais extremos.

Essa herança de comportamento vem da própria Guerra Fria em diversas partes do mundo, mas, no Brasil, também é uma herança política marcada pela Ditadura Militar, caracterizada pela censura, violência e repressão extrema.

O Golpe Militar de 64 deixou cicatrizes profundas na memória coletiva dos brasileiros, mesmo que haja quem afronte nossa democracia dizendo que não houve ditadura no Brasil – como o general Walter Braga Netto, preso por envolvimento na tentativa de golpe de Estado do dia 08 de Janeiro de 2023.

O General Braga Netto foi preso pela Polícia Federal no Rio de Janeiro em 14 de dezembro de 2024. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Consequências da Ditadura Militar no Brasil

As cicatrizes da Ditadura Militar repercutem hoje como desconfiança nas instituições democráticas, restrições aos direitos civis, luta por justiça pelos assassinatos, “suicidados” e tantas outras violências que assombram famílias e vítimas que até hoje não tem justiça pelos acontecimentos.

Além disso, a ditadura militar acumulou dívidas externas bilionárias por meio de empréstimos que visavam enganar a população de que estava acontecendo um crescimento econômico. Essa dívida, que no início da ditadura era de 15,7% do PIB nacional, foi transferida aos civis com alarmantes 54%.

Não obstante, podemos enxergar as consequências da ditadura em todos os governos civis que a sucederam – como a implementação do Plano Real em 93, que foi estabelecendo o Real como moeda oficial do Brasil, mas que também era uma tentativa de estabilizar a economia e conter a inflação.

O resultado é uma inevitável polarização política em que extremistas de direita, por exemplo, sentem-se no direito de continuar repercutindo discursos autoritários e antidemocráticos, muitas vezes sentados em cadeiras do Senado e sendo endossados através de votos políticos.

O Golpe Militar completou 60 anos em 2024. Foto: Agência Brasil

Como a análise histórica pode oferecer respostas para questões contemporâneas?

A história do Brasil é repleta de complexidades e cicatrizes que, embora não possam ser apagadas, podem servir como lições para a construção de um futuro mais justo e igualitário.

Em nosso país, as marcas da colonização e escravidão repercutem até hoje com o racismo estrutural e a desigualdade econômica escancarada através da concentração latifundiária. Mas não só isso, os impactos da ditadura militar e da polarização política reaparecem todos os dias em forma de violência e discurso de ódio.

Infelizmente, o eco do golpe militar ainda está presente em nossos dias quando vemos políticos pregando preconceitos, militares em posição de influência e disseminando ataques de ódio ou a liberdade de imprensa sendo cerceada por quem deveria defender nossos direitos.

Enquanto isso, a Segunda Guerra Mundial trouxe mudanças significativas para o lugar das mulheres na sociedade europeia e inspirou debates sobre igualdade de gênero e direitos humanos no mundo.

Como falamos anteriormente, é preciso que a criação da Declaração dos Direitos Humanos seja, além de um argumento bonito para as redações do ENEM, praticada, respeitada e defendida pela sociedade.

Assim, a reflexão e o estudo sobre processos históricos deixam de ser apenas um exercício acadêmico e se tornam uma ferramenta para qualquer pessoa compreender o passado, plantar sua semente de esperança e construir um futuro mais justo.

Para saber mais sobre a história do Brasil, conheça a pós-graduação do ICL em parceria com a FESPSP,  “Repensando o Brasil: sociedade, política e história”. Afinal, é através do estudo que temos a oportunidade de aprender com os erros do passado e reescrever uma história baseada em equidade, inclusão social e respeito.

 

Fonte: Instituto Conhecimento Liberta.

Banner Content
Tags: , , ,

Related Article

0 Comentários

Deixe um comentário

MÍDIA NEGRA E FEMINISTA ANO XX – EDIÇÃO Nº239 – FEVEREIRO 2025

Siga-nos

INSTAGRAM

Arquivo