Por Tamiris Pereira Rizzo, Instituto Búzios Rio de Janeiro

#ENDSARS #ENDSWAT

Ruas tomadas e praças muito cheias e iluminadas. Cenas comuns das primeiras semanas de outubro nas cidades do Sul da Nigéria, e depois em todo país, logo passaram a dar lugar a ruas desertas, um clima de terror e muito sangue em amplos confrontos campais.

A divulgação de um vídeo com homens da SARS-Esquadrão Anti-Roubo (tradução livre) em que um jovem baleado é deixado sangrando na rua até a morte, seguido do abandono do local pelos policiais no carro do próprio rapaz que não havia cometido nenhum crime ou oferecido qualquer resistência, foi o estopim para o levante da juventude nigeriana pelo fim da brutalidade policial e pela imediata dissolução, investigação e revogação de uma série de prisões e condutas empregadas pela SARS.

Criada nos anos 1980 para combater a alta criminalidade nas cidades da Nigéria, a SARS vêm sendo há muitos anos alvo de denúncias de crimes que envolvem sequestro, extorsão, estupro, tortura e execuções extrajudiciais. Certamente, a tradução que nos é mais familiar da sigla seria “esquadrão da morte”, diante da conhecida e similar atuação que guardam com os grupos paramilitares e milicianos em boa parte do território brasileiro.

Após intensos e pacíficos protestos, o presidente do país Muhammadu Buhari, anunciou a dissolução da SARS no último dia 11, sem que nenhuma ação de investigação e punição fosse instaurada diante das inúmeras denúncias de violações aos direitos humanos imputadas ao esquadrão. As ruas se mantiveram tomadas. No dia 13, a polícia Nigeriana anunciava a criação e um outro esquadrão anti-roubo, a SWAT, que supostamente seria composta sem a presença de nenhum antigo membro da SARS.

A tensão já aberta passou a se acirrar. As ruas do país se transformaram em campos de guerra, situação também agravada pela entrada de infiltrados nos protestos. Segundo o governo já são 18 policiais e 51 civis mortos. A Anistia Internacional alerta que este número é bem maior, com pelo menos 12 civis mortos por policiais durante os protestos. Responsabilidade que não vêm sendo assumida pelo governo de Buhari.

Na semana passada os protestos se intensificaram, novamente, com a morte durante a manifestação, do jovem designer Oke. Sua última postagem antes da manifestação no twitter foi: “A Nigéria não vai acabar comigo”. Na ocasião, militares teriam desligado as câmeras de segurança da praça de pedágios de Lekki e no distrito de Alausa, em Lagos antiga capital da Nigéria, e teriam aberto fogo contra os manifestantes usando armas letais, como pode ser visto no vídeo associado a matéria (https://noticias.r7.com/internacional/ultimo-post-de-nigeriano-antes-de-morrer-amplia-protestos-no-pais-21102020).

O governo e as forças armadas acionadas por este para contensão das manifestações negam o massacre. No entanto, os relatos e imagens dizem o contrário. Hospitais lotados, feridos sem assistência, e muitos mortos, inclusive, com corpos levados por militares têm sido as marcas dos últimos dias. Cenas que não nos são alheias do lado de cá do atlântico, durante as operações ilegais em plena pandêmia nas favelas cariocas, por exemplo.

É importante ressaltar que as reivindicações dos manifestantes não se restringem a dissolução e apuração das denúncias e punição diante dos crimes cometidos pela SARS. Exigem uma profunda reorganização do modelo de organização policial e de uma ampla reforma política e econômica no país.

A Nigéria que ostenta o título de país mais populoso do continente, sétimo mais populoso do mundo, têm uma população de 70% de jovens. Acusados de preguiçosos e malandros pelas forças da SARS, esta juventude vê seus postos de trabalho serem extintos. O arrefecimento da economia petroleira nigeriana, seguida pela crise gerada pela pandemia da Covid 19, fez aumentar a já alta taxa de 34,9% de desemprego no país, registrando no segundo semestre de 2020 mais de 21,7 milhões de postos de trabalhos fechados, destes, 13,9 milhões ocupados por jovens.

Infelizmente, desde sua independência da dominação colonial britância em 1960, a Nigéria cursa uma trajetória comum a outros países africanos. Isto é, marcada pela emergência de governos autoritários que por muito tempo foram parceiros centrais das grandes potências do ocidente na região ou foram alçados ao poder por meio de golpes apoiados pelo ocidente. Deste modo, tanto governos marcadamente autoritários como aqueles de verniz mais “democrático”, quando associados aos planos do capital e aos interesses do ocidente pouco têm se demonstrado comprometidos com um verdadeiro plano de reestruturação autônoma dos país e de implementação de ações de reparação aos diferentes grupos étnicos deste território vítimas da exploração, miséria e falta de oportunidades.

Têm crescido a pressão internacional pelo fim da repressão aos protestos. Diversas personalidades e atos em embaixadas pelo mundo encontram eco com as manifestações locais pelo fim da violência policial, consagradas na consigna “Black Lives Matter” ou “Vidas Negras Importam”. Sem dúvidas, quando esta onda atinge um  país com dimensões e importâncias como as da Nigéria, seja para dentro do continente Africano, mas também, para sua diáspora no atlântico negro – repleta de compartilhamentos e pertencimentos culturais comuns – muita coisa passa a estar em jogo e ameaça a quem se serve da manutenção do genocídio negro e do subjulgo do povo africano e afrodescendente.

Assim, nós do Instituto Búzios estendemos nossa solidariedade a juventude e ao povo nigeriano. Em parceria com outras entidades, em especial o Global Afrikan Congress, protocolamos o documento aqui anexado junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU exigindo a retirada imediata do exército das ruas, o fim da repressão violenta aos protestos e a garantia da proteção aos direitos humanos, cobrando uma intervenção mais eficaz para abertura de diálogo e negociação das pautas apresentadas pelos ativistas nigerianos.

 

Leia a nota de apoio do Congresso Global Afrikan (GAC) aos ativistas e à juventude nigeriana: Letter To The AU – 26.10.2020F – Signature

 

Referências:

https://theconversation.com/endsars-how-nigeria-can-tap-into-its-youthful-population-148319

https://www.gq.com/story/endsars-protests-police-brutality-nigeria

https://www.dw.com/pt-002/multid%C3%A3o-invade-pris%C3%A3o-e-liberta-reclusos-no-sul-da-nig%C3%A9ria/a-55329453

https://noticias.r7.com/internacional/ultimo-post-de-nigeriano-antes-de-morrer-amplia-protestos-no-pais-21102020

https://g1.globo.com/tudo-sobre/nigeria/

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