O livro é obra de grande atualidade e versa sobre a questão racial sob a perspectiva da luta de classes.

 

Clóvis Steiger de Assis Moura (1925-2003), militante negro, intelectual da classe trabalhadora e o mais destacado cientista social nos estudos raciais no Brasil nos legou obras frutíferas sobre o escravismo no Brasil, dentre elas Sociologia do negro brasileiro, Rebeliões da senzala e agora, reeditada pela Editora Expressão Popular, Quilombos: resistência ao escravismo.

 

Este é um texto clássico e atual do autor sobre os quilombos como unidade básica de organização e resistência das trabalhadoras e trabalhadores negros contra o escravismo, publicado em 1993 e reeditado pela Expressão Popular em parceria com a Andes- Sindicato Nacional.

 

Moura apresenta a análise histórica sobre a formação do escravismo brasileiro com relevância numérica em todo território nacional, o que diferencia do escravismo nos Estados Unidos e na América Latina cuja contradição principal era a exploração da força de trabalho dos negros e negras africanos escravizados pelos senhores. Desde então a questão racial está associada à estruturação da sociedade brasileira escravista colonial, formação do capitalismo dependente no Brasil.

 

Clóvis Moura estuda as formas de rebeldia, de revolta e de resistência construída por negros e negras para destruição do escravismo colonial, desde as fugas coletivas, os justiçamentos, as guerrilhas e até a construção dos quilombos.

 

Ele demonstra a expansão de quilombos por todo o Brasil com o aumento da exploração e da violência colonial e descreve as relações econômicas, políticas, sociais e culturais dos quilombos na luta de classes nacional e internacional.

 

O autor aprofunda o tema no sentido das rebeliões negras, como a Revolta dos Malês na Bahia, e da República de Palmares, o quilombo alagoano que resistiu por quase cem anos numa experiência pioneira de emancipação, dentre outras.

 

O volume é uma obra atual sobre a questão racial sob a perspectiva da luta de classes, com a retomada histórica do sentido revolucionário do quilombo como unidade organizativa dos trabalhadores negros e negras rebelados contra a escravidão.

 

Ou como bem afirmou Angela Davis: “Ao colher o fruto das lutas do passado, vocês devem espalhar a semente de batalhas futuras”.

 

Trata-se de um livro para estudantes, professores, pesquisadores e militantes sociais se armarem do sentido revolucionário da teoria da quilombagem de Clóvis Moura para construírem um país livre, de igualdade racial e emancipado, tal qual a República de Palmares.

 

Um trecho do texto:

 

“Palmares foi a negação, pelo exemplo de seu dinamismo econômico, político e social, da estrutura escravista-colonialista. O seu exemplo era um desafio permanente e um incentivo às lutas contra o sistema colonial em seu conjunto. Daí Palmares ter sido considerado um valhacouto de bandidos e não uma nação em formação. A sua destruição, o massacre da serra da Barriga, quando os mercenários de Domingos Jorge Velho não perdoaram nem velhos nem crianças, o aprisionamento e a eliminação de seus habitantes e, finalmente, a tentativa de apagar-se da consciência histórica do povo esse feito heróico foram decorrência de sua grande importância social, política e cultural.”

 

“Daí podemos ver que a estratificação dessa sociedade, na qual as duas classes fundamentais – senhores e escravos – se chocavam, era criada pela contradição básica que determinava os níveis de conflito. Em outras palavras, a classe dos escravos (oprimida) e a dos senhores de escravos (opressora/dominante) produziam a contradição fundamental. Essa realidade gerava a sua dinâmica nos seus níveis mais expressivos.”

 

”Dessa forma, os escravos negros, para resistirem à situação de oprimidos em que se encontravam, criaram várias formas de resistência, a fim de se salvaguardarem social e mesmo biologicamente, do regime que os oprimia. Recorreram, por isso, a diversificadas formas de resistência, como guerrilhas, insurreições urbanas e quilombos.”

 

”É dessa última forma de resistência social que iremos nos ocupar. Ela representa uma forma contínua de os escravos protestarem contra o escravismo. Configura uma manifestação de luta de classes, para usarmos a expressão já universalmente reconhecida”.

