Por Silvia Maria

O parecer para Educação das Relações Étnico-Raciais e Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira alterou a Lei de Diretrizes da Educação.

Após pressionamentos e ações do Movimento Negro, foi aprovado em 2004, na gestão do presidente Lula, o Parecer elaborado pela professora doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que alterou as Diretrizes e Bases da Educação (LDB).  No entanto, não são cumpridas nem tão pouco lidas, por muitos educadores.

Sempre existiram experiências isoladas ocorrendo, porém a Lei determina que História e Cultura Afro-Brasileira seja ministrada no âmbito de todo o currículo escolar e não apenas em projetos específicos.

Vivenciei períodos anteriores, posteriores a implantação e as tentativas para implementação, que não ocorreu conforme determinado. O Parecer Petronilha, que nesse artigo aqui assim será nomeado, deveria estar disposto para todos os professores. Contudo, constatei que raríssimos conhecem o documento.

Como supervisora, observei que estava em lugares de pouco ou nenhum destaque e raras eram as discussões para a implementação. Abordarei como exemplo, um episódio ocorrido com a Supervisão Escolar, que é responsável por fiscalizar o cumprimento das Leis.  

Em uma ocasião, os supervisores elaboravam um plano de ação coletiva e o objetivo central era a aprendizagem da leitura e escrita. Diversas vezes, enquanto argumentava que o fracasso escolar tem relações com gênero e raça – conforme estudos realizados há décadas e recentemente, no livro “Juventude Negra –  Desafios Para o Ensino Médio”[i], que, em todos os capítulos, comprova tal realidade. Era rotineiro ouvir do grupo, que eu enxergava racismo em tudo, usava a discriminação como “muleta” e sempre legislava em causa própria.

Comentários de senso comum para deslegitimar as referências teóricas que eu apresentava eram corriqueiros e desgastantes. Não externavam discordâncias respeitáveis e sim de ataques pessoais, negando a relevância, criando barreiras que dificultavam o avanço às etapas importantes presentes no Parecer, como o reconhecimento e a reeducação.

Quando propus a obrigatoriedade da inserção das Diretrizes no plano coletivo, a liderança respondeu que existiam outras legislações não incluídas, citando debochadamente, uma Portaria sobre o peso da mochila como exemplo. Em seguida, outro supervisor apoiou o colega, mencionando uma outra sobre o lixo.

Fomos das relações étnico raciais para objetos e o lixo em questão de segundos. Eu abordando uma Lei Federal e eles, Portarias passageiras. Incluí, então, no meu plano separadamente, a fiscalização do Parecer, afinal como dizem: Eu não sou todo mundo!

PARECER APRESENTADO PELA PROFª PETRONILHA BEATRIZ

A obediência a LDB é parcial, pois os artigos que visam a exigência do direito dos negros e da obrigatoriedade de reeducar para as relações étnico raciais, são descumpridos ou então, pseudo obedecidos com o desenvolvimento de ações no mês de novembro ou maio, através de palestras feitas por uma negra aqui, um negro acolá, falando sobre a temática em um evento “folclorizado”, com a participação de grupos de capoeira, estudantes tocando instrumentos de percussão ou cantores de samba. Alguma liderança não negra fará a abertura citando Nelson Mandela ou Dr. King e bastará.

 

A gestão escolar cinicamente afirma, que as escolas cumprem a LDB. Caso surjam denúncias de possível descumprimento do Parecer Petronilha, justificam com argumentos de que a reciclagem do lixo, a horta ou o ensino religioso de apenas uma religião são elementos que integram prioritariamente o Projeto Pedagógico.

As estratégias para não implementação do Parecer existem desde que foi aprovado. Responsabilizar pelo descumprimento grupos religiosos, gestão de governos ou qualquer outra tentativa de culpabilização pessoal faz parte das sutilezas racistas de um crime coletivo cometido contra duas gerações de estudantes. São dezesseis anos seguindo impunes.  Estar nos lugares de chefia contribuiu para que constatasse essa irregularidade.

Mas trago boas notícias. Esse esforço para que a implantação não ocorra, cada vez mais será pulverizado diante dos anúncios das mudanças ocasionadas pela influência das Diretrizes que em consonância com a Constituição Federal e a ONU acentuam o papel do Estado em promover políticas de reparações. Impondo não só a escola, mas a toda sociedade a necessidade de desfazer a mentalidade racista e discriminadora secular.

Estudos realizados por estudantes negras (os) em Universidades de todo país seguem proclamando com altivez que o Brasil não vive sob a égide de uma democracia racial e políticas de reparação, reconhecimento e valorização da população negra ampliaram, consolidando inclusive, transformações na educação superior brasileira.

O legado do Parecer Petronilha, antes de completar a maioridade, está apenas iniciando a colheita. Apesar do medo de muitos educadores, o número de pessoas com coragem, dispostas a pular as frágeis grades que ainda insistem em colocar sob os muros das escolas deste pais, não para de crescer. Que venha o próximo aniversário. Celebremos!


[i] Silvério Valter Roberto, Org.;Oliveira, Fabiana Luci de, Org.; Rodrigues Tatiane Consentino, Org- São Paulo: Intermeios, 2019. (Coleção Africamundi).

 

Silvia Maria
SILVIA MARIA

Pedagoga com 30 anos de experiência na área da Educação no município de São Paulo. Foi Coordenadora Pedagógica, Supervisora Escolar 10 anos. Supervisora Técnica por 4 anos. Diretora da Divisão de Normatização Técnica da Secretaria Municipal de Educação.

 

Fonte: Carta Capital.

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