Por W. E. B. Du Bois | Tradução: Victor Marques

William Edward Burghardt Du Bois, um dos maiores intelectuais dos EUA e liderança panafricanista, faleceu no dia 27 de agosto de 1963. Celebramos sua vida e pensamento reproduzindo a carta que escreveu requisitando filiação ao Partido Comunista.

NANTE YIE! estampava a primeira página do Jornal Ghanaian Times em 28 de Agosto 1963. Era uma mensagem de adeus (significa “Vá bem” em Asante) sobre a data anterior referente a morte de William Edward Burghardt Du Bois. W. E. B. Du Bois, como era mais conhecido, viveu por 95 anos uma vida extraordinariamente especial, em uma luta constante para que, no fundo, todos fossem especiais. Se uma palavra representa sua existência é solidariedade.

Du Bois – se fala “du-bóiz”, como o próprio insistia em corrigir – foi um dos maiores intelectuais, pensadores, pesquisadores e ativistas do final do século XIX e meados de século XX. A ele podemos atribuir o crescimento Associação Nacional para Avanço do Povo Negro (NAACP), que apesar de ser estadunidense, deu referência para outras formas de organização no contexto da diáspora; a ele podemos atribuir a fundação dos primeiro congressos pan-africanistas; a ele podemos atribuir uma série inovadora e pioneiro de estudos sociológicos e historiográficos sobre a situação do negro nos EUA, especialmente a conexão de suas condições materiais com o legado da desigualdade que uma sociedade racista impõe sobre esse contingente.

A Du Bois podemos atribuir uma das obras mais fundamentais sobre como o racismo forja uma subjetividade específica na população negra, e como, a partir disso, podemos compreender que a linha de cor seria decisiva para compreender o que seria o século XX. Sua luta contra o racismo, o colonialismo e imperialismo foram traços marcantes de sua produção e atuação intelectual, política e social, além de sua relação com o socialismo e a luta pela emancipação das mulheres (influenciado pela intelectual e militante da libertação negra Anna Julia Cooper).

Du Bois é um intelectual de tamanha estatura que, não fosse o racismo, teríamos suas obras disseminadas por todas as partes. É o que explica que um dos mais importantes intelectuais da modernidade não teve quase nenhuma de suas publicações traduzidas para o português.

Du Bois deu sequência a seu projeto estabelecendo sua filiação definitiva ao socialismo, e ao final, já com 93 anos, filiando-se ao Partido Comunista, guiado pela crença de que nenhum projeto de superação negra seria possível sem destruir o sistema que nos condicionava. Já quase no fim da vida, e bastante perseguido pelo macarthismo no contexto da Guerra Fria, por suas convicções socialistas, vai para Gana e acaba se estabelecendo por lá – onde veio enfim a falecer, dia 27 de agosto de 1963.

Sua memória pode ser revisitada em suas diversas obras, contribuições e trabalhos. O traço comum: solidariedade, o olhar a seu povo e àqueles convictos de poder superar as condições de subjugação, exploração e opressão.

Celebrando sua história e pensamento, escolhemos aqui revistar a bela carta que escreveu quando se filiou ao Partido Comunista – datada de 1961, quando já residia em Accra.

Tulio Custódio


 

Neste dia, primeiro de outubro de 1961, solicito admissão como membro do Partido Comunista dos Estados Unidos. Para mim foi um processo longo e vagaroso até chegar a essa conclusão, mas enfim minha mente está decidida.

Durante a faculdade, ouvi o nome de Karl Marx, mas não li nenhuma de suas obras, nem fui introduzido a elas. Na Universidade de Berlim, ouvi bastante sobre aqueles pensadores que teriam refutado definitivamente as teorias de Marx, mas, novamente, não chegamos a estudar o que o próprio Marx havia dito. Ainda assim, participei de reuniões do Partido Socialista e me considerava um socialista.

Ao retornar à América, ensinei e pesquisei por dezesseis anos. Explorei a teoria do socialismo e estudei a vida social organizada dos negros norte-americanos; mas ainda não havia lido nem aprendido muito sobre o marxismo. Depois vim para Nova York como funcionário da nova NAACP e editor da revista The Crisis [A Crise]. A NAACP tinha um orientação capitalista, e buscava o apoio de filantropos ricos.

