Plano do governo prevê R$ 5 bilhões em parceria com a iniciativa privada e busca reter talentos e impulsionar soberania tecnológica
Ulisses Martins Rosa, coordenador de fomento e inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil (MCTI), anunciou uma nova rodada de investimentos nacionais para o desenvolvimento da computação quântica, num valor que pode chegar a R$ 5 bilhões até 2034. Até junho, de acordo com ele, uma portaria deve ser oficializada com o valor do novo investimento, que visa entre outras coisas, combater a fuga de cérebros no setor, avançar em atividades técnicas relacionadas, como o processamento quântico e impulsionar o país na vanguarda dessa área revolucionária.
A preocupação com o setor se iniciou no ano passado, quando, durante a Quinta Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (5CNCT), pesquisadores brasileiros evidenciaram a “corrida tecnológica” em curso entre as maiores potências globais, como EUA e China, que já soma mais de US$ 42 bilhões em investimentos totais para o avanço na tecnologia quântica.
“O Brasil tenta acompanhar os avanços”, afirmou, na ocasião, o físico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e assessor da Finep Luiz Davidovich, “mas se depara com o problema, ainda geral, da inovação no país: a necessidade de ampliar os recursos“.
Atualmente, o Brasil possui um computador quântico para uso educacional — baseado na tecnologia de ressonância magnética nuclear (RMN), com 3 bits quânticos (qubits) —, no SENAI paulista, trazido ao Brasil pela Dobslit, empresa especializada em tecnologias quânticas de segunda geração, e um projeto de laboratório para o desenvolvimento de um computador quântico fotônico na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Os computadores quânticos são essenciais para o desenvolvimento de tecnologias avançadas no campo da inteligência artificial, em cálculos complexos realizados para estimativas e modelos econômicos, na testagem de novos medicamentos por meio de simulação molecular, na tecnologia criptográfica (que permite a geração de chaves quânticas ultrasseguras, as QKDs), em pesquisas de física e ciência dos materiais e no auxílio ao planejamento logístico e à otimização de atividades (como nos setores de transporte e telecomunicações).
A computação quântica é vista como uma das fronteiras mais promissoras da ciência e da inovação global. Um campo multidisciplinar que combina ciência da computação, física e matemática, utilizando os princípios da mecânica quântica, ela promete resolver problemas por meio da manipulação de qubits — unidades fundamentais desse tipo de processamento —, hoje impossíveis para computadores tradicionais.
Diferentemente da computação clássica, que usa bits representando 0 ou 1, a computação quântica usa qubits, que podem estar em superposição — ou seja, representar 0 e 1 simultaneamente — e podem estar entrelaçados (emaranhamento), o que amplia enormemente a capacidade de processamento paralelo e a eficiência na resolução de problemas complexos.
Contudo, a instabilidade dos qubits exige condições extremas de operação, como temperaturas próximas ao zero absoluto e isolamento total de luz e radiação, o que torna o desenvolvimento da tecnologia um desafio de infraestrutura e engenharia de ponta.
O Laboratório de Física de Dispositivos Quânticos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), localizado no Rio de Janeiro, se destina à fabricação de dispositivos supercondutores, mais especificamente chips quânticos, SQUIDs (dispositivo de interferência quântica supercondutor, em tradução livre), amplificadores paramétricos, detectores de fótons, entre outros; e à comunicação quântica, que também tem recursos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Informação Quântica e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Em 2022, o CBPF e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) foram pioneiras ao produzir o primeiro bit quântico em uma cavidade supercondutora no Brasil.
A ideia é que a nova rodada de investimentos, que deve ir até 2029, seja distribuída entre a infraestrutura de laboratórios quânticos, com até R$ 1,7 bilhão aplicados; para a formação de novos profissionais aptos a lidar com a tecnologia, com orçamento de R$ 300 milhões. Além disso, R$ 500 milhões deverão ser investidos em atividades de sensoriamento quântico, e outros R$ 500 milhões em atividades de processamento quântico, com mais R$ 2 bilhões previstos para liberação entre 2030 e 2034.
Waldemir Cambiucci, diretor da Microsoft Brasil, afirma que mais de 40 países possuem programas de desenvolvimento de computação quântica, com investimentos de R$ 244 bilhões, segundo estimativas do Fórum Econômico Mundial.
O professor de computação da Unesp Felipe Fernandes Fanchini ressaltou que o investimento em computação quântica é uma questão de soberania, pois os países e empresas que lideram as pesquisas no setor impõem barreiras para impedir o acesso à tecnologia de ponta.
Fonte: Anne Silva, Revista Fórum e Caio Jobin, Cointelegraph Brasil.