Por Derson Maia

 

Sabemos dos desafios que o país enfrenta e a irresponsabilidade de muitos setores do campo progressista em não atuarem com os pés no chão e de mãos dadas com a realidade do povo brasileiro. Todavia, na tentativa de corrigir o caminho, não é justo com o povo, com a história da nossa gente, não reconhecer a importância de suas identidades como base elementar da formação do povo brasileiro.

 

Em primeiro lugar, é preciso dizer que identidade não é apenas pauta. Identidade é fundamento de como nos formamos enquanto povo e sociedade. É preciso lembrar que o Brasil foi fundado a partir da colonização e da escravização de indígenas e negros. Desse modo, a identidade tem muito a ver com qual lugar racial partimos, o que nos ensinaram sobre nós mesmos e como somos aprovados ou reprovados pela sociedade. A história é implacável em denunciar que o que tornou o grupo de homens brancos, modelo e referência de ser humano, foi o rebaixamento e a destruição de outras identidades (negras, indígenas, mulheres e LGBTQI+). Assim, pessoas brancas afirmam sua própria identidade e se auto valorizam, todas vezes, que negam e desvalorizam outras identidades.

 

Mas afinal, qual a importância das identidades ao discutirmos interesses nacionais? Ao partirmos do entendimento que a identidade branca, por muitos séculos, se construiu a partir da negação e destruição de outras identidades. Temos como perversa herança, as gigantescas desigualdades raciais que se apresentam nos dias de hoje. Quando vemos na televisão a representação de maioria branca em quase todas as telenovelas e telejornais, isso é sobre identidade. Quando vemos que mais de 80% da composição do Congresso Nacional, dos Tribunais Superiores e Sistema de Justiça são brancos, é sobre identidade. Quando identificamos que um dos maiores esquemas de corrupção da história brasileira, deflagrada pela Operação Lava Jato, não tem um só negro envolvido, ao contrário, todos brancos. Nós estamos falando de como parcela dessa identidade branca que domina o poder, não é vista como marginal.

 

Desse modo, uma discussão em torno dos interesses nacionais precisa incluir a maioria do povo brasileiro, afinal estamos falando de 57% da população brasileira que é negra. Deixar de fora, a importância da nossa identidade, é insistir em projetos políticos que foram incapazes de fazer o Brasil decolar, justamente por negarem a participação ativa da nossa gente.

 

As agendas de segurança pública, Educação e Saúde pública são de interesse nacional e são as que mais afetam as identidades negras desse país. Essas agendas são inseparáveis das identidades, pois na prática, nós estamos falando de uma segurança pública que é responsável para que a cada 23 minutos, um jovem negro seja morto no país. Nós estamos falando de um Estado, que quando não mata por balas a nossa juventude, extermina seu futuro ao querer manter as datas das provas do ENEM em meio a pandemia e a falta de estrutura para uma educação à distância nas escolas públicas.

 

Ainda assim, os negros que insistem e lutam para viver e que por sorte, chegam a idade adulta, enfrentam o dilema de pertencer ao quadro estatístico de maior probabilidade de morte por coronavírus, se compararmos com as pessoas brancas. Segundo os últimos dados divulgados pelo Ministério da Saúde, o percentual de brancos que morreram por Covid 19 caiu 10% na segunda quinzena de abril, ao passo que o número de negros mortos pela doença, cresceu mais de 10% durante o mesmo período.

 

Me parece, que o problema do Brasil se agiganta ao não consideramos identidades diversas (que são fundamento da nossa brasilidade) como ponto de partida para formulação e resolução dos nossos próprios problemas nacionais. Talvez, a insistência em querer reduzir o papel das identidades na formação social e na construção dos projetos políticos que estão em jogo no Brasil, sejam pistas para responder à pergunta que inspirou Darcy Ribeiro em seu livro “O Povo Brasileiro” em 1995: Por que o Brasil não deu certo?

 

Derson Maia é ativista negro e de Direitos Humanos, presidente nacional da Frente Favela Brasil, Bacharel em Ciência política, Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento, Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília-UnB.

 

Fonte: Justificando, 28 de maio de 2020 | Foto: Ekodide Culturafro.

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