Por Alessandra Gotti e Maridel Noronha

O que separa uma criança branca de uma criança negra no Brasil? No país em que se ouve com frequência que o racismo não existe, a realidade é que o legado cruel da escravização ainda se perpetua, inclusive, onde ele deveria ser enfrentado, superado: na Educação.

Segundo uma pesquisa de Lara Simielli, professora da Fundação Getulio Vargas, a diferença entre a nota de um aluno negro e a de um branco no Pisa equivale a dois anos de escolaridade. Dados desse estudo foram divulgados pela jornalista Renata Cafardo, em sua coluna no jornal O Estado de S.Paulo do dia 2 de julho.

Um levantamento elaborado pelo Todos Pela Educação e pela Mahin Consultoria Antirracista com dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2019, demonstra essa disparidade. Em relação a uma criança negra, uma branca tem 18,9% mais chances de ter acesso à Educação Infantil do que uma criança negra; 39,2% mais chances de frequentar a escola; 40,4% mais chances de aprendizagem adequada em Língua portuguesa e 53,9% mais chances de aprendizagem adequada em Matemática no 9° ano do Ensino Fundamental; e 48% mais chances de cursar o Ensino Superior.

Uma Nota Técnica, também do Todos Pela Educação, com base em dados do IBGE, aponta que, embora tenha havido redução da desigualdade entre brancos e negros no acesso e conclusão da educação básica, os indicadores de 2022 dos jovens negros é semelhante ao dos brancos em 2012. Ou seja, é como se estivessem com uma década de atraso.

Por que crianças pretas aprendem menos?

Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, elaborado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), a pior condição de Segurança Alimentar se dá nos domicílios onde a pessoa de referência é mulher, ou de raça/cor da pele autodeclarada preta ou parda, ou tem baixa escolaridade. Não há como discutir Educação sem pensar em segurança alimentar. Que criança consegue aprender com fome?

No Brasil, sabemos que os fatores de raça/cor e escolaridades estão intrinsecamente associados. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), mostram que a população negra apresentou, em 2022, 1,7 ano a menos de escolaridade do que a população branca – respectivamente, 9,1 e 10,8 anos de estudo.

Outro fator que impacta a aprendizagem envolve os problemas psicológicos que o racismo causa. Dentro da escola, o racismo estrutural também é um desafio a ser enfrentado. Estudos mostram que a atitude dos profissionais da educação com estudantes negros é diferente daquela com os brancos. Uma pesquisa de Eliane Cavalleiro em escolas de Educação Infantil do município de São Paulo apurou que as educadoras tratavam as crianças brancas com mais afeto do que as negras. Também foi notada uma inferiorização das características físicas de crianças negras como o cabelo, além de um despreparo da equipe escolar diante de situações de discriminação racial. Essa pesquisa está no livro “Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil”, cuja primeira publicação aconteceu em 2000.

Outros estudos, citados no documento Equidade Étnico—Racial na Educação, do Todos Pela Educação e Mahin Consultoria, apontam que os professores tendem a ter expectativas mais altas com seus alunos brancos, e que também avaliam estudantes brancos mais positivamente do que os negros, mesmo que tenham desempenho iguais no Saeb.

Equidade racial como projeto de nação

É preciso reconhecer que indicadores de escolaridade da PnadC de 2022 são melhores do que 2016, quando a diferença era de 2 anos. E não podemos acusar o País de ter ficado totalmente parado em relação à promoção da equidade, mas os esforços feitos no âmbito das políticas públicas, até agora, não se efetivaram na realidade das crianças e jovens negros.

Um exemplo é a Lei nº 10.639/03, que incluiu na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira. Segundo estudo realizado em 2022, pelo Instituto Alana, 71% das Secretarias Municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação estruturada para cumprir esse dispositivo legal; 69% afirmam que a maioria ou boa parte das escolas aborda esses conteúdos apenas durante o mês ou Semana da Consciência Negra.

Os principais entraves, de acordo com a pesquisa, são a dificuldade em transpor o ensino da história e cultura afro-brasileira para os currículos e projetos das escolas, além da falta de formação continuada de professores. Além disso, a maioria das secretarias municipais não acompanha indicadores de desempenho dos estudantes por raça.

A Equidade Étnico-Racial precisa ser um projeto de nação, com centralidade nas políticas públicas, não apenas como ações adjacentes. Nesse sentido, é interessante observar como o tema tem avançado em Rondônia, onde temos o primeiro de 8 Gaepes já instalados. Os Gaepes são Gabinetes de Articulação para a Educação da Política da Educação, governanças que reúnem representantes dos três Poderes, órgãos independentes e sociedade civil para propor soluções aos entraves da Educação em ambiente de maior segurança jurídica aos gestores educacionais.

No Gaepe-RO, a Educação Antirracista é colocada no debate como eixo estruturante para a melhora da Educação. Há um grupo de trabalho específico para elaborar propostas que visam promover a equidade racial na educação do estado. A primeira ação nessa temática foi a disseminação da Nota Técnica n° 05/2022, que indica como medidas que precisam ser adotadas pelas redes de ensino do estado: a formação de gestores, professores e demais profissionais da educação em letramento racial, a formação sistemática de professores e gestores para abranger técnicas redutoras de desigualdade, a alteração do material didático para alinhar os conteúdos à diversidade da população e a criação imediata de um material gráfico para desconstruir e ressignificar termos, locuções, frases e outras manifestações racistas.

A mobilização em Rondônia chegou ao Governo Federal. Foi realizada uma reunião com o Ministério da Igualdade Racial (MIR), e, logo em seguida, um encontro do Gaepe-Brasil, instância que discute as políticas da Educação Nacional, que contou com o MIR e o MEC, gerando a criação de um grupo de trabalho sobre educação antirracista.

Essas ações, no âmbito dos Gaepes, visam a efetividade das políticas públicas, mas não se resumem a concretização do que está posto apenas. É preciso avançar muito mais rapidamente nesse longo caminho a ser percorrido para atingir níveis aceitáveis nos indicadores de educação. Fazer o básico significa efetivar o direito à educação de qualidade e para todos e todas, com equidade.

*Alessandra Gotti, presidente executiva do Instituto Articule, advogada, doutora e mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP.

*Maridel Noronha, economista; pós graduada em Controle Externo; Gestão e Avaliação de Políticas Públicas e Regulação de Serviços Públicos.

Fonte: Ecoa Uol | Foto: Dazzle Jam.

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