 

Filho de pai negro e mãe branca, Clóvis Steiger de Assis Moura (1925-2003), sociólogo, jornalista e historiador, conhecido como um dos mais importantes militantes políticos que se dedicou à teoria e à luta sobre a questão do negro no Brasil, nasceu em 1925, em Amarante (Piauí) e morreu, aos 78 anos, em 23 de dezembro de 2003 em São Paulo. Clóvis se revoltou desde a infância contra o racismo imposto pelo antigo regime de dominação de senhores e escravos, tendo como exemplo a avó paterna, ex-escrava. Como jornalista, trabalhou na Bahia e em São Paulo, ingressou no PCB em 1942, e, durante os anos 1940, destacou-se pela militância no movimento negro e pela atividade de cientista social como autodidata.

 

Em 1948, influenciado pelo forte movimento político e cultural de intelectuais negros de Salvador, iniciou sua pesquisa sobre os trabalhadores escravizados, com apenas 23 anos, concluindo em 1952, a obra clássica Rebeliões da Senzala: quilombosinsurreições, guerrilhas. Mas, devido às divergências com as editoras do PCB, essa obra só seria conhecida em 1959, depois de Clóvis fundar Edições Zumbi. A obra tornou-se polêmica por ter negado a tese principal do PCB sobre a formação social semifeudal do Brasil, apresentando farta documentação historiográfica para uma nova interpretação da história do Brasil.

 

Em 1962, diante da crise do PCB, Clóvis passou a participar do PCdoB, e continuou a pesquisa sobre a luta de classes no período da escravidão, superando os estudos sobre a resistência individual por meio de fugas e justiçamentos, e contribuindo com um novo enfoque de investigação da história da organização dos trabalhadores escravizados nas lutas abolicionistas: as revoltas coletivas que assumiram diferentes níveis de organização como quilombos, guerrilhas e insurreições.

 

Com base em seus estudos, destacou as insurreições baianas como as mais importantes desse período e o Quilombo como categoria que expressa a revolta organizada, com sua materialidade e organicidade, em articulação com indígenas, trabalhadores escravos e livres.

 

Em seus estudos historiográficos, sociológicos e antropológicos, Clóvis dialogou com Gilberto Freyre, Manuel Bomfim, Manuel Querino, Benjamin Péret e Édison Carneiro, e, mais tarde, com Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Caio Prado Jr. e Fernando Henrique Cardoso, discutindo o papel do racismo como meio de dominação colonial, imperialista e de classe.

 

Além disso, contribuiu para conhecer os níveis de consciência dos trabalhadores escravizados, da luta individual à luta coletiva, com o planejamento de suas revoltas e de seu autogoverno. Dentre as maiores experiências, Clóvis destaca o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, as revoltas na Bahia e a formação de líderes como o chamado Preto Cosme na revolta da Balaiada no Maranhão.

 

Com o acirramento das lutas de classes, durante a ditadura, nos anos 1970, a interpretação de Moura sobre a resistência dos trabalhadores à escravidão é retomada pelo movimento negro organizado. Acentua-se a interlocução com as principais lideranças desse movimento, nas duas décadas.

 

Nos anos 1980, sua obra penetrou nos meios acadêmicos. Como militante, manteve-se fiel ao comunismo, colaborou com o MST e a Editora Expressão Popular, e trabalhou na elaboração do Dicionário da escravidão negra no Brasil (Edusp), publicado em 2004, após sua morte.

 

A interpretação da história do Brasil, por Clóvis Moura, contribui para a compreensão da escravidão como forma dominante de exploração, com duas classes principais em antagonismo: escravos e senhores, na qual teve grande importância a luta consciente e organizada dos trabalhadores negros para a abolição da escravatura.

 

No campo da sociologia, Clóvis contribuiu para conceber o trabalhador negro como principal agente das transformações históricas brasileiras, cuja participação política e consciente é fundamental para a luta contra o racismo e a conquista de um Brasil mais justo e democrático.

 

Fonte: Carta Maior.
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