Havia, porém, um forte elemento socialista na sua liderança, em figuras como Mary Ovington, William English Walling e Charles Edward Russell. Seguindo o conselho delas, entrei para o Partido Socialista em 1911. Não sabia nada sobre política socialista prática e na campanha de 1912 me vi relutante em apoiar a chapa socialista, aconselhando os negros a votarem em Wilson [o candidato do Partido Democrata]. Isso ia contra as regras do Partido Socialista e, conseqüentemente, renunciei à minha filiação.

Nos vinte anos seguintes, procurei desenvolver um estilo de vida político para mim e meu povo. Ataquei os Democratas e Republicanos pelo monopólio e pela privação dos direitos dos negros. Critiquei os socialistas por tentarem segregar seus filiados negros do sul. Elogiei as atitudes raciais dos comunistas, mas me opus a suas táticas no caso dos Rapazes de Scottsboro e na defesa de um Estado negro. Ao mesmo tempo, comecei o estudo de Karl Marx e os comunistas. Li O Capital e outras literaturas comunistas. Saudei a Revolução Russa de 1917, mas fiquei perplexo com as notícias contraditórias que chegavam de lá.

Finalmente, em 1926, comecei um novo esforço. Visitei as terras comunistas. Fui à União Soviética em 1926, 1936, 1949 e 1959; vi a nação se desenvolver. Visitei a Alemanha Oriental, a Tchecoslováquia e a Polônia. Passei dez semanas na China, viajando por todo o país. Neste verão, descansei um mês na Romênia.

Desde cedo me convenci de que o socialismo era um excelente modo de vida, mas julgava que poderia ser alcançado por vários métodos. Estava convencido de que a Rússia havia escolhido o único caminho aberto para ela na época. Testemunhei a Escandinávia escolhendo um método diferente, a meio caminho entre o socialismo e o capitalismo. Nos Estados Unidos, considerei a Cooperação de Consumidores como um caminho do capitalismo ao socialismo, enquanto a Inglaterra, França e Alemanha desenvolviam-se na mesma direção, a sua própria maneira. Depois da Grande Depressão [de 1929] e da Segunda Guerra Mundial, fiquei desiludido. O movimento progressista nos Estados Unidos havia fracassado. Teve início a Guerra Fria. O capitalismo criminalizoutaxou o comunismo de crime.

Hoje cheguei à minha conclusão: o capitalismo não é capaz de se reformar. Está condenado à autodestruição. O egoísmo universal não pode trazer bem social para todos.

O comunismo é o esforço para satisfazer as necessidades de todos os seres humanos, e requisitar de cada um o melhor que pode contribuir. Esse é o único modo de vida verdadeiramente humano. É um objetivo difícil e duro de se alcançar; erros foram e serão cometidos, mas hoje avança triunfantemente na educação e na ciência, no lar e na alimentação, com maior liberdade de pensamento e libertação de dogmas. No fim, o comunismo triunfará. Quero contribuir para fazer esse dia chegar.

O caminho do Partido Comunista é simples: proporcionará aos Estados Unidos um terceiro partido de verdade e, assim, restaurar a democracia nestas terras. Suas demandas são:

  1. Propriedade pública dos recursos naturais e do capital.
  2. Gestão pública dos transporte e comunicações.
  3. Abolição da pobreza e limitação da renda pessoal.
  4. Fim da exploração do trabalho.
  5. Medicina social, com internação e cuidado aos idosos.
  6. Educação gratuita para todos.
  7. Treinamento profissional e empregos para todos.
  8. Disciplina para o desenvolvimento e reforma.
  9. Liberdade sob a lei.
  10. Fim da opressão religiosa.

Esses objetivos não são crimes. São, cada vez mais, praticados em várias partes do mundo. Nenhuma nação pode se considerar livre se não permitir que seus cidadãos trabalhem para esses fins.

 

Fonte: Jacobin Magazine.

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