Por Luiz Augusto Campos e João Feres Júnior

Qual a diferença entre ações afirmativas e cotas? Como funciona o sistema de bônus? O que é uma discriminação positiva? Este glossário explica os conceitos centrais sobre o assunto.

  • Ações afirmativas

    Designação geral de políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero, de classe ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural. Entre as medidas classificadas como ações afirmativas podemos mencionar: incremento da contratação e promoção de membros de grupos discriminados no emprego e na educação por via de metas, cotas, bônus ou fundos de estímulo; bolsas de estudo; empréstimos e preferência em contratos públicos; determinação de metas ou cotas mínimas de participação na mídia, na política e outros âmbitos; reparações financeiras; distribuição de terras e habitação; medidas de proteção a estilos de vida ameaçados; e políticas de valorização identitária. Sob essa rubrica temos, portanto, medidas que englobam tanto a promoção da igualdade material e de direitos básicos de cidadania, quanto a promoção de igualdade de oportunidades, quanto formas de valorização étnica e cultural. Esses procedimentos podem ser de iniciativa e âmbito de aplicação público ou privado, e adotados de forma voluntária e descentralizada ou por determinação legal. A ação afirmativa se diferencia das políticas puramente anti-discriminatórias por atuar preventivamente em favor de indivíduos que potencialmente são discriminados, o que pode ser entendido tanto como uma prevenção à discriminação quanto como uma reparação de seus efeitos. Políticas puramente anti-discriminatórias, por outro lado, atuam apenas por meio da punição ou repressão dos discriminadores ou da conscientização dos indivíduos que podem vir a praticar atos discriminatórios. No debate público e acadêmico, a ação afirmativa com frequência assume um significado mais restrito, de política cujo objetivo é assegurar o acesso a posições sociais importantes a membros de grupos que, na ausência dessa medida, permaneceriam excluídos. Nesse sentido, seu principal objetivo seria combater desigualdades e dessegregar as elites, tornando sua composição mais representativa do perfil demográfico da sociedade.

  • Cotas

    Cotas são uma modalidade específica de ação afirmativa. Elas correspondem à reserva de uma porcentagem ou número fixo de postos disponíveis para serem preenchidos por beneficiários pertencentes a determinado grupo, enquanto a ocupação dos postos ou vagas restantes é decidida de acordo com os métodos tradicionais de competição. Vale mencionar que políticas de cotas não são uma “importação dos Estados Unidos”, pois naquele país elas são proibidas desde os anos 1978, segundo a decisão da Suprema Corte estadunidense no caso Regents of the University of California versus Bakke. As cotas são a modalidade preferencial de ação afirmativa praticada no Brasil, desde que as primeiras iniciativas dessa natureza foram tomadas. Eles têm se mostrado bastante mais inclusivas que modalidades alternativas, como bônus ou mesmo programas de metas.

  • Lei n. 12.711/2012

    Aprovada quatro meses depois de o STF deliberar sobre a constitucionalidade das ações afirmativas raciais, esta lei uniformizou a maior parte das reservas de vagas em instituições federais de ensino. Sua redação atual estabelece reserva de um mínimo de 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas e, dentro dessa reserva, subcotas para (1) estudantes de baixa renda, (2) pretos, pardos e indígenas, e (3) pessoas com deficiência. A lei se aplica não somente a universidades, mas também a institutos técnicos e a escolas de ensino médio federais. Sua aplicação não retira a autonomia dessas instituições para adotarem cotas suplementares para os grupos já contemplados ou grupos adicionais como quilombolas, pessoas trans etc. A redação original da lei previu uma revisão depois dos dez anos de sua aprovação, mas esse prazo está agora em debate no Congresso Nacional (para mais detalhes sobre a revisão da lei, veja aqui).

  • Bônus

    Nos processos de seleção que funcionam principalmente com critérios quantitativos, como as notas de corte no vestibular, o bônus corresponde a pontos extras dados aos candidatos provenientes de determinados grupos. No caso de procedimentos que incluem critérios qualitativos, o fato de o candidato pertencer a um grupo específico é considerado positivo na avaliação geral. Cotas e bônus, no entanto, podem ser equivalentes. Isso acontece quando bônus são usados para aprovar um número fixo de candidatos de determinado grupo de beneficiários. Na prática, contudo, raramente é esse o caso. Os programas de cotas em geral mantêm a proporção entre o número de beneficiários e o número de vagas disponíveis para todos, enquanto o desempenho real dos grupos pode variar um em relação ao outro, de um ano para outro. O bônus, por outro lado, não garante que a inclusão dos beneficiários seja significativa, a menos que as pessoas responsáveis pelas admissões ou contratações estejam dispostas a ajustar as regras para incluir os beneficiários das minorias que, de outra forma, não se qualificariam. Nesse caso, no entanto, o programa seria equivalente a uma meta numérica mínima, ou seja, muito similar a uma cota.

  • Discriminação positiva X Discriminação negativa

    A distinção entre discriminação negativa e discriminação positiva é crucial para entender a ideia de ação afirmativa. A segunda tem por fim a promoção de um maior bem-estar do grupo discriminado, enquanto a discriminação negativa contribui para sua miséria e ruína. Assim, a ação afirmativa é uma política de discriminação positiva. Aqui a palavra “discriminação” é tomada no sentido puramente cognitivo, de separação, distinção, e não está associada a um julgamento negativo, como muitas vezes acontece na linguagem comum. No debate público sobre ação afirmativa, é muito frequente encontrarmos pessoas que não reconhecem a diferença entre as duas coisas, ou mesmo tomam toda forma de discriminação como negativa. Contudo, ao não reconhecermos a distinção entre essas as duas formas de discriminação, tornamo-nos incapazes de perceber a distância moral que há entre, por exemplo, o Apartheid e uma política que aumenta o número de pretos e pardos na universidade pública: ambas são políticas que discriminam, mas com consequências diametralmente distintas para as pessoas envolvidas. Por fim, o princípio que o Estado não deve discriminar seus cidadãos, mesmo que em benefício dos mais desfavorecidos, é extremamente regressivo em termos de políticas públicas e conservador no sentido da manutenção do status quo.

BIBLIOGRAFIA

FERES JÚNIOR, João; CAMPOS, Luiz Augusto; DAFLON, Veronica Toste; VENTURINI, Anna. Ação Afirmativa: História, Conceito e Debates. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018. Disponível aqui.

SANTOS, Bruna Rafaela; SANTOS, Juliana Vieira. “Perguntas que a Ciência já Respondeu: 4 pontos sobre a revisão da política de cotas em 2022”. Nexo Políticas Públicas, 12 de agosto de 2021. Disponível aqui.

VENTURINI, Anna Carolina; FERES JÚNIOR, João. “Onze anos da ação afirmativa sem cota da UNICAMP”. Textos para discussão GEMAA, n. 11, 2016, pp. 1-24. Disponível aqui.

 

Fonte: Fonte: GEMAA e Nexo.

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